Figuras folclóricas do imaginário brasileiro, as mulheres que se interessam e se relacionam majoritariamente com jogadores de futebol remetem a histórias curiosas e que podem até inspirar reflexões
Conquistar um grande craque é o sonho de muitas jovens que vivem atrás dos jogadores de futebol. A sedução muitas vezes é pelo status e pelas regalias que um relacionamento desses pode proporcionar, além de uma fama passageira — mesmo que nas colunas de fofoca. Para os jogadores, cercar-se dessas mulheres que se vestem com roupas curtas e ousadas é um símbolo de prestígio e poder. Em português, o termo constantemente utilizado para se referir a elas é “maria chuteira”, mulheres, em geral jovens, que buscam a todo custo encontros furtivos ou as famosas “escapadas” com os boleiros. Normalmente, saltam de um jogador para outro e não perdem a oportunidade de aparecer aos holofotes com declarações polêmicas ou situações constrangedoras. Todas, sem exceção, querem alcançar a fama às custas de namoricos com celebridades da bola.
A modelo Dani Sperle não esconde que já correu atrás de jogadores de futebol — ela não tem problemas em admitir que já ficou com Adriano ex-Flamengo e Neymar — mas acha que a nomeação de maria chuteira é excessivamente genérica. Ela argumenta que existem também as que se relacionam com músicos ou empresários de sucesso, e que nem por isso possuem um termo específico para designá-las. “Não ligo para profissão, pode ser jogador, empresário ou mecânico. O importante é me identificar com a pessoa”, jura ela.
Existem outras que admitem abertamente que procuram jogadores — inclusive os mais badalados. Andressa Urach já foi uma delas, a ex-concorrente à “Miss Bumbum” foi procurada pelo astro Cristiano Ronaldo, em 2013 quando ele jogava no Real Madrid. O jogador viu algumas fotos dela, e se interessou. Ela viajou para lá com tudo pago, mas a relação foi longe de uma boa experiência, como conta em seu livro “Morri para viver”, publicado em 2015. O encontro entre os dois durou menos de uma hora, no hotel em que o craque estava hospedado. Ela chegou a pedir uma foto com ele após o encontro, mas foi esnobada e ficou trancada no quarto de hotel enquanto esperava por ele. Cristiano era casado com a modelo russa Irina Shayk na época, o que causou um belo rebuliço quando Andressa revelou o encontro para a mídia internacional — que até hoje ele nega que tenha acontecido.
A psicóloga L.Y, que trabalha no meio esportivo há mais de dez anos, conta que os jogadores que saem com muitas “parceiras” podem ter que lidar com um pouco mais de estresse emocional — por causa da repercussão de eventuais namoros midiáticos. “Quando meus atletas falam que estão namorando eu sempre dou a dica de conhecer melhor a menina, se gosta de verdade e se é alguém que vai te apoiar quando a fase dentro de campo não for boa. É como qualquer pessoa”. Entre as atribuições de uma profissional de psicologia no futebol, está trabalhar a cabeça de um jovem que vai de um salário mínimo para vencimentos na casa dos milhares de dólares quase instantaneamente. “Já tive caso de jogador que vai de um salário de R$ 800 para R$ 25 mil em menos de um mês, qualquer um que não for orientado se perde”, avalia. Esse conceito também vale para as aspirantes a namoradas desses atletas, visto que de uma hora para outra se pode usufruir de um estilo de vida que seria muito mais difícil conseguir por meios de trabalhos convencionais.
O termo maria chuteira carrega consigo alguns julgamentos pré-determinados, como se uma mulher só se interessasse por causa da fama e fortuna que um relacionamento bem sucedido com um jogador de futebol pode proporcionar. Atletas desse esporte muitas vezes vêm de contextos socioeconômicos precários, o que deprecia esses esportistas — “como alguém poderia se apaixonar por um pobretão desses?” — além de transformar as mulheres em meros adornos dos jogadores.
Apesar disso, as boleiras existem e podem ser encontradas em bares e boates frequentados pelos jogadores. Elas mapeiam estrategicamente os points da moda dos atletas e saem literalmente à caça, em busca de minutos de fama e dinheiro. Ao lado de um craque famoso, encontram o caminho mais curto para ensaios sensuais e promoção de carreiras de modelo.
Não se trata de um fenômeno nacional. As marias chuteiras rompem fronteiras. Quando era atleta, o ex-jogador da seleção brasileira Vampeta confidenciou ter levado seis mulheres para a Europa quando jogava na França. Todas bancadas integralmente por ele. “Vou ser sincero. Já levei mulheres para Paris, Milão e Holanda”, disse. Claro que não foram movidas por amor nem por paixão. Os objetivos eram bem pragmáticos: dinheiro, mordomia e fama. Muitos jogadores entram nesse jogo sabendo bem qual partida estão jogando. “É normal atletas que jogam na Europa levarem meninas do Brasil para lá. Anormal é sair um escândalo de estupro”, afirmou o baiano Vampeta.
Sinal de sucesso
“Não basta ter um sucesso esportivo, tem que acumular mulheres como sinal de sucesso” avalia Gustavo Andrada, pesquisador do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ele conduz pesquisas relacionadas ao esporte “Elas são usadas para medir o talento de um jogador. São como um troféu”, afirma.
Para as mulheres que, ao fim e ao cabo, acabam casando com jogadores de futebol, chamadas de wags, uma mistura de wifes e girlfriends, expressão em inglês para designar quem namora e sobe ao altar com os craques, “maria chuteira” não passa de um rótulo que rebaixa a imagem da mulher e acaba sendo explorado quase sempre por uma ótica machista. Para Gustavo Andrada, o aumento da participação feminina no futebol pode ser um antídoto. Jogando, elas deixam de ser personagens dos bastidores do futebol e passam a ser protagonistas no esporte. A Copa do Mundo Feminina da França, que terá ampla cobertura de canais de TV aberta no mês de junho e julho, vai ajudar nessa transição. “A divulgação maior da Copa feminina, tende a trazer algum questionamento. Não sei se muita coisa, mas alguma coisinha certamente fará”, projeta.
O caso Eliza Samudio
Quando se fala em maria chuteira, é comum lembrar do trágico caso entre o goleiro Bruno (ex-Flamengo) e a modelo Eliza Samudio. Motivado por uma gravidez indesejada, o goleiro ordenou o sequestro dela e do filho em junho de 2010. A investigação concluiu que Eliza foi morta por estrangulamento no sítio do jogador em Ribeirão das Neves. Seu corpo foi esquartejado e nunca encontrado pelos policiais. Bruno foi condenado por júri popular a 22 anos e sete meses de prisão por homicídio, ocultação, sequestro e cárcere privado. Em 2017, o goleiro conseguiu uma liminar para um habeas corpus, assinou contrato com o Boa Esporte Clube, de Varginha e chegou a disputar cinco partidas com o clube. Um mês depois, Bruno teve o direito à liberdade revogado e voltou à cadeia. Em 2019, ele estava exercendo trabalho em regime fechado numa associação de assistência aos condenados em Varginha, e tentaria progressão para o semiaberto, mas foi flagrado com duas mulheres em um bar durante o horário em que deveria estar trabalhando. Assim, ele só poderá pedir a progressão de pena em 2023