Cangapé: Patrício Júnior X Eugênio Bezerra

A arte de ser fake: uma história real

Por Patrício Júnior

Milena Tristo, a fake pró-Micarla de Sousa, tocou o terror no Twitter em 2011, agrediu muita gente, me chamou de “bichona publicitária preta” e sem querer revelou quem Eugênio Bezerra é de verdade


Esta semana, após muito tempo calado, resolvi falar. O tema está na moda — essa coisa de homofobia, racismo etc — e vem me incomodando há algum tempo. No sábado pela manhã recebi a cutucada final do destino — a agulhada derradeira que me fez romper o silêncio.

Estava navegando pelo Facebook quando vi uma matéria do site O Potiguar onde Eugênio Bezerra acusava Laurita Arruda de homofobia. Aqui cabem três adendos:

  1. Eugênio Bezerra é jornalista, ex-assessor de Micarla de Souza, e hoje está ao lado de Thaísa Galvão no comando de um programa sobre política na 95FM;
  2. Laurita Arruda é blogueira de política e esposa do ex-candidato a Governador do RN e atual Ministro do Turismo, Sr. Henrique Eduardo Alves;
  3. A arenga dos dois tem clara motivação política, cada qual representando um grupo, mas descambou pra mera picuinha, com trocas de farpas, indiretas e outros expedientes pouco honrosos.

Pois bem, sigamos.

Este fim de semana, Eugênio Bezerra repostou uma suposta indireta que Laurita Arruda remeteu a ele no Twitter. Dizendo-se vítima de homofobia, num texto bem emocionado, Eugênio Bezerra alegou ter vivido seu dia deMaju.

A indireta de Laurita Arruda é bem clara. Eugênio Bezerra ficou conhecido na cidade como “O Pitbull da Prefeita”, muito por causa dos seus modos pouco ortodoxos de defender Micarla de Sousa da ânsia por respostas da imprensa (um episódio em particular, retratado no meu blog, entrou pra lista de clássicos da Era Borboleta: Eugênio Bezerra teria expulsado um fotógrafo de uma coletiva quando este ousou fotografar Micarla de Sousa comendo um bolo). Quando Laurita Arruda assina a citação em seu tweet com “Pitbull ou Lassie” supostamente, segundo Eugênio, faz ilação com a orientação sexual dele. Sim, este é o nível do debate político em terras potiguares.

Como disse antes, a arenga dos dois já descambou faz tempo pra baixaria. Apelidos jocosos, insinuações maldosas, comentários desrespeitosos — e assim os dois vão construindo a crônica política do Rio Grande do Norte. Até aí, nem me surpreendo: não acompanho esse tipo de briga e estou pouco me importando aonde essa picuinha vai chegar. O que realmente me incomodou no episódio foi a tentativa de Eugênio de se vitimizar diante da suposta declaração preconceituosa de Laurita Arruda. Me fez engolir em seco, criar um nó no estômago e decidir que era hora de romper o silêncio.


O que realmente me incomodou foi a tentativa de Eugênio Bezerra de se vitimizar. Me fez engolir em seco, criar um nó no estômago e decidir que era hora de romper o silêncio


Todos sabem que fiz uma oposição ferrenha à Gestão Borboleta. E apesar de saber que alguns me acusaram de agir com interesses políticos à época, folgo em dizer que não obtive nada além de uma consciência tranquila, sabendo que cumpri meu dever de me opor a uma administração sem rumo, que afundou a cidade em buracos e incertezas — também ganhei uma tentativa de punição, quando meu chefe recebeu uma ligação pedindo minha cabeça (mas isso é assunto pra outro post). Me detenho agora em falar de um personagem mítico, que deu forma à face mais comezinha da Era Borboleta: Milena Tristo.

Essa personagem, que mais tarde foi desmascarada como fake, mantinha um perfil no Twitter com o qual atacava de forma virulenta todos que se opunham à Micarla de Sousa. Milena Tristo ficou famosa por disparar impropérios para os quatro cantos, sem poupar ninguém exceto a Prefeita, sempre com um sarcasmo rasteiro, desqualificando os opositores de Micarla de Sousa com palavras de baixo calão, ameaças veladas e muitas baixarias.

Estava claro que Milena Tristo era um fake. Localizaram sua foto de perfil no Google, não encontraram seu Facebook, inexistiam registros de sua presença na internet até a data de criação do seu Twitter. A pergunta que todos se faziam era: Mas quem é Milena Tristo?


Milena Tristo ficou famosa por disparar impropérios para os quatro cantos, sem poupar ninguém exceto a Prefeita — mas quem era Milena Tristo?


Um grande lance desse imbróglio aconteceu no meio de uma discussão sobre Miguel Nicolelis, que criticou a Gestão Borboleta e por isso atraiu uma horda de haters questionando seu direito de opinar sobre política potiguar uma vez que era paulista—sim, os tempos eram tão bicudos que não havia pudor em usar desdém para chamar de forasteiro um renomado cientista que escolheu Natal como sua base para pesquisas. Lembrei, como se precisasse, que não era necessário visto de permanência para um paulista viver em Natal. E Milena Tristo, doída por eu apoiar um crítico da Prefeita, respondeu: “Falou a bichona publicitária e preta”.

Na época, eu me lembro, resolvi usar meu fair play. Respondi: “Epa, publicitário não, olha o respeito”. Eu não tinha noção da gravidade do que havia acontecido, muito menos das implicações legais do fato. Usei o que me foi ensinado em épocas de bullying na escola: se você mostrar que se importa, aí é que vão mexer com você. Essa mentalidade, por mais que neguemos, está bem arraigada na mentalidade de negros, gays, portadores de necessidades especiais, gordos. A gente finge que levou na brincadeira, dá uma risadinha com o canto de boca e espera que o fato de não demonstrar que se abalou faça com que o bullying cesse.

Mas não era apenas um bullying. O que Milena Tristo fez foi um ato racista e homofóbico, covarde em sua essência, passível de punição legal (ao menos no caso do racismo) e que mexeu muito com minha autoestima. Tentar desqualificar meu discurso dizendo que sou negro e gay, como se esses dois apostos fossem tão vexaminosos que pudessem se transformar em acusações graves, é de uma desumanidade imensurável. O insulto racista e homofóbico retira do insultado o direito de defesa argumentativa, uma vez que é humilhante ter que argumentar para se defender do que você é. A defesa passa a ser mais uma etapa do ataque, entende?

O fato de o insulto ter sido proferido por um fake me deixava duplamente de mãos atadas. Sou um assalariado, sem apadrinhados poderosos — não tenho recursos para tocar uma investigação que envolveria até a Polícia Federal para que minha honra fosse restaurada. E, além disso, tem o fato crudelíssimo de que não tem volta: minha honra foi maculada e não há como restaurá-la. Eu, como milhares de negros e gays pelo mundo, baixei a cabeça para que os holofotes da falta de senso não acabassem por, mais uma vez, transformar a vítima em algoz (quanto tempo vocês acham que demorou para alguém dizer, em tom de conselho amigável, que eu busquei aquilo? “Ora”, me disseram, “você provocou os defensores de Micarla de Sousa com suas opiniões” — seguindo um pouco o raciocínio dos que afirmam que a mulher foi estuprada porque estava de saia curta).


O que Milena Tristo fez foi um ato racista e homofóbico, covarde em sua essência — e que mexeu muito com minha autoestima


Alguns meses se passaram até que a identidade de Milena Tristo viesse à tona. Quando a Presidente Dilma Roussef veio à Natal para inaugurar a pedra fundamental do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, a solenidade atraiu imprensa, autoridades e puxa-sacos até o canteiro de obras. Todos queriam tuitar diretamente do local do evento, mostrando seu status de convidado a uma das solenidades mais importantes do ano. Eugênio Bezerra, obviamente, estava lá. E sapecou no Twitter essa mensagem:

A mensagem acima passaria despercebida numa timeline repleta de menções ao evento, não fosse por um detalhe perturbador. Na mesma hora, com uma sincronicidade impressionante, o perfil de Milena Tristo postou a mensagem abaixo:

As mensagens idênticas chamaram a atenção de alguns internautas. Como vocês podem ver, foram postadas através do mesmo aplicativo — o Tweetdeck, app que permite gerenciar diversas contas de redes sociais ao mesmo tempo. Neste app, basta marcar em quais perfis você quer postar determinada mensagem e enviar o conteúdo para todas as redes selecionadas. Foi fácil concluir que na emoção do momento, cercado de tantas autoridades, presenciando um momento histórico para o Estado, Eugênio Bezerra esqueceu-se de desmarcar um dos perfis que gerenciava — e cometeu o erro de principiante de postar a mesma mensagem no perfil oficial e no fake.

A desconfiança de que Eugênio Bezerra e Milena Tristo eram as mesmas pessoas se comprovou com as mensagens seguintes. Sim, ele demorou a perceber o erro e continuou tuitando nos dois perfis ao mesmo tempo.

Foram ao menos oito postagens idênticas, na mesma hora, incluindo RTs e menções — o que comprovou a todos os internautas que acompanhavam o episódio que Eugênio Bezerra estava mesmo gerenciando os dois perfis e não se tocou que ambos estavam marcados no Tweetdeck.

Só algumas horas depois, quando o evento se encerrou e ele foi conferir sua timeline, foi que se deu conta do erro. Alegou prontamente que seu perfil havia sido hackeado e que não era o fake mais odiado de todos os tempos. No dia seguinte, coincidentemente, o perfil de Milena Tristo havia sido deletado.

O fato foi amplamente divulgado em blogs da cidade. Essa notícia do Blog do BG, por exemplo, ilustra bem o que se pensava sobre Milena Tristo na época:

Preciso deixar claro aqui que não estou acusando Eugênio Bezerra de ser Milena Tristo. A identidade do fake é indiscutível, como ficou comprovado não só pela coincidência das postagens, bem como pela repercussão que esse fato gerou. Fábio Farias, blogueiro que foi um dos responsáveis por desvendar a farsa, tratou do assunto diversas vezes, por exemplo, como fica claro nesta postagem:

Saber que Milena Tristo era na verdade Eugênio Bezerra me encheu de um sentimento estranho que ainda não consegui digerir. Não consegui ainda compreender que tipo de maldade move uma pessoa para ser deliberadamente racista e homofóbica quando sabe-se protegido pelo anonimato. Ainda não pude entender que tipo de doença faz perturbadoras alienações numa mente para que ela, usando de seu talento, fira covardemente um outro ser humano.


Saber que Milena Tristo era na verdade Eugênio Bezerra me encheu de um sentimento estranho que ainda não consegui digerir


Me mantive discreto sobre o assunto, até porque me sentia humilhado demais para virar mártir. Mas quando vi este fim de semana Eugênio Bezerra se fazendo de vítima, alegando que teve seu dia de Maju por ter sido atacado com a suposta homofobia de Laurita Arruda, não consegui mais me calar.

Em tempo: nessa arenga do dois, não estou do lado de nenhum. Não tenho interesses políticos em tocar neste assunto. O que me move aqui é a necessidade de desabafar. Eu sim, Eugênio Bezerra, tive meu dia de Maju. E consigo lembrar muito bem de todas as vezes que, durante a faculdade, você me chamou de enrustido, nêga maluca, picolé de piche e outras ofensas mais, sempre num jocoso tom de companheirismo universitário, sempre escondendo seus preconceitos sob o véu do chiste. Ainda dói lembrar.

Eu peço a ajuda de todos os meus amigos advogados para que este episódio não termine apenas como uma postagem perdida na timeline. Quero tomar as medidas cabíveis para ser ressarcido pela humilhação pública que ainda me faz curvar a cabeça com o peso da vergonha. Me calei por tempo demais. Não posso deixar que o racismo e a homofobia de Eugênio Bezerra virem coisa do passado — e que ele, experiente que é no marketing pessoal, transforme-se em mártir de uma ação violenta e covarde que ele próprio já perpetrou.


Me calei por tempo demais — agora peço a ajuda de todos os meus amigos advogados para que este episódio não termine apenas como uma postagem perdida na timeline


Essa história toda contêm uma ironia que não posso deixar de avaliar. Ao se esconder atrás da identidade de um fake para atacar seus desafetos, Eugênio Bezerra acabou por revelar a todo o mundo quem ele é de verdade. Não é Eugênio Bezerra que é Milena Tristo — não, a lógica é ao inverso, Milena Tristo é que é Eugênio Bezerra.

Protegido pela capa do anonimato, o jornalista pode mostrar-se em sua verdadeira face, lançando insultos preconceituosos, fazendo ilações maldosas e disseminando o que sabe fazer de melhor: a baixaria. É uma inversão interessante.

O fake, na verdade, é Eugênio Bezerra — jornalista com diploma, como se define em seu perfil, que entende de política, usa terno e circula entre poderosos como se fosse um deles. A real face, a que se chama Milena Tristo, foi deletada do Twitter mas ainda está lá. Dentro dele. Pronta pra vir à tona sempre que for necessário.

Milena Tristo não faz ideia do que é ter um dia de Maju.

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