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“Pela ritualística, juiz não pode ser exibicionista e canal de fake news”

Por Danilo Vital e Fernanda Valente
Aprovada em 17 de dezembro de 2019 pelo Conselho Nacional de Justiça, a Resolução 305 instituiu parâmetros para o uso de redes sociais por membros da magistratura. Está proibido utilizar logo institucional e deve-se evitar dar opiniões sobre temas que possam levar a sociedade a duvidar da imparcialidade do juiz. O cuidado é redobrado porque 2020 é ano eleitoral. Para o ministro diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), Herman Benjamin, basta analisar a função para chegar às mesmas conclusões.

“O juiz, como parte da ritualística da própria função, não pode ser um exibicionista, não pode colocar a sua privacidade no plano público, porque não é possível separar a figura do juiz ou juíza de sua pessoa privada”, explica o ministro do Superior Tribunal de Justiça, em entrevista para o Anuário da Justiça Brasil 2020, com lançamento previsto para maio.

“Quem quiser ser juiz não pode se manifestar contra ou a favor de partidos políticos. Isso viola o que há de mais sagrado na nossa carreira. E muito menos ser veículo para fake news. As limitações são tanto para manifestações que sejam verdadeiras como para aquelas que sejam fake news. Isto precisa ser muito trabalhado no Brasil”, diz.

Ao assumir o cargo, ainda em setembro de 2018, o ministro colocou o uso das redes sociais como um dos cinco temas estruturantes da magistratura. Mais do que isso, defende que a comunicação social deixe de ser periférica na formação dos juízes. Também é crítico do que define como “dilúvio bíblico de advogados”. “Advogados não: bacharéis em Direito.”

Leia a entrevista: 

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CARNAVAL – De onde vem essa alegria?

Por Iran Padilha*
Pra ser sincero eu não curto carnaval. É bom que se diga que o carnaval é uma festa religiosa, coisa que poucos jovens têm conhecimento. O carnaval é a festa da carne, ou seja, deveríamos comer bastante carne, nos preparando para a quaresma, uma vez que só iríamos comê-la novamente no sábado de aleluia. Como sabemos não existe mais nada disso, o carnaval passou a ser um enorme feriado, onde as pessoas pulam, gritam e escutam músicas de péssima qualidade. Todos os anos escolhem a pior música para servir de trilha musical para os quatro dias de folia. Este ano com certeza irão se superar, depois de lepo-lepo, muriçoca, metralhadora, me deu onda, e Que tiro foi esse?” infernizarão o nosso juízo com qual lixo?

Vale ressaltar que até me esforço pra ser contagiado pela alegria dos foliões. Vou às concentrações onde se encontram as pessoas brincando o carnaval, mas aí a angústia aumenta, quando vejo aquela alegria inconsciente e fico muito mais a analisar o comportamento dos foliões e não consigo entrar nesse ritmo alucinante de inconsciência coletiva.
O carnaval atualmente pode ser comparado a uma droga que nos transporta para outro mundo. Um mundo onde não se pensa, não se analisa, não se justifica, não tem razão de ser. Acredito que toda felicidade ou alegria deva ter um ponto de origem, até porque nada surge do nada. E eu me pergunto de onde vem essa alegria? Essa euforia? Esse esquecimento coletivo dos problemas? Me perdoem, mas não consigo passar quatro dias afastado de mim mesmo, do meu ser consciente que procura a essência em tudo que vê ou participa. Não fiquem zangados com as minhas palavras, o defeito deve ser e com certeza é desse rascunhador de palavras que não consegue sair de si mesmo por tão longo tempo e sem nenhuma justificativa convincente. Quem sabe um dia eu não consiga abandonar essa prisão em que se encontra a minha alma sonhadora e possa, abandonando o meu próprio ser, cair na folia que contagia todos vocês.
*Professor, poeta, escritor e advogado

“Sou radicalmente contra a transmissão das sessões do STF”, diz Sérgio Bermudes

O Escritório de Advocacia Sérgio Bermudes completou 50 anos no ano passado. Seu fundador, Sérgio Bermudes, tornou-se um dos mais influentes advogados brasileiros. Suas relações profissionais e de amizade espraiam-se pelo mundo artístico, da imprensa, da política, da economia e, claro, da Justiça.

Com o passar dos anos, a banca virou parada obrigatória de candidatos ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça e a outras cortes. Ter o apoio de Bermudes tem significado.

Em entrevista concedida à ConJur em 2018, Bermudes falou sobre o ofício do advogado, sua importância para a democracia, citou grandes nomes da profissão e defendeu a imprensa livre.

Também falou sobre o modelo de deliberação da Suprema Corte dos Estados Unidos, comparando-a ao do STF — primeira parte da entrevista, selecionada pela TV ConJur.

Para o advogado, a Suprema Corte daquele país é o melhor modelo de órgão jurisdicional, devido ao modo de comportamento do tribunal.

“São nove juízes e eles não dão entrevistas, não levam a público suas divergências. Ouvem a argumentação em público, mas deliberam em sessão fechada. E dizem as pessoas que conhecem os intestinos da corte que, quando eles se trancam e alguém passa em frente, tem a impressão de que eles estão se engalfinhando até fisicamente, pela quantidade de gritos, de afirmações. Mas, terminada a discussão, cada juiz aperta a mão dos outros, e então eles dão o resultado da deliberação e não há um relator para o acórdão. O presidente, que é o chief justice, designa um dos juízes para redigir o julgamento, a decisão”, narra Bermudes.

Já o Supremo Tribunal Federal, aponta o advogado, extrapola suas funções em certos momentos. A seu ver, a Constituição Federal de 1988 “não deu ao Supremo o poder de fazer justiça em toda e qualquer situação, apenas organizou o Judiciário”.

O advogado também diz ser “radicalmente contra” a transmissão de julgamentos pela televisão. A prática, em sua opinião, estimula o exibicionismo dos magistrados.

Confira abaixo o primeiro trecho da entrevista selecionado pela TV ConJur:

Nota da Câmara de Parnamirim irrita mais o povo de Parnamirim

Lendo com atenção a NOTA emitida pela Câmara Municipal de Parnamirim é fácil chegar à conclusão que a obra orçada em R$ 2.2 milhões é desnecessária e absurdamente cara.

Como gastar 2.2 milhões para ampliar o plenário com 50 cadeiras?  É bom lembrar que o plenário da Câmara Municipal de Natal oferece 180 cadeiras para a população.

Quando a NOTA se refere ao Legislativo forte, entendemos que qualquer instituição  só é considerada forte e admirada pela sociedade na medida que dá exemplos de probidade e zelo pelos recursos públicos.

Não sabemos quem está dando suporte à Câmara Municipal de Parnamirim, mas NOTA como esta, em vez de esclarecer e amenizar revolta da população, termina provocando mais fúria do povo.

Sabemos que o presidente da Câmara, vereador Irani Guedes gosta de ostentar, estupefatos os  parnamirinenses ouviram áudios de WhatsApp dele ostentando dizendo que está “estourado de comer lagostas”, numa revelação de soberba, por causa da ostentadora declaração, ele foi apelidado de “Dom Lagosta”.

Levando em consideração o estilo ostentoso do presidente, dá para constatar que ele quer construir um grande palácio fora da realidade social e econômica de Parnamirim.

Segundo própria NOTA da Câmara, o prédio será ampliado em 792 m2, baseado neste número, sabendo que o valor da obra é de R$ 2.2 milhões, chegamos à conclusão que o preço do m2 é de R$ 2.800,00, consultando construtores especializados em construir prédios de alto padrão em Natal, eles informaram ao Blog do Primo que o custo por m2 é de altíssimo padrão, ou seja, equivalente ao padrão do apartamento do empresário Flávio Rocha dono da Guararapes, Riachuelo e do Midway Mall.

Neste caso vem nossa pergunta: Parnamirim está precisando de palácio, ou de outras obras?

Renato Dantas

NOTA
A Câmara Municipal de Parnamirim vem a público esclarecer sobre a necessidade da Obra de Reforma e Ampliação em execução na casa legislativa.
Para se manter uma instituição forte e em sintonia com os anseios da população, o Poder Legislativo vem trabalhando para a modernização administrativa da Câmara: estruturação permanente; valorização do servidor público (concurso, capacitação, oportunidades); reorganização física e arquitetônica dos espaços e efetivação das condições de trabalho do Poder Legislativo Municipal de Parnamirim/RN. Por isso, a Câmara Municipal apresenta a necessidade de implantação de processos modernos e estrutura física adequada para a realidade da terceira maior cidade do estado do Rio Grande do Norte.
Deve-se, ainda, esclarecer as fragilidades e dificuldades, no tocante ao “layout” do Poder Legislativo, tendo em vista que o plenário não atendia adequadamente à população que participa das discussões e debates em defesa das políticas públicas a favor do município, com relação ao espaço físico e aos dispositivos de acessibilidade. Além disso, setores primordiais para o controle e participação popular, através do atendimento direto à população, ficaram com o acesso prejudicado, tais como: protocolo, ouvidoria e Escola do Legislativo – este último será reestruturado e modernizado, visando à capacitação para melhor atender o público – e com o novo projeto serão a “porta de entrada” da Câmara para a população.
A casa do povo deve ser do povo, para o povo e com o povo. O plenário, local máximo e ímpar do Poder Legislativo, destinado às agendas oficiais, tais como: audiências públicas, sessões ordinárias, extraordinárias, solenes, seminários, reuniões, eventos, mobilizações e atendimentos, local que atualmente dispõe de 111 lugares. Após a intervenção e modernização arquitetônica, serão disponibilizados 194 lugares para a população além de 09 lugares reservados para pessoas com deficiência (assentos acessíveis e adaptados), totalizando 204 lugares, além da ampliação, modernização e construção do pavimento superior (para o público e imprensa). Além disso, a reforma contemplará todas as instalações, inclusive dois gabinetes serão adaptados para contemplar as exigências legais da pessoa com deficiência.
Atualmente, a Câmara de Parnamirim possui 2.029,91 m² de área construída, passando para 2.822,06 m², isto é, 792,15 m² de ampliação de suas dependências, sendo o valor total da obra de R$ 2.194.421,55 (Dois milhões, cento e noventa e quatro mil, quatrocentos e vinte e um reais e cinquenta e cinco centavos), conforme valores descritos no SINAPI (Sistema Nacional de Preços e Índices para a Construção Civil).
Destaca-se, ainda, e esclarecendo à população, que a obra de reforma, ampliação e modernização não contempla somente o plenário, mas sim a forma total e integral de sua estrutura, em 04 etapas, previstas para 01 (um) ano de execução. RESSALTA-SE que a obra encontra-se devidamente licenciada pelos órgãos competentes,através do Alvará de Construção de nº 092/ 2020.
Ressalta-se, ainda, que todos os projetos complementares (especialmente, elétricos, hidráulicos, de drenagem, segurança e incêndio) foram elaborados para o novo dimensionamento da Câmara e serão executados com todo rigor técnico e acompanhamento jurídico e administrativo.
Enfatizando a lisura, transparência, impessoalidade e moralidade do processo, afirma-se que este projeto já havia discutido, sendo incluído, anteriormente ao Plano Plurianual 2017-2021(PPA) e Lei Orçamentária Anual(LOA), passando todos os trâmites pelos rigores legais e éticos, relativos à legislação existente. Sendo os valores, planilhas, diretrizes técnicas e sua execução física, financeira e orçamentária dentro dos rigores da Lei e da ampla concorrência.
A Câmara estabeleceu a Comissão para Acompanhamento e Fiscalização da referida obra através da Portaria de nº01/2020 – DPL, publicada em Diário Oficial, datado em 06 de janeiro de 2020. Informa-se, ainda a população que mesmo com o andamento da obra, as atividades do Legislativo transcorrem sem prejuízos e dentro da normalidade, em especial, as sessões ordinárias realizadas na sala de reuniões da casa legislativa.
A Câmara Municipal de Parnamirim se coloca à disposição de toda população para atendimento, livre esclarecimento e respostas a todas as demandas ou questionamentos pertinentes ao tema, os quais devem ser solicitados de forma direta, presencial e oficial a este Poder Legislativo.
Atenciosamente,
Câmara Municipal de Parnamirim.

Amigos, por Marjorie Madruga

Amigos,

Mudar de ano, às vezes, serve para algumas coisas. E uma delas, talvez a mais importante, é para impulsionar processos reflexivos e renovar esperanças – não de espera, mas de ESPERANÇAR. Diante da vida, devemos nos indagar o que fizemos e, especialmente, o que não fizemos.

Depois de um ano tão terrível no mundo e, especialmente, no Brasil, mais do que nunca precisamos ter ESPERANÇAS e CORAGEM. Coragem para tomar posições. Coragem para ir sempre ao fundo da vida, como diz minha querida Clarice Lispector que em 2020 faria 100 anos. 2020 não será fácil. Exigirá de nosostros firmeza, posições, coragem. Enfim, não podemos ser indiferentes. Indiferentes à fome, à desigualdade social, à destruição da natureza e do patrimônio cultural brasileiro, ao aniquilamento dos povos tradicionais, ao racismo, ao esfacelamento da ciência, à violência, à intolerância, a eliminação das políticas sociais, à mercantilização das nossas cidades – que devem ser lugares de Encontros. Não podemos ser indiferentes ao desamor – sabendo que somos sempre modificados pelo que amamos.

Não podemos olhar a sangria do outro pela janela. Afinal, a indiferença é também fértil e, passiva e potencialmente, cria mundos indesejados. Talvez, os mais cruéis e desumanos.

Viver significa tomar partido. Quem verdadeiramente vive, não pode deixar de posicionar-se. Ser partidário é estar vivo. É ser semente plantando vida, esperança, transformações e futuro. Na vida há os que se expõem, e se arriscam; e os que se defendem, se escondem.

O humanismo, do qual cada dia mais nos afastamos, só pode ser construído, resgatado, com tomada de posição a seu favor, com indignação a tudo que o comprometa, com rejeição a tudo que o aranhe. Jamais será reencontrado com nossa indiferença.

A humanidade só continuará a existir, só terá lugar no amanhã, enquanto a cultura, o conhecimento, a ciência, a criatividade, o amor, a solidariedade, a imaginação, ética, a compaixão e um meio ambiente saudável e equilibrado forem nosso chão e nossa estrela.

Estar ao lado da humanidade é dizer não à indiferença. Eis o que interessa. Que o novo ano nos sacuda da nossa indiferença e, então, poderemos colher flores.

… atrás da curva
Perigosa eu sei que existe
Alguma coisa nova
mais vibrante e menos triste.
(Raul Seixas)
Feliz novo ano para todos !!

Marjorie Madruga

* Advogados e Procuradora do Estado do RN

 

Abuso de Autoridade e o reencontro com o Estado de Direito

Por Gilmar Ferreira Mendes e Victor Oliveira Fernandes

Em 2 de outubro de 2017, o país foi surpreendido com a chocante notícia da morte do então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier, que se suicidara em um shopping de Florianópolis. Dezessete dias antes, Cancellier havia sido afastado da função pública que exercia e preso preventivamente por 30 horas no âmbito de uma operação da Polícia Federal que investigava supostos desvios em cursos de Educação à Distância oferecidos pela universidade.

No dia de sua prisão, a PF veiculou a notícia de que a operação desbaratara um suposto esquema de desvios de mais de R$ 80 milhões. A repercussão foi determinante para a decisão de Cancellier de tirar sua própria vida. Tempos depois, a própria Polícia Federal desmentiu a informação, já que tal valor se referia ao total dos repasses para o programa. Não havia qualquer elemento indiciário que envolvesse Cancellier no inquérito.

Os equívocos só foram admitidos extemporaneamente. Em um bilhete encontrado no bolso do suicida, um recado: “minha morte foi decretada no dia do meu afastamento da universidade”[1].

A família do reitor apresentou representação junto ao Ministério da Justiça para que a divulgação errônea dos fatos fosse apurada. O irmão da vítima narra que, dois meses depois, a Polícia Federal respondeu que a publicação da notícia falsa seria indiferente já que “ninguém lê”[2]. A sindicância aberta contra a delegada responsável pelo caso foi estranhamente arquivada sem qualquer punição[3].

A emblemática história de Cancellier deve ser rememorada na data de hoje (3/1), que marca o início da vigência da nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019). A legislação representa um avanço civilizatório ímpar para o Direito Penal brasileiro, não apenas por ter conferido aprimoramento técnico significativo em relação ao diploma anterior (Lei 4.898/65), mas sobretudo por sacralizar o compromisso de autorreflexão de uma sociedade democrática sobre os limites do sistema punitivo.

A concepção de um regime de responsabilização dos representantes do Estado por excessos funcionais remota à Constituição Republicana de 1891[4]. Textos constitucionais subsequentes conservaram como garantia individual o direito de petição voltado à denúncia de práticas abusivas de agentes públicos[5]. A despeito dessa longa tradição, os atos de abusos de autoridade só vieram a ser criminalizados, curiosamente, durante a Ditadura Militar, com o advento da Lei 4.898 de 9 de dezembro 1965, cuja vigência também vem a termo na presente data.

A legislação revogada deriva do Projeto de Lei 952 de 1956, de autoria do então deputado Bilac Pinto, da União Democrática Nacional de Minas Gerais (UDN-MG), apresentado durante o governo de Juscelino Kubitschek. A justificativa da propositura legislativa não escondia sua intenção de firmar um contraponto à escalada de violência policial ainda no período democrático.

Nas palavras de Bilac Pinto, o objetivo da norma seria “o de complementar a Constituição para que os direitos e garantias nela assegurados deixem de constituir letra morta em numerosíssimos municípios brasileiros”[6]. O texto aprovado no Congresso Nacional foi sancionado pelo presidente Castello Branco com um único veto parcial (modalidade admitida à época) aposto ao artigo 10 da lei, o qual estabelecia a independência entre as ações penais e as ações cíveis reparatórias.

Em muitos pontos, porém, o caráter atécnico da Lei 4.898/65 comprometeu a sua efetividade. As tentativas de definição dos excessos na ação dos agentes públicos insculpidas no diploma careciam de uma taxatividade que conferisse segurança mínima à aplicação da norma penal. A conceituação dos atos de abuso foi remetida a um rol demasiadamente amplo de condutas atentatórias à liberdade de locomoção e a outros direitos individuais descritos nos artigos 3º e 4º. Para além da deficiência legística, as manchas históricas do autoritarismo do regime militar deixaram claro que a lei em questão “não pegou”.

Após o restabelecimento da ordem democrática em 1988, as discussões sobre o regime criminal de abuso de autoridade só vieram a ser reanimadas no final dos anos 2000. Por ocasião do 2º Pacto Republicano firmado entre os representantes dos Poderes da República em 2009, foi posta como meta prioritária da agenda de proteção de direitos humanos “a revisão da legislação relativa ao abuso de autoridade, a fim de incorporar os atuais preceitos constitucionais de proteção e responsabilização administrativa e penal dos agentes e servidores públicos em eventuais violações aos direitos fundamentais”[7].

No âmbito do Comitê Gestor do Pacto Republicano, instituiu-se uma comissão de notáveis dedicada a aprimorar a antiga legislação de abuso de autoridade. O grupo era composto por juristas que foram e são verdadeiros símbolos do comprometimento do Poder Judiciário com os princípios estruturantes do Estado de Direito. A comissão era liderada por ninguém menos que Teori Zavascki, à época ministro do Superior Tribunal de Justiça, figura ímpar da história recente da magistratura brasileira. Integravam ainda o grupo nomes ilustres como Rui Stocco, Vladmir de Passos Freitas, Antônio Umberto de Souza Júnior, Everardo Maciel e Luciano Fuck.

Os resultados dos trabalhos do grupo corporificaram o Projeto de Lei 6.418, de autoria do então Deputado Raul Jungmann, apresentado ao Plenário da Câmara dos Deputados em 11 de novembro de 2009 [8]. A propositura legislativa foi intensamente discutida com integrantes do Ministério da Justiça, juízes, parlamentares, representantes do Ministério Público, auditores fiscais e membros das forças policiais. Trata-se, em essência, de uma fórmula de compromisso institucional que já chegou madura à deliberação do Parlamento.

A legislação de abuso de autoridade que entra em vigência na data de hoje é resultado da aprovação dos Projetos de Lei do Senado 280/2016 e 85/2017. Ambos os projetos incorporaram o texto original do Projeto de Lei 6.418/2009. Ou seja, Lei 13.869/2019 é, no seu DNA, um constructo de juristas como Zavaski, Stocco, Freitas e Maciel. Como cediço, após a aprovação do texto da lei no Congresso Nacional, houve ainda 36 vetos presidenciais, dos quais apenas 18 foram mantidos pelo Parlamento, os quais não desfiguraram o núcleo da proposta pensada no 2º Pacto Republicano.

É indiscutível que nenhuma legislação nasce perfeita, muito menos as que amadurecem em um caminho histórico tão labiríntico. É possível, e mesmo necessário, que alguns dispositivos da lei tenham que ser submetidos a um teste de batimento à luz do texto constitucional. Todavia, a qualidade técnica da proposição aprovada é digna de destaque. A latitude da incidência da norma sujeita qualquer agente público ao seu escrutínio, do Presidente da República ao guarda de trânsito da esquina.

Para além, a ampla conquista de uma nova Lei de Abuso de Autoridade transcende o exame da sua tecnicidade. O ganho democrático da legislação está em reinserir na pauta institucional um debate que nunca deveria ter sido relegado a segundo plano.

Longe de ser uma jabuticaba, diversos países da tradição romano-germânica em democracias consolidadas conservam leis penais efetivas voltadas à coibição de excessos dos agentes públicos. Na França, os artigos 332-4 a 332-9 do Código Penal trazem previsões específicas para o abuso de autoridade, tipificando como crime “ordenar ou praticar arbitrariamente ato prejudicial à liberdade pessoal”.

Na Alemanha, a legislação criminaliza a “violação ou torsão do Direito”, a Rechtsbeugungdo §339 StGB, e ainda o delito de “persecução de inocente”, a Verfolgung Unschuldiger do §344 StGB. Na Espanha, o artigo 446 do Código Penal prevê a punição do “juiz ou magistrado que, intencionalmente, ditar sentença ou resolução injusta”. Este foi, inclusive, o dispositivo que fundamentou a condenação do juiz Espanhol Baltasar Garzón, por violação ao direito de defesa dos réus na ordenação de interceptações telefônicas ilegais.

Se é inegável que toda norma recebe a incontornável marca da sua temporalidade, a Lei 13.869/2019 embalsama-se em uma quadra única da nossa história recente: o momento de reconciliação do sistema punitivo com os pilares essenciais do constitucionalismo democrático. Seja por nos advertir dos profundos riscos do autoritarismo, seja por sagrar a virtude da prudência na realização da justiça, a Lei 13.869/2019 merece ser cunhada de Lei Cancellier-Zavaski.


1https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/10/1923630-reitor-da-ufsc-encontrado-morto-deixou-um-bilhete-no-bolso-da-calca.shtml

2 https://veja.abril.com.br/brasil/ele-se-sentiu-humilhado-e-impotente-diz-irmao-de-reitor-que-se-suicidou/

3https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/02/1954885-assessor-produziu-parecer-para-eximir-delegada-da-pf-em-sindicancia.shtml

4 Art.72 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: § 9º É permittido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos poderes publicos, denunciar abusos das autoridades e promover a responsabilidade dos culpados.

5 Disposições semelhantes se fazem presentes: no art. 113, inciso 10, da Constituição de 1934 e no art. 141, § 37, da Constituição de 1946.

6 Discurso de apresentação do Projeto de Lei nº 952 proferido pelo Deputado Bilac Pinto em10 de janeiro de 1956. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD17JAN1956SUP.pdf#page=3.

7http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Outros/IIpacto.htm.

8https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=713795&filename=PL+6418/2009

 é ministro do Supremo Tribunal Federal, Doutor e Mestre em Direito pela University of Münster (Alemanha). Mestre e Bacharel em Direito (UnB). Docente permanente nos cursos de Graduação, Pós-graduação lato sensu, Mestrado e Doutorado em Direito do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Victor Oliveira Fernandes é assessor de ministro no Supremo Tribunal Federal. Doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Professor de Direito Econômico nos cursos de Graduação e Pós-graduação lato sensu do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Revista Consultor Jurídico

Prisão em segunda instância: como distorcer os números

Por Fabrício de Oliveira Campos/CONJUR

As expectativas sobre a retomada ou não da vigência do inc. LVII do art. 5º da CF, objeto de deliberação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, têm ricocheteado no problema sobre a eficácia do direito fundamental à presunção de não culpabilidade e alcançam também questões de ordem estatística. Afinal, caso o Supremo Tribunal Federal declare novamente como eficaz a presunção de não culpabilidade, proscrevendo novamente a execução provisória da pena a partir do julgamento da causa pelas instâncias ordinárias, quantas pessoas serão soltas?

O estardalhaço que se formou, portanto, sobre o cenário de “prisões abertas” de forma generalizada não se firma em nenhum dado disponível

O Estado de Minas fez um levantamento (em abril de 2018), a partir do Painel do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, do Conselho Nacional de Justiça, alegando que esse número seria de 22 mil presos.[1] O site O Antagonista[2], em postagemrecente, fala em 169 mil, a partir do mesmo banco de dados do CNJ que teria sido acessado pela publicação mineira. O número postado pelo Antagonista não destoa do retratado pela Veja (os mesmos 169 mil), em reportagem publicada em dezembro de 2018.[3]

Temos dois levantamentos considerados “precisos” sobre população carcerária: o primeiro é o banco de dados do Infopen, ligado ao Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, que teve o seu último relatório divulgado em junho de 2017.

O segundo é decorrente de atividade do Conselho Nacional de Justiça, a partir do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, sistema que é alimentado pelos órgãos do poder judiciário em todo o Brasil como instrumento de organização e gestão dos mandados de prisão expedidos por qualquer razão (prisão preventiva, temporária, execução provisória, execução definitiva etc).

Cada forma de “contagem” tem seus percalços. Enquanto o Infopen recebe informações diretamente vinculadas ao que é repassado pelas próprias unidades prisionais (que, em tese, estão contando os presos de forma presencial), o BNMP é um sistema que não tem acesso direto ao preso, mas ao mandado de prisão (cumprido ou não cumprido) alusivo a quem ingressa ou sai do sistema.

O primeiro teria, em tese, a garantia de uma imagem real do cenário; o segundo tem a suposta vantagem da integração informatizada entre documento e estatística.

O primeiro depende da eficácia da contagem em estabelecimentos precários e muitas vezes arruinados e o segundo depende da eficácia do treinamento dado aos funcionários do Poder Judiciário em todo o país, além de fatores como a exata correspondência entre a existência de um mandado cumprido e um ser humano preso pelas exatas razões descritas no mandado.

O primeiro sistema tem uma história e a sua idade trouxe experiência e problemas. O segundo ainda é muito recente e sua implantação ainda vai enfrentar desafios previstos e imprevistos.

Ocorre que, num e noutro, o preso que ingressa no sistema prisional porque foi atingido pela execução provisória causada pelo esgotamento da instância ordinária não é objeto de contagem específica.

A divisão feita nos relatórios do Ministério da Justiça fala em presos provisórios sem condenação e presos sentenciados, sem indicação se a execução da pena é a definitiva ou provisória.

No CNJ, a novidade é a indicação de presos em “execução provisória” da pena, que em 6 de agosto de 2018 (data do encerramento do levantamento, que não contava com números do Rio Grande do Sul) seriam 148 mil.

Ocorre que, mesmo falando em presos condenados em “Execução Provisória”, o universo de pessoas que podem ser atingidas pela eventual alteração do posicionamento do STF precisaria ser definido de forma particularmente precisa. Para que o número correto ou estimado de pessoas sujeitas atingidas com o fim da execução da pena em segunda instância seja definido seria necessário que:

(a) fossem retratados presos fora das hipóteses de prisão preventiva;
(b) contabilizados apenas os presos que não estão cumprindo pena que tenha transitado em julgado e
(c) não consideradas as execuções provisórias de presos que tiveram sua situação convertida para fins de facilitar o acesso aos direitos de progressão, remição etc.

Enfim: a conta teria que ser feita sobre as prisões exclusivamente executadas porque o acusado estava solto até o recurso de apelação e passou a ficar preso porque, mantida a condenação, recorreu ao STJ e/ou ao STF. Não há nenhum levantamento, entretanto, com esse nível de filtragem.

Fora isso, a contagem de presos cumprindo pena em “execução provisória” dá margem a erros.

Muito antes do STF suspender o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado dos recursos aos tribunais superiores, milhares de presos optavam por requerer a expedição de guia de execução provisória para que fossem desde logo garantidos os direitos relativos, por exemplo, à remição de pena pelo trabalho (pois é comum o estabelecimento para presos provisórios não ter condições de assegurar atividades laborais) ou à mudança de regime prisional (situação que ocorre comumente em presos provisórios que passam presos preventivamente tanto tempo que, quando são sentenciados, tem direito à mudança de regime).

Essas peculiaridades compõem um fator de elevada complexidade para a aferição correta do impacto do posicionamento do STF tomado a partir de 2016 e, provavelmente, a fonte do grande alarme produzido sobre o número de presos “que seriam soltos” a partir da eventual mudança de posicionamento do STF se deve ao fato de que as execuções provisórias de pena decorrerem, em sua esmagadora maioria, da conversão, em favor do réu, de prisões preventivas que não eram revogadas quando o processo chegasse na fase de sentença.

Por fim, caso o número apocalíptico de 169 mil pessoas fosse objeto de soltura em caso de mudança na jurisprudência do Supremo, seria de se imaginar que, só em virtude do cenário decisório de 2016, o mesmo número de presos teria ingressado no sistema prisional brasileiro entre fins de 2016 e fins de 2019, algo como um aumento de 56 mil prisões em três anos.

Um implemento dessa monta, só nesse tipo de prisão, representaria um fator de colapso do sistema a um ponto ainda mais insuportável do que o atual. Afinal, segundo estatísticas do próprio Infopen, nem mesmo a explosão de 2014 para 2015 (622 mil presos para 698 mil) chegaria aos pés de um incremento de presos levando em conta todo o tipo de prisão, somada a essa em decorrência do esgotamento dos recursos ordinários.

O estardalhaço que se formou, portanto, sobre o cenário de “prisões abertas” de forma generalizada não se firma em nenhum dado disponível e, assim como outras especulações baseadas no repúdio às liberdades públicas, representa a tentativa de usar a irracionalidade para prestigiar uma política de encarceramento contrária ao projeto democrático plasmado na Constituição de 1988.

Constituição de 1988 criou um Ministério Público empoderado sem controle externo e sem limites jurisdicionais

Texto de Demétrio Magnoli, Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Quanto vale a palavra de Rodrigo Janot? O então procurador-geral entrou armado no STF com a finalidade de matar Gilmar Mendes e, na sequência, tirar sua própria vida. Verdade? Mentira? Delírio de um mitômano? No fundo, pouco importa. O conto deve ser lido alegoricamente, como parábola de uma colisão engendrada há três décadas, na hora em que os constituintes esculpiram o atual Ministério Público.

Nos artigos 127, 128 e 129, a Constituição criou um poder sem controle externo e sem limites jurisdicionais. O MP paira sobre o Estado, não respondendo a nenhum dos três Poderes. Nas suas próprias palavras, opera como “uma espécie de Ouvidoria da sociedade brasileira”, exercendo a “tutela dos interesses públicos, coletivos, sociais e difusos”. Dito de outro modo, o MP não seria uma Ouvidoria da aplicação das leis, mas um tradutor do “interesse geral”.

Ninguém percebeu à época, mas dava-se à luz um Partido, com “P” maiúsculo —isto é, uma entidade política singular, que supostamente representa toda a sociedade e não precisa passar pelo filtro das urnas. O MP tornou-se um recipiente perfeito para gerações de jovens promotores e procuradores engajados na reforma social por meio do sistema de justiça.

Política é a arte de explicitar e solucionar as divergências por vias pacíficas. As divergências que atravessam as sociedades coagulam-se em partidos. Nos sistemas totalitários, elas não desaparecem, emergindo sob a forma pervertida de facções clandestinas no interior do partido único.

O MP, concebido como Partido, fragmenta-se necessariamente em diferentes partidos, que refletem traduções conflitantes do “interesse geral”.

O Ministério Político não é um, mas vários. Pela esquerda, em 1991, surgiu o chamado Ministério Público Democrático (MPD), hoje com mais de 300 associados. Pela direita, em 2018, nasceu o chamado Ministério Público Pró-Sociedade, que organiza seu 2º Congresso Nacional. “Nós dois lemos a Bíblia noite e dia, mas tu lês preto onde eu leio branco” (William Blake). Os dois leem as mesmas leis, mas cada um as interpreta segundo seu programa político particular.

O Janot do conto, pistoleiro suicida, encontra seu lugar no Janot da história. O momento de seu propalado gesto de loucura inscreve-se numa sequência de atos políticos: no 8 de maio de 2017, o procurador-geral pediu a suspeição de Gilmar no caso Eike Batista; no dia 17, vazou o áudio do diálogo explosivo entre Joesley Batista e Michel Temer; no 23, publicou um artigo de denúncia do “estado de putrefação de nosso sistema de representação política”.

Numa “estranha aliança do sublime com o obsceno” (Octavio Paz), o cavaleiro andante da limpeza pública faria a justiça verdadeira com o projétil de uma pistola, eliminando a justiça monstruosa, corrompida, inventada pela Constituição.

A vocação dos partidos é perseguir a conquista do poder. Naquele maio, Janot construía o trampolim de sua candidatura presidencial, fincando-o sobre um pacto profano com Joesley Batista.

A politização do MP atingia um clímax, empurrando seu chefe à guerra aberta com o Executivo e à uma tentativa, no fim frustrada, de submeter a seus desígnios o Congresso e o STF.

Quatro meses depois do pedido de suspeição de Gilmar, um desmoralizado Janot ergueu a bandeira branca e, em gesto de rendição, solicitou a revogação da imunidade de Joesley.

A colisão do Ministério Político com as instituições não desaparece junto com a desgraça do ex-procurador-geral. Hoje, a candidatura presidencial de Sergio Moro concentra o projeto de poder do Partido dos Procuradores. A nossa Operação Mãos Limpas, tão necessária, dissolve-se numa lagoa viscosa de ilegalidades, um pesque-pague para as defesas de corruptos e corruptores.

O conto de Janot, mais que roteiro potencial de um filme, é uma lição política. Vamos estudá-la?

FOLHAPRESS