CNJ sugere restrições a juízes em uso de redes sociais, promotores se insurgem contra proposta que torna juiz um ‘cidadão menor’

RIO — Em proposta de “manual de conduta”para juízes usarem redes sociais, o grupo de trabalho criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) defendeu que os magistrados não adiantem o teor de decisões judiciais ou atendam a pedidos de partes, advogados ou interessados por meio de plataformas digitais e aplicativos. O plenário do órgão, responsável por regulamentar e fiscalizar a atuação dos juízes no Brasil, começou nesta semana a discutir o texto, que já teve votos a favoráveis de dois dos 15 conselheiros.

O projeto de ato normativo prevê que o juiz não atenda a pedidos por meio de redes sociais “não institucionais” e oriente o interlocutor a procurar as “vias adequadas”. O texto entra em discussão em meio à polêmica das supostas mensagens entre o então juiz Sergio Moro e o procurador do Ministério Público Federal Deltan Dallagnol. Segundo o site The Intercept Brasil, eles teriam combinado atuações no âmbito da Operação Lava Jato. Os dois contestam a autenticidade dos diálogos, negam irregularidades e denunciam a invasão ilegal de suas comunicações.

Criado antes da divulgação das mensagens de Moro e Dallagnol, o grupo de trabalho do CNJ recomendou que os juízes evitem manifestações nas redes “que maculem a imparcialidade” dos julgamentos e “afetem a confiança do público no Poder Judiciário”. O órgão sugeriu evitar publicações “que busquem autopromoção ou evidenciem superexposição, populismo judiciário ou anseio de corresponder à opinião pública”. Os magistrados ainda deveriam se abster de compartilhar conteúdo sem ter a “convicção pessoal” de as informações serem verdadeiras, em iniciativa contra as fake news.

As regras propostas valem para todos os sites da internet, plataformas digitais e aplicativos de computador e dispositivos móveis voltados à interação social, segundo o projeto de resolução, divulgado no site do CNJ. Valem para grupos públicos e privados que permitam a comunicação, a criação ou o compartilhamento de informações.

“Juiz não é cidadão comum”, diz relator

Entre as condutas proibidas pelo projeto de “manual de conduta”, estão a manifestação de opinião sobre processo pendente de julgamento — seja do magistrado ou de colegas — e de “juízo depreciativo” sobre despachos, votos e sentenças. O juiz poderá, no entanto, fazer críticas nos autos, em obras técnicas e em aulas ministradas.

O texto também propõe o veto a demonstrações de engajamento em atividade político-partidária e de apoio ou crítica públicos a determinado candidato, liderança política ou partido. Essa vedação não atinge possíveis manifestações, públicas ou privadas, sobre projetos e programas de governo, processo legislativos ou questões de interesse público, do interesse do Judiciário ou da carreira dos magistrados. A única condição, nesse caso, seria de que o magistrado, ao dar sua opinião, “respeite a dignidade” do Judiciário.

Em seu site, o CNJ argumentou que o projeto é necessário para “compatibilizar o exercício da liberdade de expressão com os deveres inerentes ao cargo” de juiz.

“A premissa fundamental é a de que o juiz não é um cidadão comum”, argumentou o conselheiro Aloysio Corrêa da Veiga, coordenador do grupo de trabalho. O ministro aponta que a imagem do magistrado “se confunde com a do Judiciário”, o que impacta a percepção da sociedade. O projeto destaca que as manifestações dos juízes nas redes podem afetar a credibilidade, a legitimidade e a respeitabilidade da Justiça. Além disso, as regras seriam importantes contra riscos à segurança pessoal e à privacidade dos juízes.

O conselheiro Valdetário Monteiro concordou com o relatório de Corrêa da Veiga, na terça-feira. A sessão então foi suspensa, e a discussão será retomada em agosto, ao fim do recesso do órgão.

Veja outras propostas do “manual de conduta”:­
  • O juiz deverá “adotar postura seletiva e criteriosa para o ingresso em redes sociais, bem como para a identificação em cada uma delas”.
  • A utilização de pseudônimos não isentará o magistrado de observar os limites éticos de conduta e não excluirá a incidência das normas vigentes.
  • O juiz precisará abster-se de utilizar a marca ou a logomarca da instituição [do Judiciário a que é vinculado] como forma de identificação pessoal nas redes sociais.
  • Nas redes, o juiz deverá “evitar embates ou discussões, inclusive com a imprensa, sem responder pessoalmente a eventuais ataques contra si. Caso seja vítima de ofensas ou abusos, deverá procurar apoio institucional para reagir”.
  • O juiz deverá evitar dar opiniões ou aconselhamento em temas jurídicos concretos ou abstratos que possam vir a ser objetos de seu julgamento. Ele poderá tecer esses comentários em obras técnicas e em aulas ministradas.
  • Ao compartilhar um conteúdo ou a ele manifestar apoio, o juiz deverá avaliar se há nele, mesmo de forma subliminar, discurso discriminatório, de ódio, ofensivo, difamatório, obsceno, imoral, ilegal ou que viole direitos.
  • O magistrado deverá evitar postagens que possam expor sua rotina pessoal, de seus familiares ou de serviços judiciários.
  • O juiz deverá evitar seguir pessoas e entidades nas redes sem tomar cuidado com a sua segurança. Deverá “agir com prudência” ao aceitar ou manter amizades e conexões virtuais.
  • No âmbito comercial, o juiz não poderá patrocinar postagens para se autopromover ou promover serviços e produtos nem poderá associar sua imagem à de marcas. Poderá, no entanto, divulgar obras técnicas de sua autoria se não houver “exploração direta de atividade econômica lucrativa”.

A proposta do grupo de trabalho frisa que as recomendações e vedações previstas não se aplicam a juízes que atuem como representantes legais de entidades e associações de classe. Enquanto exercerem esta função, eles poderão se manifestar nas redes para defender os interesses de associados e o debate de temas de interesse público do país.

Apesar das restrições, o texto incentiva “o uso educativo e instrutivo das redes sociais por magistrados”, para divulgação de publicações científicas, conhecimentos téoricos, estudos técnicos e iniciativas sociais para promoção de cidadania, direitos e acesso à Justiça.

Promotores se insurgem contra proposta que torna juiz um ‘cidadão menor’
Luiz Vassallo
A Associação Ministério Público Pró-Sociedade divulgou nota de ressalva jurídica sobre a proposta de resolução do Conselho Nacional de Justiça que visa a restringir a liberdade de expressão dos juízes nas redes sociais.

A entidade, conhecida por alojar em seus quadros promotores e procuradores linha dura, recebeu a minuta da Proposta de Resolução do CNJ.

MP Pró-Sociedade considera o texto incompatível com as reais atribuições/deveres de um cidadão investido de autoridade pública.

“Nos causou estranheza, já que visa a restringir a liberdade de expressão dos juízes brasileiros.”

Segundo os promotores, antes de análise do conteúdo da proposta, é necessário deixar claro que ninguém tem que fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da Lei, conforme o artigo 5.º, inciso II, da Constituição Federal.

Eles argumentam que restrições especificamente à liberdade de expressão somente podem ser feitas aos militares em razão da hierarquia e da disciplina a que são submetidos e apenas porque estas, além de previstas no texto do Constituinte originário, visam a garantir as liberdades de toda a sociedade, vez que são o que permite manter o braço armado do Estado sob controle.

Dois pontos da Resolução são destacados pelo MP Pró-Sociedade: a) evitar embates ou discussões, inclusive com a imprensa, não devendo responder pessoalmente a eventuais ataques recebidos; b) procurar apoio institucional caso seja vítima de ofensas ou abusos (cyberbullying, trolls e haters), em razão do exercício do cargo.

“Esses dois artigos negam o direito à legítima defesa consagrado na lei e permitido na Constituição Federal e excluem a possibilidade da retorsão imediata, consagrada pela doutrina e jurisprudência dos Tribunais brasileiros, até porque caracterizam também legítima defesa”, alertam os promotores.

Para eles, pior ainda, é que os dois artigos da proposta tornam o juiz um cidadão menor, e, injustificadamente, estimulam a covardia e omissão, perfil não adequado de um magistrado.

“A legítima defesa e retorsão imediata sequer são negados aos militares apesar das restrições existentes.”

A nota do MP Pró-Sociedade pontua que se realmente for aprovada a famigerada Lei Anti-Lava Jato, com a aprovação dessa resolução, a liberdade de expressão ou será crime ou será punível administrativamente, calando e intimidando quem quiser ser transparente com a sociedade.

O MP Pró-Sociedade pede que não seja expedida a Resolução pelo CNJ porque resultará em imposição de restrições a juízes de uma atuação digna ao combate à corrupção e à macrocriminalidade, esperando que isso não esteja no contexto de contra-ataque à Lava Jato.

Estadão

 

Deixe um comentário