Da Redação
Eliara Santana, também jornalista, doutoranda em Estudos Linguísticos pela PUC Minas/Capes.
Desde janeiro, quando o Tribunal Regional Federal da 4.a Região (TRF-4) condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, elas estão debruçadas sobre as edições diárias do Jornal Nacional, da Rede Globo.
Objetivo: observar os movimentos de produção de sentido e a construção de estratégias discursivas para compreender como seriam trabalhadas em um ano eleitoral no cenário pós-golpe.
Aa duas pesquisadoras já analisaram mais de 200 edições do JN, e observaram que:
*A partir do período inicial do julgamento, houve exposição crescente e diária do ex-presidente, sempre no quadro da corrupção.
*Em abril, com a prisão, detectaram movimento oposto: o silenciamento, apagando Lula não apenas do noticiário, mas da vida política brasileira.
Se antes a superexposição visava mostrar que tudo de ruim era culpa da política e dos políticos, agora a ausência de Lula objetivava reforçar um candidato de extrema-direita, fascista, que “não é político”, mesmo estando na política partidária há quase três décadas.
Uma imagem que retrata bem esse movimento do JN é a imagem no topo deste post.
Toda vez que William Bonner ou Renata Vasconcelos fazem menção a Lula e ao PT aparece, ao fundo, essa imagem vermelha, com um duto de esgoto do qual saem notas de dinheiro.
Para as pesquisadoras, uma associação simbólica gravíssima, porque toda vez que o PT colocar suas bandeiras vermelhas em cena, o telespectador vai associar à corrupção.
Ângela Carrato e Eliara Santana divulgam, com exclusividade ao Viomundo, os resultados iniciais do estudo em andamento.
Eles serão apresentados em quatro atos.
ATO 1: SILENCIAMENTO DE LULA, O CANDIDATO INDESEJADO
por Ângela Carrato e Eliara Santana*, especial para o Viomundo
Desde janeiro de 2018, quando iniciamos esta pesquisa, já analisamos mais de 200 edições do Jornal Nacional à procura de padrões que pudessem indicar o comportamento da cobertura jornalística do principal veículo da Rede Globo, como ator que se posiciona no campo político, na disputa de poder.
O nosso estudo não avalia apenas os elementos objetivos — duração das matérias, pertinência das fontes ouvidas, presença do contraditório.
Atenta também ao que é dito, como é dito, por quem é dito, pois são aspectos igualmente importantes numa análise com esse perfil.
Vale dizer: entonação de voz, fisionomia da pessoa, vestuário, contexto em que a pessoa fala, cores predominantes na cena, entre outros detalhes. Tudo isso importa e muito.
É importante observar, ainda, que pesa muito o modo como as informações/notícias são organizadas e apresentadas para os telespectadores.
O resultado dessa empreitada é que pudemos verificar, na análise, que há padrões internos claros na cobertura, bem como mudanças estratégicas neles, de acordo com o cenário e as ênfases que a edição pretenda dar.
Percepção que se torna fundamental para, num momento seguinte, se posicionarem sobre essa mesma realidade.
Ressaltar esse aspecto é essencial, tendo em vista a divergência reinante entre os estudiosos da mídia.
De um lado, aqueles que defendem que a mídia manipula a compreensão do público sobre os fatos, valendo-se para tanto de várias técnicas, entre elas o agendamento (agenda setting).
De outro, os que defendem que o público tem autonomia e outras fontes de informação, sendo assim capaz de formar julgamento próprio (as teorias sobre deliberação).
Os defensores da segunda visão estariam menos equivocados se no Brasil existissem, efetivamente, fontes plurais de informação (em especial também uma mídia pública) e não um monopólio comercial de mídia.
Estariam menos equivocados se existisse aqui uma educação de qualidade para todos e uma população plenamente — e não apenas funcionalmente — alfabetizada, como acontece em países da Europa ou mesmo nos Estados Unidos.
A edição dos telejornais brasileiros, em especial o JN, utiliza um recurso que segue a mesma lógica das novelas (tão apreciadas no País) e das séries.
Um assunto começa num dia e se prolonga por vários “capítulos”.
O que aconteceu num “capítulo” acaba tendo influência em outro.
No entanto, ao contrário das novelas, onde um personagem não pode desaparecer por muito tempo, nos telejornais, a presença de personagens e dos temas a eles ligados não segue essa lógica.
Em outras palavras: nos telejornais, onde deveria haver espaço para recortes de um dado real, tem predominado mais ficção — compreendida aqui como reconstrução enviesada do real — do que nas próprias novelas.
A CONSTRUÇÃO DE CENAS
Há movimentos bastante precisos e coordenados em relação às edições do jornal nesse período (que denominamos ATO 1), com um enquadramento muito bem construído a partir dos temas (assuntos principais em destaque), da qualificação dos atores e da construção da cena enunciativa
É preciso ficar bem claro que o JN não está fazendo (se é que algum dia efetivamente fez) puramente jornalismo.
Ele está tentando criar um repertório coletivo, recorrendo à memória discursiva, modalizando o dizer, com estratégias muito bem construídas do ponto de vista discursivo, para substituir a percepção e a memória que os telespectadores têm dos fatos.
Dito de outra forma: o JN está tentando reescrever a história do Brasil, de acordo com os interesses da família Marinho e da elite dominante brasileira (e de seus apoiadores externos).
Esses aspectos são fundamentais para podermos mostrar como, enfim, a discussão de temas relevantes no cenário nacional é circunscrita no e pelo JN, visando a determinadas interpretações e problematizações.
Afinal, o que está circunscrito opera dentro de quadros e enquadres limitados, delineados, produzindo determinados sentidos.
Há acontecimentos relevantes que são redimensionados pelo JN, bem como assuntos que são trazidos à cena para ocultarem ou silenciarem outros.
Por exemplo, a cobertura na semana do julgamento do habeas corpus (HC) à prisão do ex-presidente Lula.
Desaparecem os grandes temas POLÍTICA e ECONOMIA.
Tudo gira em torno de questões técnicas (relativas à prisão, ao julgamento).
Alguns aspectos se destacam:
1. Reforço a questões técnicas — o discurso cumpre a função de mostrar que não há um viés determinante no JN.
Há fatos e aspectos técnicos que demonstram esses acontecimentos, e todas essas percepções são mostradas por vozes de autoridade — o jornal não fala.
2. Edições num esforço de equilíbrio, projetando um ethos de neutralidade.
3. Reforço à ideia de justiça para todos, justiça acima de interesses desse ou daquele partido — a grande justiça que está sendo feita é apartidária.
4. Ideia de que a Globo não é contra a justiça — mas a quer para todos.
5. Há um tom sóbrio e de neutralidade.
7. Tal enquadramento não contempla a política. Tudo se resume à técnica, à adequação à justiça.
8. Cobertura a-histórica: não há nenhuma recuperação do que foram os governos Lula (2003-2010). A historicidade é apagada da cobertura.
SEM O FINAL ESPERADO Continue lendo Professoras que estudaram 200 edições do Jornal Nacional mostram como cena de avião marcou operação de “silenciamento” do ex-presidente Lula