Carlos Madeiro
Colaboração para o UOL
A violência no país no século 21 apresenta um fenômeno marcante: a explosão de assassinatos na região Nordeste. Em 2016, segundo os dados do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgado na última segunda-feira (30), foram 24.825 assassinatos, o que coloca seis Estados da região no ranking dos dez campeões em taxa de CVLI – sigla que designa Crimes Violentos Letais Intencionais, que agrega as ocorrências de assassinatos, incluindo homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte.
Um dos traços da violência que marca a região é o revezamento de Estados entre os líderes de assassinatos no país. Nos últimos 10 anos, sete dos nove Estados nordestinos apareceram pelo menos uma vez entre os quatro mais violentos do país: Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Curiosamente, os Estados que não ingressaram são justamente os mais próximos ao Norte: Piauí e Maranhão.
Ao longo desse período, o número de homicídios no Nordeste cresceu 58%, saltando de 15.706 assassinatos, em 2007, para 24.825 em 2016.
Alagoas foi o líder nacional de assassinatos por oito anos, entre 2007 e 2014. Nesse período, Alagoas atingiu, em 2011, a maior taxa de assassinatos já registrada por um Estado no país: 73,6 assassinatos por cada 100 mil habitantes– no país, a taxa foi de 24,3 por 100 mil naquele ano.
Migração entre divisas
A análise dos dados aponta para uma migração de crimes entre os Estados que fazem divisa. Alagoas, por exemplo, “recebeu” a ponta do ranking de seu vizinho Pernambuco – que deixou a liderança nacional em 2006. Outro vizinho pernambucano, a Paraíba chegou a aparecer na segunda colocação de taxa de homicídios do país em 2011.
Curiosamente, Alagoas deixou de ser líder nacional de mortes em 2015 e passou a liderança para o seu vizinho ao sul, Sergipe — que também foi campeão na taxa de mortes em 2016.
“Claro que quando a gente aperta aqui existe uma tendência desses traficantes, homicidas, principalmente os faccionados, correrem para outra região que não está tendo a mesma observância da segurança. Isso ocorre muito da capital para o interior, da cidade para a zona rural, e também de um Estado para o outro”, explica o secretário-executivo de políticas da Secretaria de Segurança Pública de Alagoas, Manoel Acácio Júnior.
Ele afirma que é comum grupos atuem em mais de um Estado, e que operações em conjunto são uma forma de atuar nesse sentido. No dia 19 de setembro, por exemplo, uma grande operação da Polícia Civil de Alagoas e Sergipe desarticulou um centro de distribuição de entorpecentes em Aracaju.
“Nas últimas operações a gente conseguiu uma grande quantidade drogas fora do Estado. Entendemos que o grosso da droga está ficando em outros Estados, e o varejo está vindo pra cá”, explica.
Faltam políticas abrangentes, diz pesquisador
Para o pesquisador Ivenio Hermes, coordenador do Observatório da Violência Letal Intencional, ligado à Universidade Federal Rural do Semi Árido, há falta de políticas públicas que sejam abrangentes a mais de um Estado.
“As poucas políticas que foram deflagradas em alguns Estados não enxergam além de seus limites espaciais, e os problemas de segurança pública e de criminalidade e violência não respeitam nada. Portanto, divisas estaduais não são observadas”, diz.
Para ele, o fato de serem Estados com poucos recursos também ajuda na migração do crime. “Há verdadeiramente um sistema migratório na intensidade da prática do crime de acordo com as políticas deflagradas nos Estados”, afirma.
Violência sem controle?
Mas por que o Nordeste não consegue frear o aumento mortes, mesmo com registros acima da média nacional por tantos anos?
Segundo Cesar Barreira, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da UFC (Universidade Federal do Ceará), a escalada da violência no Nordeste decorre de vários fatores, como a influência de Estados do Sudeste.
“Pra mim, essa nossa violência de certa migração de determinados crimes e bandidos e de práticas criminosas do Sudeste. Por exemplo: crimes como assalto a bancos, na hora que houve redução em SP e Rio, essa violência veio toda para a o Nordeste”, afirma. Segundo dados dos anuários, o número de ocorrências de assaltos a instituições financeiras caiu nos dois Estados citados, enquanto subiu no restante do país a partir de 2009. Naquele ano, São Paulo registrava 253 e o Rio, 97 casos. Em 2016 esses números caíram para 137 e 73, respectivamente. Já o número total de roubos no país cresceu de 1.013 para 1.478.
Para ele, o fenômeno mais recente e que explica a alta da violência é a força das facções criminosas. “Hoje elas estão se consolidando, com o PCC [Primeiro Comando da Capital] e Comando Vermelho se juntando com algumas facções regionais”, diz.
O presidente do Conselho de Segurança Pública do Nordeste –o secretário se Segurança Pública da Bahia, Mauricio Teles — converge com o pesquisador Cesar Barreira e diz que as facções representam um problema novo e de difícil combate na região.
“O maior desafio que percebemos é a influência de Comando Vermelho e PCC do Nordeste. Aqui existe a fragmentação no tráfico de drogas. Eu tenho o PCC, por exemplo, como maior fornecedor de droga aqui da Bahia”, afirma.
Para ele, um dos problemas principais é a falta de uma política nacional e atuação do governo federal no enfrentamento do crime. “Esse é ponto um da pauta dos secretários estaduais”, explica.
O secretário, porém, faz críticas ao anuário do Fórum Brasileiro ao afirmar que a comparação entre os Estados acaba deturpada porque existe mais de uma metodologia das unidades de federação – alguns colocam mortes violentas como “a esclarecer” (aquelas de causa externa sem uma razão determinada). Em alguns Estados, a definição só ocorre quando se conclui uma investigação policial do caso –mas que nem sempre consegue achar uma explicação.
Segundo o Fórum, os dados do anuário são inteiramente fornecidos pelos Estados. Sobre mortes a esclarecer, o anuário revela que, em 2016, foram 9.830.
Número de assassinatos no Nordeste
2007 – 15.706
2008 – 16.935
2009 – 16.789
2010 – 17.540
2011 – 19.640
2012 – 20.341
2013 – 21.835
2014 – 23.164
2015 – 23.500
2016 – 24.825