Matheus Pichonelli
No conto “Darandina”, de Primeiras Estórias, João Guimarães Rosa descreve o alvoroço provocado numa cidadezinha quando um sujeito escala uma palmeira e de lá passa a proferir sentenças desconexas.
De mão dupla, o espelho da loucura se apresenta na narrativa com uma pergunta ao leitor: quem perdeu o juízo? Quem está em cima ou quem está embaixo obcecado pela cena?
Do alto, o “psiquiatrartista” descrito pelo autor mineiro berrava barbaridades do tipo: “O feio está ficando coisa…”, “Se vierem, me vou, me vomito daqui”, “Cão que ladra não é mudo”. “Estou aqui, vós me vedes”. “Eu não sou aquele!” “Suspeito, exploração, calúnia, embuste, de inimigos e adversários…”. “Vi a Quimera!”
Abaixo, “frenéticos o ovacionavam, às dezenas de milhares se abalavam”.
É de circo, diziam uns. É político, afirmavam outros. É fugido de hospício, especulavam outros ainda. É um gênio, concluía alguns.
Tivesse sido escrito em 2020, Guimarães Rosa poderia até negar, mas ninguém acreditaria que o nonsense daquela estória não foi inspirada num certo habitante do Palácio do Alvorada.
Por mais machadiana que seja a obsessão de Jair Bolsonaro com a cloroquina, uma obsessão pé em pé com a de Brás Cubas e seu emplastro anti-hipocondria que o levaria à glória ou o humanitismo sem fundamento científico de Quincas Borba, é em Guimarães Rosa que se encontra o estado mais bem acabado de espanto com a cena do sujeito que ninguém sabe como foi parar, nem como poderá descer, da palmeira imperial.
Jair Bolsonaro convalesce após testar positivo novamente para covid-19. Tem evitado declarações retumbantes desde a prisão, agora domiciliar, do ex-PM, ex-assessor e ex-amigo Fabrício Queiroz.
Tem atrapalhado menos também o andamento de negociações sobre reformas e aprovação de projetos-chaves no Congresso, como o do Fundeb.
Ainda assim, é o assunto do dia.
De ontem.
De hoje.
Provavelmente de amanhã.
Faz isso já adaptado ao espírito do tiktok, a rede social chinesa em que o gestual está no centro da cena de mímicos que já não precisam gritar. Foi o que levou a plateia ao delírio, no domingo passado, quando levantou uma caixinha de cloroquina no fosso que separa a Presidência e os súditos o ovacionaram, também às dezenas.
É gênio ou é doido, pergunta-se a plateia abaixo da palmeira, como no conto roseano.
Em tempos de comunicação em rede, pendurar a melancia no pescoço já não comove.
Que tal passear pelos campos do Alvorada e ser flagrado mostrando cloroquina para as emas?
Eureka!
É o melhor jeito de seguir no centro das atenções e desviar o foco das perguntas fundamentais do dia: como chegamos a quase 85 mil mortos na pandemia que o garoto-propaganda da quimera salvadora diagnosticou, lá atrás, como um resfriadinho que mataria menos que uma gripe normal?
A resposta é óbvia, mas segue em aberto, enquanto Jair Bolsonaro em seu retiro repete o personagem de Guimarães Rosa que “disse nada. Ou talvez disse, na pauta, e eis tudo”.