Marcos Sergio Silva
Do UOL, em São Paulo
As provas juntadas na construção da sentença de 238 páginas e 962 tópicos do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara de Justiça Federal, serão fundamentais para que o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) confirme ou não a pena de nove anos e meio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A opinião é de ex-ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), STJ (Superior Tribunal de Justiça) e da Justiça ouvidos pelo UOL, além de juristas e de um ex-procurador-geral da República.
“O juízo considera provados os fatos que caracterizam corrupção passiva, como receber um tríplex em pagamento de um serviço prestado pela OAS por favorecê-la em contratos”, afirma Sydney Sanches, presidente do STF entre 1991 e 1993. “Se o juiz se baseou apenas na delação premiada, parece uma sentença vulnerável. Mas parece que a delação foi comprovada com outros documentos que estavam nos autos e foram examinados e, de certa forma, confirmou o que foi delatado pelo ex-presidente da OAS [Léo Pinheiro]. Mas só o tribunal federal poderá analisar se elas são suficientes.”
Segundo o ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson Dipp, a delação é apenas um meio de obtenção de elementos de prova, e não a prova em si. “Tudo aquilo que o delator disse tem que ser buscado. Ou entrega provas concretas, ou dá caminho para que se obtenham provas.”
“Ele não conseguiu trazer aos autos uma única prova de que esse imóvel pertenceu ao Lula”, afirma o ex-ministro da Justiça e ex-vice-procurador-geral eleitoral Eugênio Aragão. “O fato é um só: o apartamento do Guarujá. O que houve foi dona Marisa [mulher de Lula, morta em fevereiro] ter adquirido uma cota de uma cooperativa [a Bancoop] que faliu, a OAS assumiu e, sabendo que o presidente era cotista, resolveu fazer um apartamento mais bonito. Vai visitar, não compra, e a OAS pede o apartamento de volta.”
Dizer que isso não é relevante não é justo. Quando se fala em corrupção passiva e lavagem de dinheiro, é preciso ser sopesado se há fato concreto”, afirma o jurista Antonio Carlos da Ponte, da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e ex-secretário-adjunto da Segurança Pública do Estado de São Paulo. “Outro fator é que o presidente seria beneficiado por R$ 3,7 milhões [valor estimado do imóvel pela Lava Jato]. O apartamento vale isso? A opinião do julgador não pode se confundir com o que há nos autos.”
Com um currículo vasto, que inclui a orientação de doutorado do presidente Michel Temer (PMDB), a fundação do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo e a inspiração para a criação da chamada Escola Paranaense de Direito Administrativo, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que já esperava esse posicionamento de Moro sobre Lula.
“Ninguém esperava uma sentença, e sim a condenação”, diz. “Ele [Moro] não se comporta como magistrado, mas como um acusador. Ele não tinha prova e decidiu contra a lei. A propriedade imobiliária [no caso, o apartamento de Lula no Guarujá] tem que estar registrada. Se isso não é considerado, não dá para dizer que alguém é proprietário.”
Bandeira de Mello destila críticas ao comportamento de Moro –“me surpreendo que não tenha sido punido”, “ele não parece juiz, suas decisões não são naturais de um juiz, são sempre parciais”– e afirma que apenas decisões de instâncias superiores podem corrigi-la. “Não se pode confiar que o Judiciário vá corrigir erros grosseiros”, afirma o jurista. “Essa condenação não para em pé.”