Responsável por fiscalizar a utilização dos recursos públicos federais, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu a torneira dos gastos com viagens. Entre 2 de janeiro e 19 de junho deste ano, o órgão usou R$ 372.629,33, entre passagens aéreas e diárias. O valor bancou 88 deslocamentos no Brasil e 14 internacionais, nos quais membros da Corte participaram de seminários, congressos, workshops, cursos diversos e agendas institucionais.
Já os R$ 169.722,53 destinados a trajetos nacionais são separados, segundo dados do próprio TCU, em duas seções. Uma delas inclui cursos, palestras e seminários, com despesa de R$ 112.374,57. A outra se refere apenas às viagens de representação institucional, nas quais foram usados R$ 57.347,96.
Diárias
Um dado surpreende no montante gasto com as agendas nacionais e internacionais fora do DF. Do valor global de R$ 372.629,33, a maior parte se refere a diárias: R$ 216.561,26, o que corresponde a 58,11% dos recursos usados em viagens.
Para cada dia fora do país, seja para estudar ou participar de um evento, um ministro do TCU recebe US$ 691, cerca de R$ 2.290, na cotação de sexta-feira (30/6). A diária é a mesma de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos desembargadores dos Tribunais Regionais Federais (TRF), conforme a paridade assegurada no art. 73 da Constituição.
O valor da diária internacional é um pouco inferior para os ministros substitutos e o subprocurador-geral (US$ 656); e para os procuradores (US$ 623).
No caso das viagens nacionais, as diárias também variam de acordo com o cargo. Os ministros e o procurador-geral do MPTCU recebem 1/30 do subsídio mensal, de R$ 32.074,85. Ou seja, em deslocamento dentro do Brasil, eles têm direito a R$ 1.069,16 por dia fora de Brasília. Já os ministros substitutos e o subprocurador-geral ficam com R$ 1.015,70; enquanto os procuradores ganham R$ 964,92.
Críticas
Para José Simões, professor de Administração e Políticas Públicas do Ibmec-DF, tanto dinheiro desembolsado pelo TCU mostra que os tribunais estão vivendo “fora da realidade” nacional.
Precisamos começar a questionar esses valores. O país está pegando fogo, tanto na política quanto na economia, e o Estado ainda gasta muito dinheiro com autoridades de todos os Poderes. Com cortes de até 40% em todo o orçamento brasileiro, afetando áreas importantes, como a educação, considero essas despesas com viagens abusivas para o contribuinte“
O economista Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas, concorda. “Em época de contenção de despesas, no momento em que o déficit primário previsto para 2017 é de R$ 139 bilhões, cabe ao TCU, como órgão fiscalizador e guardião da responsabilidade fiscal, dar o exemplo.”
O economista ressalta que é preciso analisar e cobrar explicações de todos os órgãos públicos. “O pente-fino nos dispêndios tem que ser passado nos Três Poderes, inclusive no TCU, como órgão auxiliar do Legislativo”, completa.
Do Peru à Áustria
Dos nove ministros titulares do TCU, apenas o presidente, Raimundo Carreiro, não aparece na lista dos que viajaram por conta do órgão para cursos ou seminários em 2017. Os demais fizeram viagens — dentro do país ou internacionais — ao menos uma vez.
Quem mais realizou viagens internacionais para participar de eventos foi o ministro Augusto Nardes. Ele participou de seminário organizado pela Controladoria-Geral no Peru; de Reunião do Comitê de Criação e do Conselho Deliberativo da Organização Latino-americana de Entidades Fiscalizadoras (Olacefs), no México e no Equador; do Seminário República e Controle e da Inauguração da nova sede da Escola de Controle do Peru; entre outras. Ao todo, ele recebeu R$ 49.748,73 em diárias para essas viagens.
O valor é mais que o dobro dos R$ 21.346,58 recebidos pelo ministro Walton Alencar Rodrigues em diárias para passar 11 dias em Portugal. Em solo lusitano, ele participou de reunião técnica no Tribunal de Contas do país europeu e do Working Party of Senior Public Integrity Officials — que busca promover políticas anticorrupção. Já o ministro Aroldo Cedraz recebeu R$ 15.411,92 para participar do 24º Seminário da Organização das Nações Unidas em Viena (Áustria).
Seminários Brasil afora
Quanto às viagens nacionais, a maioria dos deslocamentos foi para participar de seminários e reuniões importantes. No entanto, houve algumas ocasiões que não condiziam com o interesse público. Uma delas foi quando o ministro Benjamin Zymler recebeu diárias e teve as passagens pagas pelo Tribunal para ir a Palmas receber o Colar do Mérito Governador Siqueira Campos. Em outra ocasião, a ministra Ana Arraes esteve no Recife — sua terra natal — para a celebração do Jubileu de Ouro da reinstalação da Justiça Federal de Pernambuco.
Esse tipo de viagem é justamente o principal alvo de críticas do professor José Simões, do Ibmec-DF. “Até que ponto eles estão melhorando o trabalho prestado no serviço público? Até que ponto essas viagens se refletem em benefícios para a população? Se o TCU fiscaliza a administração pública, quem fiscaliza o Tribunal? A Corte precisa prestar contas a alguém”, afirmou.
A prestação de contas do próprio TCU também é motivo de preocupação para José Matias-Pereira, professor de Administração Pública da Universidade de Brasília (UnB). “Eu entendo que o Estado deve gastar com a formação de servidores, para que eles se especializem e devolvam esse conhecimento em benefício da população. O que me preocupa é que quem autoriza essas viagens são os próprios ministros. Como o presidente do TCU vai dizer não a um colega, sendo que amanhã esse mesmo ministro pode estar na presidência da Corte?” questiona.
Todas as viagens foram feitas por um grupo de 15 pessoas: oito dos nove ministros titulares; três dos quatro substitutos; e quatro dos sete procuradores do Ministério Público que atuam na Corte (MPTCU).