Em São Paulo
O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, publicou na noite desta terça-feira (10) uma mensagem congratulando o Corpo de Fuzileiros Navais americano pelo aniversário de 245 anos. O vídeo que acompanha a publicação relata que o destacamento é o “maior do mundo” e está “sempre de prontidão para responder de forma rápida, seja por terra, ar ou mar”.
A publicação de Chapman surgiu horas depois de o presidente Jair Bolsonaro falar em usar “pólvora” para proteger a Amazônia, em resposta a uma declaração do presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, durante a campanha, sobre a possibilidade da imposição de sanções ao Brasil por causa da destruição da floresta.
Presidente disse que somente a diplomacia pode ser insuficiente para contornar o embate em relação à proteção da Amazônia
O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta terça-feira que somente a diplomacia pode ser insuficiente para contornar o embate em relação à proteção da Amazônia, após se referir indiretamente a declarações do presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, sobre levantar barreiras comerciais contra o Brasil para interromper o que o norte-americano chamou de destruição da floresta.
“Assistimos há pouco aí um grande candidato à chefia de Estado dizer que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele levanta barreiras comerciais contra o Brasil”, disse.
“E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá, não é, Ernesto? (citando o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo). Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, senão, não funciona. Não precisa nem usar pólvora, mas tem que saber que tem. Esse é o mundo. Ninguém tem o que nós temos”, emendou ele, em evento no Palácio do Planalto sobre a retomada do turismo.
Durante debate na campanha presidencial norte-americana, Biden disse que a floresta tropical do Brasil “está sendo destruída” e propôs reunir outros países para garantir 20 bilhões de dólares para a preservação da Amazônia.
“Aqui estão 20 bilhões de dólares. Parem de destruir a floresta e se não pararem, então enfrentarão consequências econômicas significativas”, disse o democrata.
Apesar de Biden ter sido declarado vitorioso nas eleições dos EUA, Bolsonaro ainda não reconheceu a vitória do democrata. Ele é um forte aliado do presidente dos EUA, o republicano Donald Trump, que contesta o resultado sob a alegação –sem apresentar evidências– de que teria havido fraude no processo eleitoral.
No discurso desta terça-feira, Bolsonaro destacou que Brasil tem que se fortalecer. “E como nos fortalecer? Liberando a economia, livre mercado. Dando liberdade para quem quer trabalhar, não enchendo o saco de quem quer produzir”, afirmou.
Bolsonaro criticou novamente o que chamou de “turma xiita ambiental”, que seriam os “baluartes do atraso do Brasil” e que a imprensa adora ao comentar sobre a possibilidade de enviar um projeto ao Congresso Nacional autorizando a exploração comercial da Baía de Angra dos Reis.
O presidente disse que a chance de mudar o país é agora e sugeriu não ser possível aparecer um líder até as eleições de 2022, a não ser que seja na base de muito dinheiro e “comprando um montão de coisa por aí”.
Acabou para Trump. Para a, aparente, alegria do mundo, ou de boa parte dele. Só para ficar em alguns nomes conhecidos: as cantoras Lady Gaga, Beyoncé, Cardi B e a atriz Viola Davis foram algumas das personalidades que comemoraram o adeus à Casa Branca por parte do 45º presidente dos Estados da Unidos, Donald Trump. “Uhu! Filadélfia! América! Povo Negro! Pessoas pretas! Deus abençoe vocês!!!Agora…Vamos lutar por aquele Senado”, escreveu a atriz Viola Davis em sua conta no Instagram. No português claro seria quase um “tchau, querido!”
Resta saber, agora, como é que Donald Trump vai entrar para os anais da história como a figura que esteve à frente da maior potência mundial nos últimos quatro anos. E se é possível chegar a esta resposta, ou pelo menos em parte dela, é graças a força documental da imagem e da fotografia. “A Annateresa Fabris em seu livro, Identidades Visuais, escreve que os fotógrafos substituíram os pintores da corte, pelo menos na Europa”, diz Simonetta Persichetti, crítica de fotografia e professora do curso de jornalismo e do mestrado em comunicação da Faculdade Cásper Líbero.
Uma imagem não vale mais do que mil palavras diferentemente do que diz o ditado, pois são linguagens diferentes. Uma não substitui a outra, mas podem se complementar. Agora, a imagem pode sim e carrega o responsável papel de marcar momentos históricos e ajudar na construção de identidade de figuras notáveis, como é o caso dos políticos.
E não estamos falando de um fenômeno recente. “No século XIX, o presidente norte-americano Abraham Lincoln teve um desenho seu publicado na primeira página do jornal. O desenho havia sido copiado de uma fotografia. Ele chegou a afirmar que não teria sido eleito presidente dos estados unido se não fosse aquele desenho.”, afirma Simonetta. “Mas foi somente no século XX com o início da propaganda política que a fotografia potencializou a imagem como formadora de identidade de um político. As famosas as imagens de Hitler, Mussolini, Lenin, Stalin”, diz.
Com Trump não será diferente. Ele não passará impune pelas lentes da história, literalmente. Uma figura tosca, grosseira e sem empatia, assim pode-se dizer que se desenhou a identidade imagética de Donald Trump. “As imagens retratam Trump como uma figura política truculenta, histriônica, que abusa de um tom mais agressivo para dizer o que pensa. Aliás, agressividade é algo constante nas imagens de Donald Trump”, diz Rodrigo Sanches, doutor em psicologia pela USP e pós-doutarando em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero.
Mas se lá em 2016, essa figura que hostilizava imigrantes, especialmente os Latinos, os negros, a imprensa e a democracia em nome de “fazer a América grande de novo”, mostrou, de alguma forma que a truculência, aversão à informação e à ciência não fizeram “a América grande novamente”. A nação mais rica do mundo empilhou mais mortos por covid-19 do que qualquer outro país embalada pela falta de iniciativa do governo e pelo negacionismo constante por parte de Trump sobre a pandemia. O país que prometeu salvar a economia não salvou nem a economia e nem as vidas. Os EUA de Trump enterraram mais de 238 mil mortos e a economia contraiu no segundo trimestre de 2020 no ritmo mais acentuado desde a Grande Depressão de 1929, com o PIB desabando em 32,9%”. Isso para se ater a apenas um fracasso do governo Trump.
Na prática a imagem do “valentão” que Trump, talvez, tenha acreditado que construiu não se sustentou. “A mesma imagem que hoje derrubou o Trump serviu para elegê-lo em 2016”, afirma Simonetta. Donald Trump não é uma criança birrenta, embora remeta a uma, é um homem de 74 anos que sabe muito bem o que faz. É um sujeito frágil que precisa do grito para ter voz e do medo para ter respeito. Que não aceita ser contrariado ou estar errado e por isso ataca a democracia, a ciência e a informação – porque são estes pilares que o questionam.
Donald Trump já vai tarde e deixa para os Estados Unidos uma herança que ele prometeu na campanha que o elegeu em 2016: um muro. Um muro, porém, dentro dos Estados Unidos e não na fronteira com o México. Trump está fora, mas deixa um país rachado e polarizado. O país continua dividido em duas metades heterogêneas já que um total de 84% das pessoas que se declaram “conservadoras” votaram em Trump e 89% dos “liberais” votaram em Biden.
No fim, o que podemos considerar é que vivemos em tempos políticos baseados na estética da ‘tosquice’. E este não é um fenômeno exclusivo dos Estados Unidos.
Na prática a imagem do “valentão” que Trump, talvez, tenha acreditado que construiu não se sustentou. “A mesma imagem que hoje derrubou o Trump serviu para elegê-lo em 2016”, afirma Simonetta Persichetti, crítica de fotografia e professora da Cásper Líbero.
Donald Trump deixa para os Estados Unidos uma herança que ele prometeu na campanha que o elegeu em 2016: um muro. Um muro, porém, dentro dos Estados Unidos e não na fronteira com o México. Trump vai, mas deixa um país rachado e polarizado.
Donald Trump não é uma criança birrenta, é um homem de 74 anos que sabe muito bem o que faz. É um sujeito frágil que precisa do grito para ter voz e do medo para ter respeito.
Trump não fez a “America great again”. Estados Unidos de Trump bateram recorde de mortes por covid-19. Presidente adotou tom negacionista na gestão da crise trazida pela pandemia.
Nos 244 anos de história dos Estados Unidos, nunca houve um presidente que se recusasse a deixar a Casa Branca depois de perder uma eleição.
A transferência de poder ordenada, legal e pacífica é uma das marcas da democracia americana.
Por isso, o anúncio do presidente Donald Trump de se recusar a aceitar sua derrota contra Joe Biden, gera uma situação tão nova quanto desconcertante na vida do país.
E apresenta a analistas o desafio de considerar cenários anteriormente impensáveis.
‘Longe de ter acabado’
Trump estava jogando golfe fora de Washington quando a vitória eleitoral de Biden foi confirmada em 7 de novembro.
Pouco depois, a campanha do candidato derrotado divulgou um comunicado garantindo que a “eleição está longe do fim”.
“Todos nós sabemos por que Joe Biden está se apressando em se apresentar falsamente como o vencedor e por que seus aliados da mídia estão fazendo o possível para tentar ajudá-lo: eles não querem que a verdade seja conhecida”, disse o comunicado, indicando que Trump continuaria se opondo ao resultado anunciado por meio de ações judiciais, alegando a existência de suposta fraude.
A Constituição dos Estados Unidos é clara, sem sombra de dúvida, ao estabelecer que o atual mandato presidencial termina “ao meio-dia de 20 de janeiro”.
Joe Biden conseguiu vencer em vários Estados que lhe garantiram mais de 270 votos no Colégio Eleitoral. Portanto, ele tem o direito de ocupar a presidência pelos próximos quatro anos.
Donald Trump tem recursos legais e legítimos que ainda pode usar para contestar o resultado da votação.
Mas a menos que haja uma reviravolta dramática nos tribunais daqui em diante e ele possa provar na Justiça a existência de irregularidades na eleição que alega, embora não apresente provas, 20 de janeiro é a data em que o novo presidente é empossado — e em que Trump deve renunciar.
Posição anunciada
Trump foi claro ao longo da campanha atual ao advertir que não aceitaria a derrota.
Ele disse repetidamente que estava determinado a permanecer no comando, independentemente do que dissessem as autoridades eleitorais, indicando que a única hipótese de perder seria se as eleições fossem roubadas.
Portanto, o país começou a discutir o que aconteceria se Trump cumprisse sua ameaça e tentasse se agarrar ao poder pela força.
Uma hipótese até comentada pelo próprio Joe Biden quando era candidato.
Em uma entrevista televisionada em 11 de junho, o comediante Trevor Noah perguntou a Biden se ele havia pensado na possibilidade de um Trump perdedor se recusar a desocupar a residência presidencial.
“Sim, já pensei sobre isso”, respondeu Biden, acrescentando que estava convencido de que, em tal situação, os militares estariam encarregados de impedi-lo de permanecer no cargo e simplesmente o expulsariam da Casa Branca.
Também foi dito que o Serviço Secreto poderia cumprir a tarefa de escoltar Trump para fora da residência presidencial.
Esse órgão civil, encarregado da segurança do presidente, também tem a obrigação legal de proteger todos os ex-presidentes e continuará a acompanhá-lo a partir de 20 de janeiro.
Como a vantagem eleitoral de Biden se tornou evidente e o anúncio de sua vitória parecia iminente, o Serviço Secreto aumentou as medidas de proteção ao presidente eleito, efetivamente começando a dar-lhe um nível de segurança “presidencial”, apesar de Trump não reconhecer a derrota.
Cenário impensável?
Mas, nesse ponto, seria necessário avaliar a lealdade a esse presidente das forças de segurança, assim como fazem os analistas que buscam entender a situação de qualquer país em um momento de instabilidade institucional.
A BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, perguntou a especialistas se era viável para Trump tentar usar as forças de segurança do Estado para permanecer ilegalmente no poder.
“Para um presidente abusar dos poderes da presidência para permanecer no cargo depois de aparentemente perder a eleição, seria difícil e destruiria as normas vitais. Mas não é inconcebível”, diz o professor Dakota Rudesill, especialista em política e legislação de segurança nacional da Ohio State University, nos Estados Unidos.
“Isso prejudicaria muito o país, os princípios importantes das relações civis-militares e as perspectivas globais da democracia”, alerta.
No entanto, ele esclarece que, em sua opinião, o cenário em que Trump poderia se agarrar à presidência com o apoio das forças de segurança é difícil de imaginar.
“Os militares juram fidelidade à Constituição, não ao político atualmente no cargo. E quem é o militar de mais alto escalão no país no momento, o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, disse repetidamente que os militares não terão nenhum papel nesta eleição.”
Rudesill não está sozinho ao fazer esses questionamentos. Keisha Blaine é professora da Universidade de Pittsburgh e especialista em movimentos de protesto social.
“O simples fato de termos que nos perguntar se as Forças Armadas vão intervir nas eleições revela muito sobre o triste estado de coisas em nosso país”, lamenta ela à BBC News Mundo.
Blaine acrescenta que “há quatro anos, a maioria dos americanos não estava se perguntando isso. Mas ter visto Trump enviar agentes federais (durante os recentes distúrbios) a Portland e Washington nos últimos meses, é uma preocupação séria. Não acho este é um cenário provável, mas não podemos descartá-lo como uma possibilidade séria, considerando tudo o que aconteceu este ano.”
De fato, durante os protestos sociais que surgiram com o movimento antirracismo em meados do ano, Trump considerou mobilizar os militares para dispersar as manifestações.
Em 5 de junho, o jornal americano New York Times afirmou que o General Milley “convenceu Trump a não invocar o Insurrection Act de 1807 para mobilizar tropas regulares em todo o país para suprimir os protestos, uma linha que vários oficiais do Exército dos EUA disseram que não vão cruzar, nem mesmo se o presidente ordenar que o façam.”
No final, diante da recusa do Exército regular em se envolver, Trump enviou efetivos da Guarda Nacional, que dependem dos governadores de cada Estado, para conter os protestos.
Membros das forças de segurança não militares que se reportam ao Ministério da Segurança Interna também estiveram envolvidos na contenção dos protestos em Washington, Portland e outras cidades.
Assim, alguns contemplam que, em uma crise decorrente das eleições, Trump poderia ordenar a mobilização de um número de pessoal armado não militar.
No entanto, supondo que as Forças Armadas não se colocariam à disposição do presidente, é difícil imaginar uma ação bem-sucedida de Trump para permanecer no poder nessas condições.
Violência em meio à espera?
Rudesill diz estar preocupado com cenários relacionados.
“Escrevi sobre a possibilidade de que o presidente Trump tente usar uma ordem executiva , ou que o Departamento de Justiça controlado por seus aliados políticos tente emitir uma ‘diretriz’ , indicando que o Poder Executivo deve considerar Trump como o vencedor de uma eleição disputada”, diz o especialista à BBC News Mundo, mas alerta que seria “totalmente inapropriado e inadmissível”.
“Ordenar ao Exército que continue saudando o presidente além do final de seu mandato ao meio-dia de 20 de janeiro colocaria os militares em uma situação impossível”, diz ele.
‘Desordem civil’
Analistas dizem que uma situação em que o candidato derrotado na eleição presidencial se recuse a aceitar o resultado pode levar à “possibilidade de grave desordem civil”.
“Metade do país e muitas pessoas ao redor do mundo pensariam que os militares dos EUA assumiram uma posição partidária. Os militares nunca, nunca deveriam receber essa ordem”, diz Rudesill.
E sem chegar ao caso extremo de uma situação em que a autonomia das Forças Armadas seja posta em jogo diante das disputas partidárias, outros alertam que uma extensão da atual situação política pode gerar violência em outros campos.
Uma situação em que o candidato derrotado nas eleições presidenciais se recusa a aceitar o resultado certamente leva à “possibilidade de grave desordem civil”, diz Keisha Blaine à BBC News Mundo.
A retórica presidencial “aumentou a possibilidade de protestos e até violência”, argumenta.
A situação testemunhada em diferentes cidades americanas nos últimos meses, de manifestantes armados até os dentes expressando seu apoio ao presidente, bem como o aparecimento nas ruas dessas mesmas cidades de grupos de oposição radical, são um lembrete do potencial de violência que traz consigo a atual tensão política nos Estados Unidos.
O procurador-geral dos EUA, William Barr, autorizou, nesta segunda-feira (9), os promotores federais do país a investigarem supostas “irregularidades na apuração de votos” na eleição do país e citou a possibilidade de que o rito investigativo ocorra antes da certificação de alguns resultados.
“Eu os autorizo a prosseguir com alegações substanciais de votação e irregularidades na apuração de votos antes da certificação das eleições em suas jurisdições em certos casos, como já fiz em casos específicos”, escreveu Barr em memorando aos promotores federais e ao FBI.
“Embora as alegações sérias de fraude eleitoral devam ser tratadas com muito cuidado, as alegações ilusórias, especulativas, fantasiosas ou rebuscadas não devem ser uma base para iniciar investigações federais”, ponderou o procurador.
A autorização do procurador-geral aos promotores foi enviada várias horas depois de um encontro entre Barr e o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, que na segunda-feira disse que Trump estava dentro de seus direitos de investigar as acusações de “irregularidades”.
O memorando diz aos promotores que eles podem tomar medidas investigativas, como entrevistar testemunhas durante um período em que normalmente precisariam da permissão da seção de crimes eleitorais.
Barr não forneceu qualquer indicação de que o Departamento de Justiça apresentou evidências para apoiar a alegação de Trump de fraude maciça na eleição da semana passada.
Em seu memorando, Barr observa que, embora “a maioria das alegações de suposta má conduta eleitoral sejam de tal escala que não impactariam o resultado de uma eleição e, portanto, a investigação pode ser adiada apropriadamente, nem sempre é esse o caso”.
A vitória do democrata Joe Biden não significa apenas uma derrota eleitoral para Donald Trump. Ao deixar a Casa Branca, o presidente republicano perderá a imunidade que o cargo lhe confere. Isso significa que, assim que ele deixar o poder, o Departamento de Justiça pode retomar a acusação de possível obstrução de Justiça contra Trump apontada no inquérito especial sobre a interferência russa nas eleições de 2016, ou abrir um inquérito sobre suas deduções fiscais.
A Constituição americana não prevê a imunidade do presidente, mas há uma política de décadas do Departamento de Justiça de que o chefe de Estado não pode virar réu. Essa orientação não impede que investigações sejam abertas, mas ele pode usar o cargo para, por exemplo, não prestar depoimentos ou não apresentar seus dados fiscais — o que Trump já fez em processos anteriores que o envolviam.
O inquérito sobre a interferência russa, conduzido pelo promotor especial Robert Mueller, não obteve provas de que o republicano entrou em conluio com a campanha de desinformação de Moscou, mas detalhou episódios em que ele teria tentado impedir o seguimento da investigação.
Outro caso que poderia ser retomado é o da violação das leis de financiamento eleitoral em sua campanha de 2016. Na época, a equipe de Trump pagou pelo silêncio de duas mulheres que alegavam ter tido relações sexuais com o então candidato. O ex-advogado de Trump, Michael Cohen, se declarou culpado e foi condenado a três anos de prisão. Cohen, porém, disse que seu ex-cliente orientou o pagamento, que não foi declarado como despesa de campanha.
A eventual reabertura desses dois casos ficará a cargo do Departamento de Justiça, o que terá implicações políticas para o futuro governo de Joe Biden, que se elegeu com a promessa de reduzir a polarização no país.
— A decisão de processar um ex-mandatário tem sempre uma conotação política, e, com Trump, Biden vive um impasse — disse Oliver Stuenkel, coordenador da Escola de Relações Internacionais da FGV-SP — Processá-lo vai contra o discurso do democrata de retomar o diálogo, e irá minar a articulação que ele precisará ter com os republicanos no Congresso. Por outro lado, deixar Trump escapar ileso vai gerar uma revolta na ala mais progressista democrata.
No flanco fiscal, a reportagem do New York Times que mostrou que Trump ficou sem pagar imposto de renda em dez dos 15 anos anteriores ao seu governo também pode dar origem a processos criminais. O republicano alegou que teve perdas significativas em seus investimentos e propriedades, o que lhe permitiu pagar apenas US$ 750 de imposto no ano de sua posse, e o mesmo valor no ano seguinte, já na Casa Branca.
Já existe um processo em que o presidente foi chamado a entregar suas movimentações financeiras. A ação corre na Justiça de Nova York e foi aberta inicialmente para investigar o pagamento a Stormy Daniels, uma das mulheres do caso em que Michael Cohen foi condenado. Trump conseguiu enrolar o embate judicial até o momento, levando-o até a Suprema Corte. Porém, com ele fora da Casa Branca, a ação deve ganhar mais força, já que os procuradores terão maior acesso a documentos do presidente e poderão intimá-lo a prestar depoimento.
A imobiliária da família de Trump também é investigada pela Procuradoria Geral de Nova York sob suspeita de ter subvalorizado algumas de suas propriedades para conseguir benefícios fiscais. Ainda que o caso corra em âmbito civil, caso os investigadores encontrem evidências de uma conduta intencional, ele poderia se tornar criminal e envolver Trump.
Fora das disputas judiciais, a situação financeira de Trump também enfrentará desafios. Segundo uma reportagem do Financial Times, o presidente tem cerca de US$ 900 milhões em dívidas imobiliárias que vão vencer nos próximos quatro anos. Ele também deverá pagar mais de US$ 300 milhões de empréstimos que também vencem nos próximos anos, conforme mostrou outra reportagem, do New York Times.
Maior parte dos Estados e condados repete a mesma tendência política de quatro anos atrás, mostrando um nível de polarização que racha o país ao meio
KIKO LLANERAS
Os Estados Unidos continuam sendo um país polarizado. Essa é a mensagem mais clara que percebo destas eleições: depois de uma legislatura excêntrica e em meio a uma pandemia, o país votou quase da mesma forma do que em 2016. Para resolver a disputa entre os candidatos, os Estados estão contando votos há dias, mas este não é o único sinal do super equilíbrio que há entre os candidatos.
Essas eleições serão decididas porque Wisconsin, Michigan e alguns outros territórios vão mudar de mãos, mas os 40 e tantos Estados restantes repetiram o vencedor. Dos 3.000 condados do país, 97% voltaram a votar no mesmo partido.
Muitos grupos votaram da mesma maneira. Trump conquistou o voto dos brancos com 20 pontos acima de Clinton e agora venceu novamente entre eles, por 15, de acordo com as pesquisas. Também tem sido amplamente comentada sua ascensão entre os latinos, que é pequena: de 28% para 32%. O país continua dividido em duas metades impermeáveis. Um total de 84% das pessoas que se declaram “conservadoras” votaram em Trump e 89% dos “liberais”, que na Europa e em outros locais são chamadas de progressistas, votaram em Biden. Ambos os porcentuais cresceram. Existe mais polarização.
As bases azul (democrata) e vermelha (republicana) se mantiveram. Os democratas continuam arrasando entre as minorias raciais, enquanto os republicanos ganham entre a maioria branca. Nas grandes cidades, Biden ganha por dois contra um, enquanto no interior Trump claramente prevalece. Os republicanos dominam entre os cristãos e os democratas, entre os jovens.
Essa divisão partidária influencia ―talvez se aproprie― das ideias das pessoas, polarizando-as artificialmente.É um acaso que os republicanos se preocupem com o crime e os democratas com o coronavírus? Não acredito. A dissociação com a epidemia é absoluta: os democratas acreditam que usar máscara é “uma responsabilidade” e não “uma escolha pessoal”, e que é mais importante conter o vírus do que proteger a economia. Para os republicanos, é o contrário.
Esta divisão tem uma consequência ainda pior: os eleitores de ambos os partidos muitas vezes não gostam um do outro. Um problema crescente nos Estados Unidos é a desconfiança entre essas trincheiras políticas: 96% dos eleitores democratas e 89% dos republicanos disseram que, se seu rival vencesse, “eles sentiriam medo”. Como assinalou o colunista David Brooks, a grande maioria dos norte-americanos acredita que, se o candidato errado ganhar, o país“não se recuperará”. E mais ainda, muitos acham que uma vitória de seu rival mudará completamente os EUA: 82% dos eleitores de Biden dizem que “Trump provavelmente transformará o país em uma ditadura” e 90% dos eleitores de Trump creem que os democratas querem convertê-lo em “um país socialista”.
A rejeição sentimental entre republicanos e democratas vem crescendo há três décadas. É o que se conhece como polarização afetiva, a distância entre a proximidade que você sente pelo seu partido e a (muitas vezes) rejeição que você sente por seu rival. Ela também ocorre em outros países. Na Espanha, se debate hoje se essa tensão está aumentando com a pandemia, embora Luis Miller e Mariano Torcal digam que a polarização já era muito alta entre os espanhóis 20 ou 25 anos atrás.
Na realidade, a polarização dos Estados Unidos pode ser uma singularidade ao contrário. Talvez não seja um país singular porque está muito polarizado agora, mas porque era pouco polarizado no passado. Essa é a tese do jornalista Ezra Klein.
Hoje em dia é inevitável pensar que algo mudou. O melhor exemplo que encontro é o seguinte. Pense primeiro no tuíte de Trump na noite da eleição: pediu aos gritos que interrompessem a apuração que parecia estar perdendo: “Parem a contagem!”. Depois, volte 14 anos para ouvir o discurso do também republicano John McCain em uma noite equivalente em 2008. Ele se dirigiu a seus partidários para reconhecer a vitória de um recém-chegado, Barack Obama, com estas palavras:
“O povo americano falou. E falou claramente. Tive a honra de telefonar para o senador Obama para parabenizá-lo por ter sido eleito o próximo presidente de um país que ambos amamos […] Ele conseguiu isso ao despertar as esperanças de muitos milhões de americanos que um dia pensaram erroneamente que tinham pouco em jogo ou pouca influência na eleição de um presidente americano. É algo que admiro profundamente. Esta é uma eleição histórica e reconheço o significado especial que tem para os afro-americanos. O orgulho especial que deve ser seu nesta noite”.
Kiko Llaneras assina uma newsletter sobre pesquisas e dados no EL PAIS. Conheça aqui todas as newletters oferecidas pelo jornal, em diversos idiomas.
A herança do astro pop Michael Jackson parece inesgotável. Segundo o site The Blast, que publicou informações sobre a quantia que o Rei do Pop deixou aos filhos Paris Jackson, Michael Jr. e Prince Michael e a mãe de Jackson, Katherine, os herdeiros já receberam em onze anos, desde sua morte, algo como 2 bilhões de dólares, ou R$ 11 bilhões.
Ainda segundo o site, a maior parte do valor vem do pagamento de direitos autorais às músicas de Michael, que estão pulverizadas pelo mundo em todos os catálogos de serviços de streaming. Os documentos mostrados pelo The Blast apontam que a divisão igual entre a mãe e os filhos no recebimento desses direitos era um desejo de Michael. Em 2009, ano de morte do astro, a família Jackson estava com dívidas que chegavam aos 500 milhões de dólares (algo como R$ 2,7 bilhões).