BRASÍLIA — O ex-ministro e ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) reconheceu, em defesa apresentada à Justiça Federal de Brasília, que usou um escritório de advocacia uruguaio para abrir uma conta na Suíça em 2008. Admitiu também que é formalmente o beneficiário da conta. Mas, argumentou que, por motivos burocráticos, não conseguiu movimentá-la e preferiu deixá-la inativa. Assim, alegou que os US$ 832.975,98 depositados na conta — e que segundo a Procuradoria Geral da República (PGR) era dinheiro de propina — foram movimentados por terceiros, sem seu conhecimento.
Os valores — que equivalem a R$ 2.573.895 no câmbio de hoje — foram depositados em três datas diferentes: 5 de outubro, 18 de novembro e 8 de dezembro de 2011. Segundo a PGR, trata-se de propina paga pela empreiteira Carioca Engenharia com o objetivo de liberar recursos do Fundo de Investimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS), administrado pela Caixa Econômica Federal. O dinheiro serviria para o financiamento de obras do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro.
“É importante ressaltar que a utilização indevida da citada conta bancária e os depósitos acima mencionados jamais foram de conhecimento do acusado”, diz trecho de um documento assinado pelos advogados Marcelo Leal e Luiz Eduardo Ruas do Monte e que integra uma ação penal na Justiça Federal de Brasília.
Outros dois depósitos foram feitos nos anos anteriores — um no valor de US$ 980, em 14 de setembro de 2009, e outro de US$ 10 mil, em 21 de junho de 2010. O primeiro, diz a defesa, “ao que tudo indica, foi realizado apenas para efetivar a abertura da mencionada conta, o que, vale repetir, foi realizado sem o seu conhecimento”. O segundo, “aparentemente para arcar com o pagamento de suas taxas bancárias e despesas operacionais”.
Os advogados afirmaram que o ex-ministro só descobriu o depósito depois de ajuizada a ação:
“Somente ao tomar conhecimento dos documentos que instruem a presente ação penal é que o acusado teve ciência de que, mais de um ano após a data em que teria assinado a procuração para abertura da mencionada conta, precisamente em 14 de setembro de 2009, foi realizado o depósito de sua abertura no valor de U$ 980,00”, dizem os advogados de Henrique Alves.
Nomeado ministro do Turismo por Dilma e reconduzido ao posto por Temer, Henrique Alves deixou o governo do peemedebista em maio do ano passado após ser citado pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado como recebedor de R$ 1,5 milhão em propina. O peemedebista é investigado ainda em inquérito na Justiça Federal do Rio Grande do Norte, que apura supostos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o empreiteiro José Aldemário Pinheiro, o Léo Pinheiro, da OAS.
DEFESA: HERANÇA MOTIVOU ABERTURA DE CONTA
A defesa argumenta que a conta foi aberta de forma lícita para proteger o dinheiro do espólio dos pais de Henrique Alves. Isso porque, em 2008, ele estava em processo de separação. Mas, em razão de problemas burocráticos, ele não conseguiu ter autorização para movimentar a conta. Em função desse e de outros problemas, a defesa argumenta que ele decidiu jamais mexer nela.
“Isto porque, ao contrário do que imaginava, a animosidade dos herdeiros fez com que o inventário dos bens deixados por seu pai se protraísse (prolongasse) no tempo de tal forma que, até a presente data, não foi ainda encerrado. Além disso, sua separação da segunda esposa foi tão traumática que optou por abrir mão de mais do que ele teria direito, a fim de romper por definitivo com os vínculos que os uniam”, argumentou a defesa.
Os advogados negam ainda que Alves tenha recebido propina da Carioca, lembrando, entre outras cosias, que a empresa jamais teve obras no Rio Grande do Norte. E conclui pedindo a absolvição do cliente.
Também são réus na ação o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que está preso em Curitiba em razão da Lava-Jato e nega as acusações; o empresário Alexandre Margotto, que está colaborando com a Justiça; e o ex-vice presidente da Caixa Fábio Cleto, que também é delator.
ADVOGADO CITA MENSALÃO PARA TENTAR ABSOLVER ALVES
Marcelo Leal, um dos advogados de Henrique Alves, defendeu no processo do mensalão o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), hoje preso no Paraná pela Lava-Jato. Ironicamente, ele usa agora o julgamento que levou à condenação de 24 pessoas no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar livrar seu cliente. Até o momento, não obteve sucesso. O juiz Vallisney de Souza Oliveira, que cuida do caso na 10ª Vara Federal de Brasília, vem negando os pedidos.
No mesmo documento de 9 de janeiro, a defesa argumentou que a denúncia apontou o crime de corrupção passiva sem indicar “qualquer motivação para o recebimento de vantagem indevida”. Depois, citou o mensalão. Segundo os advogados de Alves, o STF disse que não é preciso comprovar que o agente público tenha praticado o chamado ato de ofício para que haja corrupção. Mas, ainda é necessário demonstrar que houve promessa ou oferta de vantagem.
“Como se vê, o que o STF entendeu no julgamento da AP 470 (mensalão) foi a desnecessidade da prática em si de ato de ofício para caracterização do crime de corrupção ativa ou passiva. Todavia, não há dúvida de que, para a caracterização do crime de corrupção ativa, é necessário que o agente ofereça ou prometa vantagem a funcionário público para que este pratique ou deixe de praticar ato de ofício inserido na esfera de suas atribuições, sendo certo que o crime se configura com o mero oferecimento, independentemente da efetiva prática do ato”, diz a defesa, acrescentando que “a denúncia não descreve qual teria sido o ato de ofício” de Alves.
Em 31 de janeiro, a defesa apresentou novo recurso, voltando a citar o julgamento do mensalão para dizer que Henrique Alves deve ser absolvido por corrupção passiva. E acrescentou que o mesmo deve ocorrer em relação ao crime de lavagem de dinheiro. Os advogados compararam ao caso de dois réus absolvidos pelo STF no mensalão: os publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes. Segundo a defesa, abrir conta em outro no país não é crime, sendo preciso demonstrar que ele ocultou os valores.
“Naquela oportunidade, a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal acompanhou o voto dos ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli no sentido de que, para a configuração do crime de lavagem de dinheiro seria imprescindível a ocultação do beneficiário final da conta e que o simples fato de receber recursos do exterior em conta titularizada por off shore não configuraria o delito em questão”, argumentaram os advogados de Henrique Alves no recurso, rejeitado em 15 de fevereiro pelo juiz Vallisney. O magistrado entendeu que o Ministério Público Federal (MPF) indicou elementos que justifiquem a investigação.