Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
Debruçado sobre a escrivaninha de madeira onde jazem um exemplar da revista britânica The Economist, duas pilhas pequenas de documentos, um antiquado telefone fixo branco, um porta-canetas e papéis para suas compulsivas anotações, Marcelo Odebrecht, de 49 anos, inicia mais um dia de trabalho. Às 8, já malhou por uma hora, tomou café da manhã apropriado para seu metabolismo hipoglicêmico (castanhas, produtos orgânicos e sem lactose) e vestiu camisa e jeans. Se alguém o visita, ele opta por um traje social. Mas está sempre com uma roupa a lhe cobrir as canelas por não querer que o vejam de tornozeleira eletrônica. Passado o desjejum, ele desaparece. Tranca-se no próprio escritório, onde permanece concentrado por coisa de 12 horas. Todos os dias. Memórias de mais um cárcere.
Desde 19 de dezembro, quando passou à prisão domiciliar, o empreiteiro — um bilionário que já foi eleito pela revista Forbes o nono homem mais rico do país — esmiúça no laptop os mais de 400 mil e-mails que estavam na sua caixa de mensagens desde 2002. Seu computador fora apreendido pela Polícia Federal no dia de sua prisão, em junho de 2015, mas em novembro os arquivos foram finalmente devolvidos. De lá para cá, ele passa horas debruçado sobre as velhas mensagens, revivendo trivialidades — como os arranjos para um jantar com a família — e momentos mais, digamos, intensos — como quando combinava por escrito pagamento de propinas a parlamentares e ministros.
A amigos, ele está fazendo questão de dizer — contando com que a notícia se espalhe entre seus desafetos rapidamente — que está em uma busca paciente e meticulosa por informações que lhe abram, mais cedo, as portas da rua. E não só isso. Na prática, ele quer dizer que está atrás de provas que incriminem aqueles que ele acha que o deixaram se queimar sozinho: seu pai, Emílio, e outros executivos da empresa.
Marcelo Odebrecht se vê como vítima de uma injustiça, respondendo desamparado pela corrupção na empreiteira que comandava, embora haja outros 76 delatores que admitiram participação na máquina de crimes da Odebrecht. Daí a obsessão pela busca de provas. Pelo acordo de delação premiada que fechou, o executivo tem a obrigação de cumprir dois anos e meio de prisão domiciliar, com permissão para sair de casa apenas em dois períodos de 24 horas. Se conseguir comprovar o que disse à Justiça com novas evidências — e dividir a culpa com outros envolvidos —, pode reduzir a pena para um ano e três meses. Ele só pensa em uma coisa: ser exonerado do cargo simbólico de corruptor em chefe do Brasil.
Com cerca de 15 metros quadrados, seu escritório fica no subsolo da casa projetada pelo próprio proprietário, no Morumbi, na Zona Sul de São Paulo. Como um quarto de um filho que partiu cedo, a família o manteve inalterado nos últimos dois anos e meio, tempo em que puxou cadeia em Curitiba. Os livros ficaram na mesma prateleira, e o sofá de couro de dois lugares, que ele trouxe de um antigo apartamento, não foi trocado. Há apenas dois novos mimos, providenciados por sua mulher, Isabela: um frigobar e uma máquina de café espresso.
Na quinta-feira dia 22, logo depois do almoço, Marcelo Odebrecht chamou a filha mais velha, de 21 anos, para conversar. Naquele dia, vazaram novas mensagens relacionadas à compra de um terreno que abrigaria o Instituto Lula — que ele mesmo entregou à Justiça como parte das tentativas de aliviar sua pena. Mostrou a papelada à moça, que leu com cuidado. Depois, disse:
— Entendeu tudo? Precisa que eu esclareça algo?
Em seguida, apontou os nomes dos ex-funcionários e também delatores da Odebrecht copiados nas trocas de e-mails para convencê-la de que era ele quem estava ajudando a elucidar os fatos, apesar de os outros executivos terem participado das tratativas do pagamento. Desde que foi preso, ele faz questão de ser a fonte primária de informação para as três filhas e a mulher. Na prisão, relatou seu cotidiano em um diário que chegou a 7 mil páginas. Quando voltou para casa, sua situação jurídica passou a ser pauta dos almoços de família.
Os e-mails relacionados ao Instituto Lula foram só uma parte das mensagens que o empreiteiro encaminhou à PF recentemente. Ele já fez mais de dez petições para incluir novo material. O sistema de senhas e tokens desenvolvidos pela Odebrecht é tão complicado que o acesso ao computador de Marcelo só aconteceu em novembro do ano passado. Um funcionário da empresa passou dois dias em Curitiba no fim de 2017, quando conseguiu, depois de sucessivas tentativas, acessar os dados. É nesse acervo que o empresário mergulha diariamente. Hoje, só ele, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal têm cópias dos e-mails.