Marina Estarque
Aumento do número de casos da doença registrado em sete estados do Nordeste pode ocorrer também em outras regiões do Brasil, além de outros países. Vírus pode estar ligado à malformação do crânio de bebês.
Nesta semana, o Ministério da Saúde informou que a infecção de gestantes pelo zika vírus é a principal hipótese para o aumento do número de casos de microcefalia no Nordeste brasileiro. Com isso, cresce o receio de que o surto possa ocorrer em outras regiões do Brasil e até mesmo em outros países afetados pelo vírus, transmitido pelo mesmo vetor da dengue, o mosquito Aedes aegypti.
“Dezoito estados [brasileiros] já notificaram a presença do vírus. Então, essa preocupação é real, a gente pode ter sim esse aumento de microcefalia em outros estados, desde que esse vírus seja responsável por isso”, afirma Rodrigo Stabeli, vice-presidente de Pesquisa e Laboratórios de Referência da Fiocruz.
Nesta terça-feira (17/11), a fundação divulgou o resultado de exames, realizados a pedido do Ministério da Saúde, que atestaram a presença do zika vírus no líquido amniótico de gestantes cujos bebês tinham microcefalia.
A descoberta não atesta a relação entre a doença e a malformação do crânio, mas é um forte indício. Segundo o Ministério da Saúde, vários testes estão em andamento com o objetivo de chegar a uma comprovação o quanto antes.
“Esperamos ter mais segurança quanto a essa causa em poucas semanas”, afirmou o diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch.
Enquanto isso, especialistas ressaltam que o surto de microcefalia pode ser um problema global. “O mundo inteiro tem razão de se preocupar, porque há bilhões de pessoas vivendo em regiões com o Aedes aegypti”, alerta Fernando Kok, professor de Neurologia Infantil da Faculdade de Medicina da USP.
O ministro da Saúde também afirmou em entrevistas à imprensa que, além de chegar a outros estados brasileiros, o surto pode atingir outros países. Dentro do Brasil, entretanto, a situação continua sendo mais preocupante no Nordeste, onde houve a maior epidemia de zika no país.
Até agora, foram registrados 399 casos de microcefalia em sete estados do Nordeste: Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Ceará e Bahia. Durante todo o ano de 2014, haviam sido 147 em todo o país.
Pernambuco, o estado mais afetado, teve em cinco anos apenas 43 casos – em 2015, já são 268. “A estatística anual foi superada em muito em apenas dois meses”, diz Stabeli.
Suspeita-se que o vírus tenha chegado ao Brasil com turistas durante a Copa do Mundo de 2014. No entanto, a sua identificação foi somente em junho de 2015.
Pico no verão
Os especialistas também estão apreensivos com a chegada do verão, período em que aumentam as chuvas e a reprodução do mosquito transmissor. Segundo especialistas, caso a correlação entre o zika e a microcefalia esteja correta, pode haver um número de casos ainda maior em 2016.
“Existe sim a preocupação de que, durante o primeiro semestre do ano que vem, voltemos a ter uma circulação grande desse vírus. Mas isso é imprevisível, porque pode ser que muita gente tenha ficado imune [à doença] no Nordeste”, afirma Maierovitch.
O diretor também reconhece que o inverso pode ocorrer, e a incidência, aumentar. “Pode ser que o vírus esteja circulando em pequena quantidade e, no momento em que houver condições ideais, ele circule em grande quantidade, até mesmo em estados mais populosos.”
Maierovitch diz que o Ministério da Saúde fará reuniões na próxima semana para debater como intensificar as ações de combate ao mosquito.
Hipótese inédita
A suposta relação entre o zika e a microcefalia nunca foi descrita no mundo, apesar da presença da doença em vários países. Para Stabeli, a correlação não poderia ter sido observada em outros locais por uma questão de amostragem.
“Houve epidemias de zika na Austrália e na Índia, mas de forma muito localizada e, geralmente, próxima a florestas. A primeira vez que aconteceu uma manifestação do zika em centros urbanos muito populosos foi no Brasil. Quando a população afetada é maior, aumenta a probabilidade de se observar certas anomalias”, afirma Stabeli.
Segundo os especialistas, entretanto, não se pode descartar que o surto de microcefalia só tenha ocorrido no Brasil. Para isso, o vírus precisaria, ao chegar ao país, ter sofrido alterações que aumentassem as chances da doença.
Uma segunda possibilidade é que fatores ambientais específicos da região, associados ao vírus, pudessem aumentar a probabilidade da malformação do crânio.
Causas da microcefalia
A microcefalia pode ter diversas causas. Desde doenças genéticas até fatores ambientais, como sangramentos, uso de substâncias químicas durante a gestação, contato com radiação, infecções por bactérias, vírus ou parasitas, entre outros.
Em todos os casos, há uma malformação do cérebro, que não se desenvolve normalmente. Com isso, o crânio não tem seu crescimento estimulado, e a criança nasce com o perímetro da cabeça menor do que a média. O crânio de um bebê nascido a termo, isto é, após nove meses de gravidez, tem pelo menos 34 centímetros de perímetro. Para crianças prematuras, os valores podem variar.
Se a hipótese do zika vírus estiver correta, o processo seria similar ao de outras infecções, como a rubéola, que também pode causar a microcefalia. No caso da zika, a mãe pode transmitir o vírus mesmo sem ter sinais da doença – entre 70% e 80% das pessoas infectadas não apresentam sintomas.
Uma vez no corpo da mãe, o vírus pode romper a barreira protetora da placenta e chegar ao feto. Como o bebê não tem um sistema imunológico maduro, fica vulnerável à doença.
“A placenta é como se fosse uma esponja, que passa os nutrientes, mas não deixa passar vários agentes infecciosos. Mas se um vírus consegue transpor a placenta, então ele encontra o território livre”, explica Kok.
O neurologista afirma que, ao chegar ao sistema nervoso, o vírus destrói os neurônios e, dessa forma, inibe o crescimento do cérebro e do crânio. Por isso, os riscos de desenvolver a microcefalia são maiores no primeiro trimestre de gravidez, quando as células nervosas estão em formação.
A microcefalia não é reversível, e 90% dos afetados possuem algum tipo de deficiência mental. Entretanto, é possível melhorar a qualidade de vida das crianças com tratamentos com fisioterapeutas, fonoaudiólogos, pediatras e neurologistas.
Impactos na saúde pública
Para Kok, o surto de microcefalia é muito preocupante. “Você pode ter uma geração de indivíduos que vão ter problemas por toda a vida, com dificuldades de se locomover, de falar, de se relacionar. O cérebro, uma vez lesionado, tem uma capacidade de reparação muito limitada”, diz.
A necessidade de acompanhamento com equipes multiprofissionais também trará consequências para a rede pública de saúde, afirma Maierovitch. “Teremos um impacto importante no serviço de saúde. Esta é de fato uma situação de muita gravidade para a saúde pública brasileira”, diz.
Recentemente, representantes do Ministério da Saúde disseram à imprensa que aconselhavam mulheres a adiar a gravidez nesse momento. Maierovitch nega.
“Não estamos recomendando ou deixando de recomendar um comportamento para as mulheres. O que nós queremos é que elas tenham informações claras que lhes permitam tomar uma decisão se esse é o melhor momento para engravidar ou se é possível esperar um pouco até que haja mais segurança”, disse.