MÁRCIO FALCÃO
DE BRASÍLIA
MÔNICA BERGAMO
DE COLUNISTA DA FOLHA
Investigadores da Operação Lava Jato consideraram frágeis as explicações apresentadas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para rebater as acusações de que mentiu sobre as contas secretas atribuídas a ele pelo Ministério Público da Suíça.
Como a Folha revelou nesta quarta, Cunha disse a aliados que não enganou os colegas ao depor à CPI da Petrobras e negar possuir contas no exterior, porque elas foram registradas por empresas que ele controla fora do país.
O deputado alega ainda que o depósito feito em uma das contas por um lobista investigado na Operação Lava Jato, apontado pela Procuradoria-Geral da República como pagamento de propina associada a um negócio feito pela Petrobras na África, era o pagamento de um empréstimo feito a um colega morto.
Documentos enviados pela Suíça atribuem quatro contas ao peemedebista e familiares. Uma delas é controlada por um trust, estrutura organizada para administrar bens, dinheiro e ações de empresas de Cunha no exterior.
Outra é uma offshore, empresa sediada num paraíso fiscal. Há ainda uma conta corporativa e a última é uma conta de cartão de crédito em nome da mulher do deputado, a jornalista Claudia Cruz.
Segundo o Ministério Público, os documentos da Suíça mostram que Cunha era o real beneficiário de todas as contas. Em duas delas, foram bloqueados R$ 9,6 milhões.
Procuradores ouvidos pela Folha afirmam que a criação de “trusts” para movimentar recursos no exterior é comum em casos de evasão de divisas, ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro.
Alguns países, dizem, passaram a exigir a declaração dos “trusts” e dos chamados “settlors”, como são conhecidas as pessoas que constituem os “trusts” e os administram em nome dos beneficiários.
Em entrevista à Folha, o advogado Marcelo Nobre, que defenderá Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara, disse que o deputado não feriu o decoro parlamentar porque não mentiu ao dizer que não tinha contas no exterior.
“Ele não tem conta corrente em outros países e isso é absolutamente simples de entender. Eduardo Cunha, na verdade, faz parte de um trust, de um fundo, do qual é tão somente beneficiário. Ele não sabe onde esse fundo tem contas, onde aplicam o dinheiro, ele não administra nada.”
O advogado disse que o presidente da Câmara dos Deputados não declarou os recursos porque, “por lei, não é obrigado a isso”. Ele compara a situação de Cunha à de quem tem um fundo de previdência complementar. “A lei não obriga que esse fundo seja declarado”, afirmou Nobre.
URUGUAI
Para os procuradores, chama atenção a versão de Cunha de que não tinha conhecimento da origem de um depósito de 1,3 milhão de francos suíços, realizado em 2011 em uma de suas contas pelo lobista João Augusto Henriques, preso na Lava Jato.
O deputado disse a aliados que descobriu anos depois que o recurso seria o pagamento de um empréstimo de US$ 1 milhão que teria feito ao deputado Fernando Diniz (PMDB-MG), morto em 2009.
Os investigadores acham que a tese de Cunha lembra o empréstimo simulado no Uruguai que o ex-presidente e senador Fernando Collor (PTB-AL) apresentou para explicar a origem do dinheiro que financiava seus gastos em 1992, quando foi afastado do cargo por suspeita de corrupção.
A história surgiu quando Collor tentava escapar do processo de impeachment. Empréstimos bancários também foram apontados no caso do mensalão petista para justificar saques milionários nas contas do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza.