Cozinheira salvou 60 adolescentes com freezer em Suzano

Estudantes e moradores participam de um abraço simbólico em homenagem às vítimas de ataque na escola Raul Brasil, em Suzano
15/03/2019
REUTERS/Ueslei Marcelino
Estudantes e moradores participam de um abraço simbólico em homenagem às vítimas de ataque na escola Raul Brasil, em Suzano 15/03/2019 REUTERS/Ueslei Marcelino

 

Até uma semana atrás Moraes, de 49 anos, era a mãe de três jovens, a “pastora” de uma igreja da zona leste e a “tia da merenda” entre os alunos da Escola Estadual Professor Raul Brasil. Hoje, ela é uma heroína. Das redes sociais até o grafite feito no portão de onde mora, a “Silmara Maravilha” é lembrada como a mulher que usou um freezer para impedir a entrada de atiradores no refeitório da instituição, salvando cerca de 60 adolescentes

Agora, Silmara quer ajudar a reerguer a escola e, garante, no fim do ano, estará ainda maior. Os esforços em melhorar o dia a dia começaram, contudo, há 10 anos, logo que entrou na instituição. Junto das colegas Sandra e Lisete, ela abria todos os enlatados fornecidos à escola, lavava a comida e adicionava novos temperos. A meta era aumentar de 50 para 100 o número de alunos que faziam as refeições no turno da manhã. Ela conseguiu e, hoje, o número passa de 200 nos dias mais concorridos. “A gente nunca se conformava com o que estava bom, sempre queria melhorar”, explica.

Além disso, no ano passado, professores e alunos criaram uma horta do pátio, de onde vem manjericão e outros ingredientes. “Os alunos acham isso fenomenal. Falam: ‘pô, tia, está da hora, não existe tia melhor’. Pra gente, é o maior prazer, motiva”, conta.

Como a escola tem um centro de línguas, alguns alunos fazem curso de idiomas pela manhã e já ficam na instituição já para as aulas regulares no turno da tarde. Nesse caso, costumam levar marmitas, que são esquentadas na cantina perto do meio dia. Em alguns casos, contudo, o conteúdo é insuficiente para as crianças – e Silmara não hesita em interferir novamente: “A gente vê muito isso: que tem crianças carentes. É mais no período da tarde, no fundamental”, conta. “Como o potinho geralmente é transparente. dá para ver. Quando a gente vê que não tem mistura, a gente abre e coloca mistura lá dentro e deixa para a hora que eles vêm comer.”

‘Lembrava de todos’, diz cozinheira sobre vítimas do massacre em Suzano

Há 10 anos no Raul Brasil, Silmara diz lembrar de todos os alunos que passaram pela escola. Das vítimas do massacre, diz que Cleiton Ribeiro, de 17 anos, era o mais quietinho. “Ficava sempre nos cantos. Lembro dele desde a quinta série.”

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“Ainda não caiu a ficha. Eu não vejo por esse lado, como uma heroína. Eu vejo assim, como um coração de amor. Eu faria isso em qualquer lugar que estivesse, acho que seria essa a minha reação, pelo amor que tenho àquele lugar.”

Movimentação após tiroteio ocorrido na Escola Estadual Raul Brasil, na Rua Otávio Miguel da Silva, em Suzano, na Grande São Paulo, nesta quarta-feira, 13
Movimentação após tiroteio ocorrido na Escola Estadual Raul Brasil, na Rua Otávio Miguel da Silva, em Suzano, na Grande São Paulo, nesta quarta-feira, 13
Foto: GERO RODRIGUES/O FOTOGRÁFICO / Estadão Conteúdo

Na terça-feira, 17, a cozinheira participou do acolhimento aos alunos na escola. Quando foi recebida por muitos abraços de quem nem sabia que tinha salvo. De todos, uma menina a agradeceu também com trufas e um bicho de pelúcia. “Segunda não foi bom chegar ali, deu um apertinho no coração. Mas hoje, quando chegaram os alunos, foi bom. Uns vinham, choravam, abraçavam, agradeciam. Foi um momento muito bom, saber que vão voltar.”

No dia do velório, Silmara lembra que passou perto de todos os caixões, o que mais marcou foi a reação de uma mãe, que, naquele momento, dizia: “Levanta filho, levanta daí”. “Comecei a chorar muito. Ela levantou a cabeça e perguntou porque não salvei o filho dela. Eu queria ter salvado todos que estavam ao meu alcance, mas não consegui. A gente tinha de agir rápido.”

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