STF julga nesta quinta-feira uso de dados sigilosos da Receita pelo Ministério Público

O Supremo Tribunal Federal ( STF ) deve estabelecer hoje regras específicas para o compartilhamento de dados sigilosos da Receita Federal com o Ministério Público . Atualmente, existem decisões judiciais díspares sobre o assunto – ora autorizando a transferência de informações sem decisão judicial, ora proibindo.

Na avaliação de ministros consultados pelo GLOBO, o plenário deve unificar esses procedimentos em um julgamento previsto para a tarde desta quinta-feira. A tendência é a Corte endurecer, fixando como regra a necessidade de aval de um juiz.

O processo é de relatoria do presidente do tribunal, Dias Toffoli, e tem repercussão geral – ou seja, a decisão deve ser aplicada por juízes de todo o país em processos semelhantes. O caso está sob segredo de justiça. Se o STF de fato der interpretação mais rígida aos compartilhamentos, investigações feitas com base em dados obtidos sem autorização judicial podem ser anuladas. O resultado pode acirrar as desavenças entre o Ministério Público e o STF.

O julgamento de hoje é uma reação à divulgação de apuração prévia da Receita sobre o ministro Gilmar Mendes, sua mulher, Guiomar, e para a advogada Roberta Rangel, mulher do presidente do tribunal, Dias Toffoli. O tema não estava previsto na pauta deste semestre, que foi elaborada em dezembro do ano passado. Os dois ministros conversaram sobre o assunto e consideraram importante fixar limites para a atuação da Receita e marcaram o julgamento na semana passada. Ontem, no fim da tarde, no entanto, ministros da Corte chegaram a discutir a possibilidade de retirar o caso da pauta, para evitar mais dissonâncias.

Na semana passada, o Supremo decidiu enviar para a Justiça Eleitoral os processos sobre crimes comuns ligados à prática de caixa dois. A medida deflagrou uma crise entre os ministros da Corte e os procuradores da Lava-Jato de Curitiba, que enxergaram no julgamento uma tentativa de enfraquecer as investigações da força-tarefa.

O coordenador da operação, Deltan Dallagnol, definiu a decisão como um retrocesso. “Hoje, começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos, no início da Lava-Jato”, escreveu ele em uma rede social, na ocasião.

Durante o julgamento, Toffoli anunciou a decisão de abrir, de ofício, um inquérito para investigar ataques e ameaças contra a Corte, os ministros e seus familiares.

Indício de crimes

Em 2016, o plenário do STF considerou constitucional a norma que permite à Receita Federal acessar dados bancários sigilosos de pessoas físicas e jurídicas sem autorização judicial. Quando há indício de crime de sonegação fiscal, o órgão envia as informações direto para o Ministério Público, mesmo sem decisão judicial. O problema é que, muitas vezes, o Fisco identifica suspeita de outros crimes — como lavagem de dinheiro. Nesses casos, a Receita deve informar ao Ministério Público, que pede autorização judicial para obter os dados.

Na Receita, o receio é que, para frear a atuação do órgão, o STF proíba inclusive o compartilhamento de dados com o Ministério Público em casos de sonegação.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, defendeu o compartilhamento de informações:

— Muitas vezes é no detalhe da quebra de sigilo fiscal que você encontra elementos para que a investigação prossiga. Então a Receita Federal tem os dados não apenas do que a pessoa recebeu, mas de onde vieram, que empresas ela tem, de que faz parte, das quais recebeu. Essas informações são muitas vezes essenciais para a investigação. Qualquer restrição ao acesso às informações é um atraso .

Segundo ele, todo compartilhamento de informações é justificado por escrito em ofício. O presidente da ANPR também destacou que as informações em poder do Ministério Público continuam sob sigilo:

— Nunca se ouviu falar de vazamento de informação fiscal dentro do Ministério Público. O MPF nunca usou as informações da Receita de maneira equivocada. Então, com todo respeito, essa reclamação faz mais sentido para a defesa dificultar a investigação.

Na véspera do julgamento, Gilmar Mendes questionou o acesso amplo da Receita aos dados, mesmo sem o compartilhamento com o Ministério Público.

— O acesso, mesmo por parte de um agente fiscal, tem que ter uma causa. Não pode ser uma coisa banal. Eu não posso ir para uma mesa de bar e querer saber o que está na sua conta — disse Mendes, completando: — Foi na gestão da Lina Vieira que isso virou uma barafunda e que hoje é uma farra. Qualquer fiscal pode ter acesso e informar. Porque a rigor, mesmo o fato deles terem acesso não significa que eles devam ter acesso a qualquer informação. Isso virou um jogo sem quartel e se presta a coisas indizíveis.

No julgamento, o tribunal também deve reforçar que os dados, quando compartilhados com o Ministério Público, devem permanecer sob sigilo — e não divulgados, como ocorreu no episódio envolvendo os ministros do STF. Sobre o episódio, Mendes afirma que não há ligação com o julgamento de hoje:

— A rigor, a Receita sempre poderia fazer fiscalização sobre qualquer contribuinte. Ali, o que é esquisito é o vazamento.

O GLOBO

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