Ciro promete federalizar crimes de narcotráfico e formação de facções

Ítalo Rômany

Esta reportagem faz parte da série UOL Confere Promessas de Campanha, que vai verificar promessas feitas pelos presidenciáveis para checar a sua viabilidade. A cada semana serão descritas e avaliadas uma promessa de cada um dos cinco presidenciáveis mais bem colocados na mais recente pesquisa DatafolhaSaiba mais sobre esta série.

Nesta sexta, será abordada uma proposta de Ciro Gomes (PDT): a federalização dos crimes de narcotráfico e das facções criminosas.

O que o candidato prometeu

O candidato Ciro Gomes, em seu programa de governo, promete “direcionar as polícias federais para o combate às organizações criminosas violentas, controlar o tráfico de armas e drogas”.

Durante sabatina realizada pelo UOL, Folha de São Paulo e SBT, Ciro disse que irá federalizar os crimes de narcotráfico, facção criminosa, corrupção, desvio e lavagem de dinheiro. Ou seja, a PF (Polícia Federal) ficaria responsável pela investigação desses crimes. Ciro disse ainda que os presos que tenham ligações com organizações criminosas irão para presídios federais que, de acordo com ele, têm hoje quase metade das vagas desocupadas.

A proposta é semelhante à que ele fez na campanha de 2002, quando Ciro disputou a presidência pelo PPS. Naquela eleição, o candidato disse que iria federalizar crimes de roubo de cargas, além de “destroçar o crime organizado, fortalecendo os recursos humanos, técnicos e financeiros de que dispõe o governo federal para fazer guerra ao grande crime”.

Qual é o contexto

A Polícia Federal é responsável pela prevenção e repressão ao tráfico ilícito de drogas e ao contrabando, além de apurar crimes contra bens, serviços e interesses da União. Já as polícias militares fazem o patrulhamento ostensivo nos estados, enquanto as civis cuidam da investigação dos crimes. Essa repartição de tarefas está prevista no artigo 144, da Constituição Federal, que trata da Segurança Pública.

Em alguns casos, a PF pode ser chamada para investigar crimes que não são de sua competência. O artigo 109 da Constituição Federal diz que, em casos de delitos graves contra os direitos humanos, o STJ (Superior Tribunal de Justiça), convocado pela Procuradoria-Geral da República, pode deslocar as atribuições.

Lei 10.446, de 2002, prevê também que, quando houver repercussão interestadual ou internacional, a PF poderá ter a prerrogativa de investigar crimes de sequestro, formação de cartel, furto de carga e corrupção. Mas isto é decidido caso a caso.

Com efetivo atual de 11,2 mil agentes, de acordo com a Federação Nacional dos Policiais Federais, a PF já destina 77% do seu orçamento anual para a folha de pagamento. Segundo dados do Siga Brasil, portal do Senado que acompanha a execução do Orçamento da União, em 2017, a PF recebeu R$ 6,1 bilhões. Desse montante, apenas 17% foram gastos em investigações e operações.

Em junho do ano passado, por exemplo, a PF suspendeu, por falta de dinheiro, a emissão de passaportes em todo o país. O governo federal teve que enviar ao Congresso Nacional um repasse adicional de R$ 103 milhões para normalizar a impressão dos documentos.

Sobre a proposta de Ciro Gomes de mandar detentos para presídios federais, que estariam subutilizados, dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) confirmam que essas prisões operam abaixo da capacidade. Das 832 vagas, 492 estavam ocupadas no final de 2017. Esses presídios nunca registraram fugas ou rebeliões, segundo o Ministério da Justiça.

Atualmente, são quatro unidades: Porto Velho (RO), Mossoró (RN), Campo Grande (MS) e Catanduvas (PR). O presídio de Brasília, com 208 vagas, tem previsão de entrega no final deste ano. Em 2017, as despesas com os presídios federais somaram R$ 26 milhões, segundo o Portal da Transparência. Para este ano, o governo empenhou R$ 25 milhões. Até agosto, foram executados R$ 14 milhões.

Os presídios federais recebem presos condenados de alta periculosidade, líderes de organizações criminosas, além daqueles que tentaram fugir reiteradas vezes no sistema prisional de origem. É o caso, por exemplo, de Fernandinho Beira-Mar, que está no presídio de Mossoró (RN) desde 2017, após passar por várias prisões. Detentos que colaboraram com a Justiça ou que fizeram delação premiada podem ser transferidos para uma unidade federal, já que correm risco de vida.

Como o candidato vai cumprir a promessa

Na sabatina do UOL, o candidato disse que o combate ao crime organizado se dará com “inteligência policial”. Ele acrescentou que irá “mapear, infiltrar, integrar e cortar a cabeça do crime organizado uma, duas, três vezes. Toda cabeça dessas facções que comandam o crime de dentro da cadeia.” Se for eleito, Ciro promete transferir esses criminosos para presídios federais. O candidato afirmou também que defenderá alterações na lei de execução penal para impedir todo tipo de comunicação com essa categoria de presos, inclusive com advogados.

Ao federalizar o combate a esses crimes, Ciro disse que poderá usar forças policiais de estados diferentes do local de atuação dos criminosos para evitar represálias contra familiares dos agentes. Hoje, esse é um obstáculo, segundo o candidato, para combater o crime, já que muitos soldados moram em comunidades ocupadas por bandidos. “A inteligência mapeia, vem um comando de fora, retira o investigado, forma a culpa dele, e o sistema jurídico (pune)”, disse Ciro, explicando seu projeto em debate na Universidade Regional de Blumenau (SC).

Há pelo menos 70 facções criminosas que atuam em presídios no país atualmente, segundo o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou em debate na Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de Ciro Gomes, para obter mais detalhes sobre a proposta, mas não houve resposta.

O que pode ser feito

O presidente da Comissão de Direito Penal do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros), Marcio Barandier, diz que, para mudar as competências e atribuições da Polícia Federal, será preciso alterar o artigo 144 da Constituição Federal, que trata da Segurança Pública. Para isso, será necessário aprovar uma proposta de emenda à Constituição, o que exige dois turnos de votação com apoio de 308 deputados e 49 senadores. A coligação do candidato, composta pelo PDT e Avante, tem hoje 24 parlamentares na Câmara e três no Senado, o que evidencia o grau de dificuldade para aprovar o projeto.

Do ponto de vista jurídico, Barandier diz que a proposta é viável, embora dependa do aval do Congresso. E, mesmo assim, corre o risco de, após aprovada, não ter orçamento suficiente para sua implantação. Até porque a Emenda Constitucional 95, que estabeleceu um teto para os gastos, é um limitador para novas despesas. Ciro vem repetindo que derrubar essa emenda é prioridade para viabilização de suas promessas de campanha.

“As polícias estaduais têm dificuldades, porque contam com poucos recursos e têm uma quantidade de casos grande. Isso se resolve com apoio a essas polícias e não retirando suas atribuições para deslocar para a Polícia Federal, que vai ficar congestionada”, avalia Barandier.

A professora de Políticas Públicas Camila Nunes Dias, da Universidade Federal do ABC, afirma que a Polícia Federal vem denunciando há anos falta de pessoal e de orçamento. “A PF tem condições de dar conta dessa demanda? Imagina aumentando substancialmente as responsabilidades que vão recair sobre ela”, indaga a especialista.

Para Camila Dias, autora do livro “PCC – Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência”, o combate às facções vai além de federalizar crimes e jogar os detidos em presídios. “Todas essas políticas nos últimos 30 anos tiveram como foco a punição e repressão. O Estado nunca se preocupou com segmentos da população que vivem em comunidades pobres. É preciso um plano que envolva a prevenção.”

Há projetos em tramitação com essa proposta?

No Senado Federal, está em tramitação a PEC 6, de 2017, de autoria de Rose de Freitas (MDB-ES). O texto, parado na Comissão de Constituição e Justiça, federaliza a segurança pública, incorporando as polícias civis dos estados à Polícia Federal, e unificando as militares em uma Polícia Militar da União. Para tanto, seria necessário alterar os artigos 21, 22, 42 e 144 da Constituição Federal. Na Câmara dos Deputados, a PEC 329, de 2017, do deputado federal Aureo Ribeiro (SD-RJ), federaliza todos os presídios estaduais.

Avaliação: Dá para fazer, mas é preciso mudar a Constituição

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