Por James Cimino
O cineasta brasileiro José Padilha é bastante preocupado com a maneira que a imprensa irá reproduzir suas falas. Tanto que ao responder a seis perguntas enviadas por e-mail sobre sua nova série O Mecanismo, disponível em streaming pela Netflix, fez questão de iniciar a carta com a frase “favor não editar as minhas respostas!!!!”, com quatro pontos de exclamação mesmo, caso não tenha ficado claro.
Mas quando o assunto é sua nova série exibida pela Netflix, O Mecanismo, que se pretende uma dramatização da Operação Lava Jato e dos escândalos políticos derivados dela, o cineasta é mais flexível.
Em seu quinto episódio, a série mostra o personagem que representa o ex-presidente Lula falando em “estancar a sangria”. Uma parcela do público e da classe política não gostou. Além de criticarem o uso de uma frase que ficou, digamos, imortalizada na boca do senador Romero Jucá (PMDB-RR), a própria ex-presidente Dilma Rousseff publicou artigo assinado no site Revista Fórum dizendo que o cineasta cria “fake news”.
Segundo ela, Padilha não respeita a linha do tempo e mistura escândalos como o do banco Banestado, que aconteceu na era FHC, e joga para 2003, que é o ano em que Lula assume a presidência pela primeira vez.
Padilha, no entanto, acha essa discussão toda “boboca” e afirma que “para quem sabe ler”, é possível separar a série da realidade. Ele também diz acreditar que “realidade dos fatos” é muito relativa. Leia a entrevista:
Por que você achou que a expressão “estancar a sangria” deveria ser colocada no personagem que representa o Lula?
Não escrevi o roteiro do episódio 5, nem o dirigi. O roteiro foi de Elena Soárez e a direção foi de Marcos Prado. Seja como for, chequei os diálogos. São diferentes. Não houve transcrição por parte da Elena. Além disso, a repetição do uso de uma expressão idiomática comum, como “estancar a sangria”, não guarda qualquer significado. Delcidio usou a expressão “acordo”. Se Higino falar “acordo” ele é o Delcidio? O fato de o Jucá ter usado a expressão “estancar a sangria” não a interdita. Escritores continuam livres para fazer uso dela.
De fato, esse é um debate boboca, mas que revela algo: se a principal reclamação é o uso desta expressão, pode-se imaginar que o público petista está achando difícil negar todo o resto. Nada a dizer quanto aos roubos e desvios de verba públicas praticados por Higino e Tames com os empreiteiros…? Hummm… Interessante.
Você não acha que, em um mundo de fake news, onde fatos são distorcidos para criar determinadas narrativas, sua série acaba criando um ruído de informação já que muita gente não consegue separar ficção de realidade?
Na abertura de cada capítulo da série avisamos que fatos foram alterados para efeitos dramáticos. Para o pessoal que sabe ler, portanto, não há ruído algum!
Minha pergunta sobre leitura é em um sentido mais amplo, de interpretação de texto. O filme Eu, Tonya tem um aviso no início dizendo que ele foi baseado em mentiras, boatos e alguns fatos reais. Mesmo assim muita gente acreditou que a patinadora Tonya Harding, condenada pela Justiça, foi vítima de uma armação após ver o filme. E claro que a expressão “estancar a sangria” não é monopólio do Jucá, mas no contexto da Lava Jato é a fala dele. Portanto, isso de certa forma não enfraquece a história, sendo que, como você mesmo apontou, as falcatruas em que os integrantes do PT se envolveram são tão evidentes?
Essa turma nāo entendeu que a série é uma crítica ao sistema como um todo e nāo a esse ou àquele político ou a qualquer grupo partidário. Por isso se chama “O Mecanismo”. Assim, misturar falas ou expressōes de um político-personagem que o público pode confundir quem falou nāo tem a menor importância, pois sāo todos parte do sistema. É esse mecanismo que queremos combater.
Quais seriam os critérios ideais para se dramatizar um fato histórico sem distorcer a realidade dos fatos, na sua opinião?
Quem é que detém o domínio da “realidade dos fatos” a que você se refere? O Lula? O Temer? O STF? O Marcelo Odebrecht? Me diz a versão realmente verdadeira que te digo como não distorcê-la!
Por fato histórico eu chamo aquilo que é incontestável. Em Feud, a série sobre Bette Davis e Joan Crawford, que virou fruto do processo por parte da atriz Olivia de Havilland, há uma reprodução fiel de cenas de domínio público, registradas em entrevistas, premiações etc. O que se dramatiza é o que está por trás da cortina. Aquilo que não é público. Em The Crown, mesma coisa, o fato histórico/público é mais o ponto de partida para a dramatização. Como foi o seu processo para O Mecanismo?
Acho incontestável que o PT de Lula e o PMDB de Temer achacaram, juntos e de forma combinada, os cofres públicos. Fizeram uma sangria. Você acha isto incontestável? Se não acha, então nota-se que cabe a pergunta: incontestável para quem?
Se o Lula resolvesse processá-lo por calúnia, como você responderia?
O Lula não foi aquele político que disse que no congresso havia uma maioria de “300 picaretas”? Foram todos condenados por serem picaretas, ou foi calúnia e difamação?
FONTE: observatoriodocinema.bol.uol.com.br