O que está em jogo nas negociações entre Trump e Kim Jong-un

Uma televisão mostra foto de Donald Trump ao lado de Kim Jong-un

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aceitou um convite para se encontrar com o líder norte-coreano, Kim Jong-un – um movimento de aparente trégua após meses de insultos, ameaças e hostilidade mútua.

Segundo representantes dos governos, a reunião deve acontecer até maio. O prazo apertado para um encontro desta dimensão expõe uma série de lacunas e dúvidas sobre a aproximação dos dois países.

Quão histórico é este episódio?

A conversa seria sem precedentes, marcando o primeiro encontro cara-a-cara entre lideranças americanas e norte-coreanas com mandatos ativos. Outros presidentes americanos já se reuniram com líderes norte-coreanos anteriormente, mas eles já não eram mais titulares do cargo.

“Seria quase como um encontro entre o presidente Nixon (Richard Nixon, presidente dos EUA entre 1969 e 1974) e Mao (Mao Tsé-Tung, líder da China entre as décadas de 40 e 70), em uma escala menor”, diz Michael Madden, do Instituto EUA-Coreia da Universidade Johns Hopkins.

O que se sabe de fato sobre o encontro?

Não muito. A Casa Branca confirmou que Trump irá encontrar Kim “até maio”, mas ainda é preciso definir com mais exatidão uma data e local.

Segundo Madden, há uma “chance especulativa” de que a reunião aconteça no vilarejo de Panmunjom, pertencente à Coreia do Norte mas considerada parte de uma zona desmilitarizada entre as Coreias.

Mas, para John Park, pesquisador de um grupo de estudos sobre as região, o encontro deverá acontecer em “uma locação neutra” como a China.

Esta poderá ser a primeira conversa direta entre americanos e norte-coreanos sobre programas nucleares desde 2012.

Desde então, Kim Jong-un nunca mais se encontrou com outro líder estrangeiro, apesar de estar agendada para abril um encontro com Moon Jae-in, líder sul-coreano.

Mísseis balísticos são apresentados em parada militar na capital da Coreia do Norte, PyongyangDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO programa de mísseis da Coreia do Norte tem avançado rapidamente
O que estará na pauta?

A desnuclearização certamente é o assunto sobre o qual há maior expectativa de negociação.

Mas, enquanto Kim diz estar “comprometido com a desnuclearização”, a Coreia do Norte ainda não bateu o martelo sobre o abandono completo das armas nucleares.

“Os EUA vão pressionar pela desnuclearização total e a Coreia do Sul também já disse que este é seu objetivo principal”, diz Bruce Bennett, analista da consultoria RAND Corporation.

“Mas é importante lembrar que Kim já disse várias vezes que eles não irão abrir mão de suas armas nucleares”.

Outros pontos que podem ser levados à discussão são a repatriação de americanos hoje impedidos de sair de Pyongyang e a assinatura de um acordo de paz.

“Um acordo de paz daria à Coreia do Norte mais segurança e a isentaria de uma das principais razões por trás de seu programa nuclear (a de que o país precisa se defender de outros)”, diz Madden.

Mas um dos termos de um eventual tratado poderia ser a retirada de tropas americanas da Coreia do Sul – um movimento que provavelmente seria bastante desafiador.

“Acho que Kim prevê que, se um acordo de paz for assinado, em uns 10 anos a maior parte das tropas americanas na Coreia do Sul seria retirada”, diz Bennett.

“Assim, se mais tarde ele desejar voltar a se unir com a Coreia do Sul à força, os americanos já teriam se retirado. Esta seria a forma mais segura de atingir este objetivo”.

Como ficarão as sanções?

Especialistas concordam que é difícil prever a dimensão de uma eventual flexibilização nas sanções. Ela provavelmente está diretamente relacionada ao sucesso das negociações.

“Definitivamente, a Coreia do Norte está buscando um alívio nas sanções. Esta é uma demanda chave para eles”, explica Bennett. “A questão é: as sanções seriam retiradas de forma gradual ou vamos insistir em uma desnuclearização total antes disso?”.

Para Bennett, as duras sanções postas contra a Coreia do Norte tiveram como efeito claro a abertura do país a conversas.

“Há relatos de que a Coreia do Norte provavelmente iria ficar sem moedas para circulação até outubro. Então acredito que a campanha (de sanções) realmente tem causado danos ao Norte”.

O líder da Coreia do Norte Kim Jong-Un cumprimenta o representante da Coreia do Sul Chung Eui-yongDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAntes do anúncio de encontro entre EUA e Coreia do Norte, representantes da Coreia do Sul haviam se encontrado com Kim Jong-un em Pyongyang
Qual seria a aparência de um encontro bem-sucedido?

De acordo com Madden, uma reunião bem-sucedida geraria uma “concordância” assinada por todas as partes.

“Se eles conseguirem chegar a um ponto de conquistas tangíveis, como a Coreia do Norte concordando em congelar seus testes nucleares e permitindo a entrada de inspetores internacionais, isto seria um sucesso”.

Mas Bennett argumenta que um eventual compromisso conquistado entre os dois países provavelmente envolveria a “desistência de algumas coisas mas também alguns ganhos”.

Como seria o cenário mais desastroso?

“O pior cenário seria aquele em que a Coreia do Norte deixaria as rodadas de conversa com a justificativa de que Trump está sendo totalmente irresponsável e os EUA estão dificultando as coisas”, afirma Bennett.

Mas um cenário mais plausível é aquele em que ambos países simplesmente falhariam em promover qualquer progresso.

“Eu chamo isto da política de ‘varrer para debaixo do tapete’. Apenas adiamos essa discussão até que chegue outro presidente americano”, aponta Bennett.

“Até, vamos dizer, 2030, a Coreia do Norte poderá ter 200 armas nucleares. O que acontece então se eles forçarem o Sul a se render? Se varrermos a coisa para debaixo do tapete de novo então teremos um problema maior daqui a alguns anos”.