Despacho de delegado com nome de aliado de Bolsonaro é pivô de crise na PF

A crise que atinge a Polícia Federal foi agravada pelo despacho de um delegado responsável por uma investigação sobre crimes previdenciários no Rio, no qual ele levanta a suspeita de quem seria um homem identificado como Hélio Negão, mesmo codinome do deputado federal amigo de Jair Bolsonaro (PSL).

ministro Sergio Moro (Justiça) pediu apuração sobre o episódio, dizendo haver suspeita de que o responsável pelo inquérito tenha colocado o nome de forma proposital para desgastar o então chefe da PF no Rio com o presidente da República.

Folha teve acesso a documentos do caso, que está sob sigilo. O despacho pivô da polêmica ocorreu em 29 de julho, 15 dias antes de a crise na PF estourar.

No papel, o delegado Leonardo Tavares resgata seis depoimentos de outros inquéritos, alguns de dez anos atrás, e leva para os autos a dúvida sobre quem seria o Hélio Negão que aparece como suspeito de cometer crimes.

Após levantar a suspeita, o policial diz ser temerária qualquer relação do investigado com o deputado federal eleito no ano passado, por terem “pontos divergentes”.

O homem é descrito por testemunhas com características que afastam a possibilidade de ele ser o aliado de Bolsonaro, segundo o despacho: negro, de 1,75 m, de bigode, mais velho, que usa óculos e já morreu.

Ainda assim, ele escreve que o caso é “sensível”, coloca sigilo na investigação e julga haver a necessidade de avisar os órgãos de inteligência da PF —praxe em casos graves ou que possam ter repercussão.

Hélio Lopes, que usa o apelido de Hélio Negão, é amigo de Bolsonaro e foi o deputado federal mais votado do Rio na eleição passada. Desde o início de 2018 os dois apareciam juntos em campanha.

Para a cúpula da PF, a aparição do homônimo foi uma armadilha, para que chegasse ao presidente da República a informação que havia uma investigação sobre um aliado no Rio. O próprio presidente chegou a afirmar que iria estourar algo contra uma pessoa próxima a ele.

Dirigentes avaliam que não havia motivo de o nome aparecer dois anos após o início do inquérito, usando dados de investigações de dez anos atrás. E, além disso, que a suspeita não deveria ter sido levantada, já que o próprio delegado avaliava ser temerária a ligação.

De outro lado, porém, policiais dizem que o episódio é a prova da situação política atual, em que a aparição do nome de um amigo de Bolsonaro em um inquérito se transforma em uma crise grave.

A interferência de Moro também tem sido criticada por uma ala da PF, por ter aparência de proteção excessiva com o presidente.

No inquérito, sob o argumento de que o suspeito Hélio fraudava o sistema previdenciário para angariar votos em eleições (para o cargo de vereador), Tavares pediu à Justiça para dirimir uma questão de competência: o caso deveria ficar na Justiça comum ou ir para a eleitoral.

Para ele, não seria um tema eleitoral, mas a decisão do juiz serviria para evitar “futura celeuma processual”.

Em 15 de agosto, duas semanas após o despacho, Bolsonaro deu a primeira declaração que abre uma crise na PF.

O presidente afirmou que iria trocar o então superintendente do Rio, Ricardo Saadi. Ele acabou exonerado do cargo, agora ocupado de forma interina pelo delegado Tácio Muzzi.

Logo após ter anunciado a mudança no Rio, Bolsonaro disse que o novo chefe seria o atual superintendente do Amazonas, Alexandre Saraiva.

A direção da PF, no entanto, já tinha outro nome, o do atual superintendente de Pernambuco, Carlos Henrique Oliveira, e soltou uma nota se posicionando nesse sentido. A reação foi classificada por Bolsonaro de “babaquice” em entrevista à Folha.

Internamente, a cúpula da polícia dá como certa a saída do diretor-geral, Maurício Valeixo, após ameaças feitas pelo presidente.

Em meio à crise, quando se tornou pública a existência do inquérito no Rio, com o nome de Hélio Negão como um dos suspeitos, Moro pediu investigação do caso.

A determinação do ministro ocorreu após a coluna Painel, da Folha, mostrar que a cúpula da PF tinha informação de que se tratava de um homônimo e que desconfiava que havia no episódio uma tentativa de desgastar Saadi.

No ofício, o ministro fala em “aparente inclusão fraudulenta do nome do deputado Hélio Negão” e “aparente intuito de manipular o governo federal contra a superintendência da Polícia Federal do Rio”.

No mesmo dia, 10 de setembro, Leonardo Tavares enviou um documento para a superintendência do Rio com suas explicações.

Ele afirma que quase todas as autoridades policiais que passaram pela investigação da organização criminosa que envolve o caso “quesitaram e promoveram” a inclusão do nome de Hélio Negão como responsável por fraudes e que, com o resultado da eleição de 2018, o nome “outrora desconhecido” foi evidenciado no cenário nacional.

Tavares segue sua defesa dizendo que avisou o então superintendente Saadi do que havia apurado, comunicando que a citação a tal Hélio “possuía pontos divergentes com o político que ganhou destaque no cenário nacional no final do ano de 2018”.

Ele diz ainda que os órgãos de inteligência da PF foram avisados com a ressalva específica de que não era possível inferir ser o investigado o aliado de Bolsonaro.

Facebook Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *