Maurílio Pinto, xerife agora estrela

Por Rubens Lemos
Na primeira pauta, o impacto: Aquilo poderia ser uma caixa de assistência social, um confessionário, menos o gabinete do homem mais poderoso da polícia do Rio Grande do Norte. Contei, por baixo, umas 40
pessoas para se aconselhar, dedurar vizinhos, homens que produziam filho e sumiam deixando a barriga da mãe e a despesa para a família.

Uma bagunça. Todos falando alto e ao mesmo tempo. Galinhas cacarejavam. Galos de campina em gaiolas, numa tristeza infinita. Todos para entrega ao delegado Maurílio Pinto de Medeiros, chefe da Polícia Civil, Polinter e, de verdade, o Secretário de Segurança Pública de sempre.

Todos os mimos eram recusados. Um gordo, o homem, de palavras medidas e visão periférica na miudeza dos olhos. De conjunto bege
inconfundível. Calça e camisa de tecido. Uma mesa larga, juiz de paz que acalmava os valentões domésticos.

Foram meus primeiros dias de contato com Maurílio Pinto de Medeiros. Colega de turma do meu pai no velho Atheneu. Maurílio Pinto formado em jornalismo ainda na  Faculdade Eloy de Souza, Fundação José Augusto,  ali, nas alamedas que ainda existiam no Tirol aprazível.

Fonte, boa fonte, me disse Rubão. Que tinha todos os motivos para odiar policiais. Mas não se deixava contaminar pelo fel dos rancores. Sofrera na carne a barbárie da repressão. Com Maurílio Pinto, amizade e irmandade. “Não vá imaginando que terá privilégios por ser meu filho. Maurílio é pago para desconfiar. Mas é honesto. Se há um atestado que posso dar é o de lisura e Maurílio é um liso, vive de salário,” recitava outro campeoníssimo em falta de convivência com dinheiro.

Boa fonte, bons tempos. Jornal impresso trazia nas manchetes o berro da notícia em sangue quente. Pura, sem exclamação, mas com narrativa e densidade. Crimes poucos, mas bárbaros.

O assassinato de um médico e uma enfermeira, que namoravam, foram
seviciados e queimados onde hoje erguem-se fábricas no bairro de Neópolis, sinalizava: Natal deixava de ser uma província.

E o homem gordo e silencioso rastreando pistas, desvendando assassinatos, conhecendo criminosos pelos métodos, pelo instinto,
talento e herança do pai, Coronel Bento, o Caçador de Bandidos na era passada dos pistoleiros de cangaço.

Maurílio Pinto virou lenda. Menino danado em rua parava ao grito da mãe impotente: “Se aquieta Tonzinho, que eu vou chamar Dr. Maurílio para lhe ajeitar”. Da ameaça, o resultado vinha na transição  ao comportamento angelical.

Assalto a banco. Avenida Rio Branco. Bandidos cariocas levam odinheiro do caixa e fogem de ônibus. Comemoram tomando banho de piscina num hotel da Ladeira do Sol. O recepcionista desconfiou. No automático, ligou para Dr. Maurílio. Que prendeu todo mundo com um revólver 38 na mão, cena posta na capa dos matutinos da época.

Maurílio Pinto, se tinha competência e tino, pecava por falta de vaidade. Foi maltratado, congelado numa delegacia sem função prática e incomodava. Maurílio, polícia por vocação, não por pretensão de estabilidade.

Homenageado na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal anos atrás , acolhido pelo companheirismo de Dona Clarissa, o terror de criminosos aparentava o sofrimento das sequelas de uma trombose.

Maurílio Pinto fazia o mal tremer nas bases. Nunca prendeu franciscano nem pai de família inocente.

Se fosse o que dizem seus inimigos, teria se dado bem na política. Candidato a deputado estadual, ficou entre os 20 suplentes. Arruinado e sem apoio dos companheiros de ideologia e dos que lhe sepultariam
depois, o meu pai foi seu assessor de imprensa na campanha eleitoral. Maurílio não esquecera dele.

Natal, sem alvissareiros, poetas em cada esquina, cada vez mais impessoal, é coberta do luto indefeso, seu rosto autêntico chorando
Maurílio Pinto de Medeiros, seu símbolo protetor morto impiedosamente pela diabetes neste fim de sábado(19/5).

Ausência certamente celebrada como em banquete podre e silêncio covarde pelos abutres dos valores invertidos.

Paz nas estrelas, Xerife.