Políticos querem o fim do exame da ordem, mas problema está na formação dos bacharéis

Foto: Reprodução Internet

Um projeto de lei de autoria do deputado federal José Medeiros (PODE-MT) prevê o fim do exame da ordem como medida de autorização para o exercício profissional aos bacharéis do direito. O texto basicamente retoma o argumento de uma proposta do então deputado Jair Bolsonaro, de 2007, de que o livre exercício profissional é garantido pela Constituição Federal.

Assim como texto original, o assunto é volta a ganhar força com base num apelo social. Na primeira vez, Bolsonaro tinha afirmado que a extinção era necessária por causa de notícias sobre fraude nos exames. Agora, Medeiros afirma que o exame promovido pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) promove acesso ao mercado de trabalho de “boys de luxo” – estudantes supostamente vindo das classes socioeconômicas A e B.

“Não dá pra gente aceitar que na sexta se formem juntos o médico, o engenheiro e o advogado, e na segunda somente o médico e o engenheiro vão trabalhar em suas profissões. Queremos que o diploma do MEC (Ministério da Educação) possa efetivamente valer no dia em que a pessoa o recebe”, diz Medeiros.

O assunto está em disputa de cabo de guerra. Formada em direito há trinta anos, num tempo em que não havia o exame da ordem, a professora da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), doutora Silvia Regina Siqueira Loureiro, diz que a discussão está distorcida. O problema está na formação dos graduandos. A falta da prática de pesquisa e extensão tem formado futuros profissionais que não entendem de modo adequado seu campo.

“Eu venho de um tempo em que a licença era concedida pelo conselho profissional por meio de convênio com a faculdade. As atividades de pesquisa e extensão eram acompanhadas por um fiscal, que, se houvesse bom desempenho do estudante, autorizava a concessão da licença profissional”.

Hoje, diz ela o nível de aprendizado está sobre o decoreba de leis e não prepara o pretendente à prática, e o resultado ruim do exame da ordem, em Mato Grosso especificamente, seria uma amostra do quadro.

“Se aprende muito jurisprudência, isso não capacita para o exercício da profissão, o estudante tem que aprender a pesquisar, procurar dados, se tornar verdadeiramente um investigador. No segundo ano do curso, ele precisa estar preparado para montar uma peça, mas hoje há aluno ainda aprendendo português num curso de nível superior”.

A professora diz que o exame surgiu para ajudar o Estado a promover avaliação dos cursos num momento em que a deficiência já era percebida. Com o aumento da demanda pelo curso de direito, as entidades de fiscalização perderam o controle e as faculdades relaxaram na formação adequada.

“O principal problema está nas faculdades privadas porque o objetivo delas, todos nós sabemos, não é a formação vigorosa dos estudantes. Eles querem lucro e as atividades de pesquisa e extensão geram mais gastos, e para isso os estudantes teriam que pagar mais”.

‘Mercantilização’ e resultados negativos

O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) seccional Mato Grosso, Leonardo Campos, diz que a saída dos professores de direito do foco do ensino abriu espaço para “mercantilização” do ensino, os efeitos são o enfraquecimento da supervisão dos estágios.

“O ensino jurídico se tornou uma atividade meramente mercantil, ou seja, as instituições de ensino superior estão preocupadas com a arrecadação do que com a qualidade. Esse problema passa pela deficiência na valorização dos professores, capacitação, estruturas físicas”.

Mato Grosso tem um longo histórico de resultados insatisfatórios no exame da ordem. O alerta acendeu em 2007, quando apenas 12% dos inscritos na prova foram aprovados. Nos anos seguintes, o patamar teve modificação e levou o MEC a suspender a criação de cursos como punição às instituições de ensino pelos currículos fracos.

Hoje, a média de aprovação está em 25%, mas a imensa maioria das faculdades segue com avaliação ruim. Em fevereiro deste ano, OAB-MT, que possui uma Comissão de Ensino Jurídico, concedeu selo de qualidades a apenas duas universidades, UFMT e Unemat (Universidade Mato Grosso), com restrição a três campi.

Na Comissão de Ética da ordem está hoje em tramitação cerca de 3,2 mil processos, com infrações profissionais que vão de perda de prazo processual pelo advogado, prejuízo aos clientes a calotes.

Circuito MT

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