Se aprovado, “distritão” pode acabar com fidelidade no sistema proporcional

Resultado de imagem para congresso nacional

CONJUR

Por Pedro Canário

Se aprovado do jeito que está, o chamado sistema do “distritão” vai encarecer a bolsa das contratações partidárias para as próximas eleições. É que a principal mudança desse sistema é acabar com o voto na legenda, ou na coligação, para que o voto seja no candidato, independentemente do partido. Portanto, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, o distritão acaba com a punição de perda de mandato por infidelidade partidária.

O sistema do distritão é polêmico entre cientistas políticos e especialistas em Direito Eleitoral. Ele acaba com o quociente eleitoral e desestimula as coligações partidárias irrestritas que o sistema eleitoral brasileiro atual criou. Mas não cria distritos, como o nome sugere. Pelo que foi aprovado na Comissão Especial para Reforma Eleitoral da Câmara, cada estado será um distrito — daí o nome “distritão”, em oposição ao sistema distrital, que divide os estados em regiões menores. Como a candidatura passa a ser pessoal, e não mais do partido, especialistas apontam que as campanhas ficarão ainda mais caras.

Mas há outro problema desse modelo, que decorre das intervenções judiciais no sistema eleitoral. Em maio de 2015, o Plenário do Supremo decidiu que ocupantes de cargos majoritários não podem perder o mandato por trocar de partido. Isso significa que eleitos por meio de voto direto, como são hoje os senadores, prefeitos, governadores e o presidente da República, não devem seus votos aos partidos ou coligações que integraram durante a campanha.

Essa obrigação é imposta aos eleitos pelo sistema proporcional, como hoje é o caso dos deputados federais. Pelo sistema atual, nas eleições proporcionais, os votos são destinados ao partido ou à coligação a que o candidato faz parte, ainda que os eleitores tenham apertado o número do candidato na urna. Portanto, se um candidato superar o número de votos necessário para ser eleito, esse excedente é distribuído pelos mais votados da coligação.

A própria jurisprudência do Supremo, quando discutiu a matéria, considerou que a fidelidade partidária é “importante para garantir que as opções política feitas pelo eleitor no momento da eleição sejam minimamente preservadas”.

Nos casos do voto direto no candidato, sem influência da coligação, a lógica se inverte. “As características do sistema majoritário, com sua ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato, no caso de mudança de partido, frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular”, registrou a ementa do acórdão da ação em que o Supremo definiu a questão, relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso. A decisão foi unânime.

Caso Marta

 

O que motivou a decisão do STF foi a proximidade do prazo final de um ano para definições das regras eleitorais do próximo pleito. O objeto da ação de inconstitucionalidade era uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral que previa a cassação de mandato por infidelidade partidária para “eleitos pelo sistema majoritário”.

A urgência era o caso da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP). Na época, ela, insatisfeita por não ter conseguido apoio para suas pretensões ao Executivo paulista, havia acabado de deixar o PT para se filiar ao PMDB.

E o Partido dos Trabalhadores queria que ela “devolvesse” o mandato, numa “ginástica” descrita pelo ministro Dias Toffoli durante o julgamento da ADI: como Marta havia saído da legenda e o suplente dela, de outro partido, fora nomeado ministro das Cidades, deveria assumir o segundo suplente, do PT. “E o que acontece se o primeiro suplente deixa o Ministério?”, perguntou Toffoli, retoricamente.

Em seu voto, o ministro Barroso disse que aplicar a regra da fidelidade a eleitos pelo sistema majoritário, na verdade, ofende o princípio da soberania popular. Sempre que o titular do mandato é cassado, assume o suplente. Nos casos proporcionais, como os votos são na coligação, faz sentido que assuma alguém escolhido pelos partidos para ocupar aquela vaga.

Já nos casos majoritários, a lógica se inverte, explicou Barroso. “Imaginem um senador que foi eleito com mais de 1 milhão de votos. Ele decide mudar de partido e perde o cargo. O mandato passa para o suplente, que não recebeu nenhum voto e, muitas vezes, nem é conhecido de seu eleitor”. Para ele, “isso não faz sentido”.

“Nesses casos, a perda do mandato favoreceria candidato e partido que não receberam votos, em detrimento de candidato que obteve, no mínimo, a maioria absoluta dos votos colhidos no pleito”, disse Barroso. E era o que pretendia o PT no caso de Marta Suplicy.

Olho no peixe
A questão não vem passando despercebida pelos partidos. Logo depois da decisão do Supremo, o Senado passou a discutir formas de criar uma obrigação de fidelidade partidária também para senadores. Queriam uma solução que preservasse mandatos, mas não esvaziasse o poder dos partidos.

Com o distritão, chegou-se a um consenso. O sistema só valerá para as eleições gerais de 2018 e para o pleito local, em 2020. A partir de 2022, valerá o sistema distrital misto, em que os eleitores votam duas vezes, uma no partido e outra, no candidato. Metade das vagas proporcionais passa a ser ocupadas pelos mais votados e metade, pelos indicados pelos partidos.

A partir do momento que entrar em vigor o sistema distrital misto, o suplente de senador passa a ser o deputado federal mais votado daquele partido, já que as coligações também ficam restritas.

De todo modo, o grande ponto negativo do distritão passa a ser a ampliação do descolamento entre Congresso e eleitores. De acordo com o cientista político Jairo Nicolau, da UFRJ, o sistema eleitoral atual aproveita mais de 90% dos votos. Se o distritão valesse nas eleições de 2014, 30,6 milhões de votos seriam jogados no lixo. “No sistema eleitoral em vigor o eleitor pode não eleger ‘seu candidato’, mas o nome escolhido por ele necessariamente ficará em uma das suplências”, escreveu o professor, em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 2015.

 

 

Facebook Comments