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Veto do presidente à nova Lei de Abuso de Autoridade é inconstitucional

CONJUR/  Por Lenio Luiz Streck e Juliano Breda

O veto parcial do presidente da República sobre 19 artigos da nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869, de 5.09.2019) acabou por gerar verdadeira descriminalização do abuso de autoridade no sistema jurídico brasileiro, contrariando de modo frontal a vontade do Poder Legislativo e, por isso, o princípio da separação dos poderes.

Explica-se. A lei aprovada estabelecia tipos penais de abuso de autoridade, oferecendo novos contornos à matéria, razão pela qual determinava, em seu artigo 44, a revogação integral da Lei 4.898/65 (lei anterior de abuso de autoridade) e o artigo 350 do Código Penal, que tipificava a conduta de “ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder”, cuja pena cominada era dedetenção, de um mês a um ano.

Essa norma justificava-se na medida em que a nova lei criava, em seu artigo 9º, um tipo penal mais restritivo que o anterior, ao estabelecer o crime de “decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”, com uma sanção distinta e mais grave (detenção, de um a quatro anos, e multa).

Com o veto ao artigo 9º sem o correspondente veto ao artigo 44, o ato presidencial operou, por via transversa, a descriminalização do Código Penal, gerando um efeito jurídico diametralmente oposto – e por isso inconstitucional – à soberana vontade do Parlamento.

O mesmo efeito ocorreu com o veto ao artigo 43 da nova lei, que determinava nova redação à Lei 8.906/1994, criando o tipo penal de violação às prerrogativas profissionais do advogado (Artigo 7º-B Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do artigo 7º desta Lei: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.).

Essa disposição era mais específica e com sanção mais grave à previsão do artigo 3º, i, da Lei nº 4.898/65 (Artigo 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.), também agora revogada pelo artigo 44 da Lei nº 13.869/2019.

Trata-se do que a doutrina de direito constitucional denomina de abuso do poder de veto, como já descrevia Manoel Gonçalves Ferreira Filho “A experiência, porém, indica um outro uso do poder de vetar parcialmente os projetos de lei. Uso que é verdadeiro abuso. A prática constitucional brasileira revela que no período posterior a 1926 os Presidentes da República brasileira souberam transformar o veto parcial em instrumento de legislação, mudaram o seu caráter de ‘faculté d’empêcher’ para ‘faculté de statuer”.[1]

Ou seja, o veto limita-se ao exercício de oposição do Presidente a ato do Poder Legislativo, e não pode estatuir, constituir, criar uma nova regra de direito, sob pena de se converter em um instrumento oblíquo de atividade legiferante do Poder Executivo, como sustentava Nestor Massena: “O veto é convite do Poder Executivo ao Legislativo no sentido de aprimorar a sua produção, apresentando-a sem eiva de não constitucional, de não conveniente; não é, porém, a substituição desse por aquele poder na atribuição, que, se não lhe é privativa, é precípua, de legislar.”[2]

O indevido e inconstitucional veto feito pelo presidente da República é, pois, verdadeira violação àquilo que Ronald Dworkin, em seu O Império do Direito, chama de “integridade na legislação”. Ou seja, um desenvolvimento legislativo normativamente consiste no exercício da legislação. Isso porque a crítica de Dworkin às assim chamadas leis conciliatórias (ou de ocasião), em última análise, visa à garantia do princípio constitucional da igualdade. Nitidamente, o veto, do modo como foi posto, cria uma situação teratológica. Um Frankenstein jurídico.

Por isso, espera-se que a maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado derrube o teratológico veto do presidente da República. Tal como sancionada, em razão desses graves e primários erros técnicos – diga-se, profundamente lamentáveis – , a Lei 13.869/2019 é inconstitucional e, sobretudo, um atentado ao Poder Legislativo brasileiro. E ao Estado de Direito.

Se o Parlamento não conseguir a maioria absoluta (veja-se, há diferença de quórum para a aprovação da lei e para a derrubada de veto), resta ao STF declarar a inconstitucionalidade do veto por abuso de poder e/ou infração à separação de poderes. Trata-se de corrigir um efeito decorrente de grave erro.

No caso, como havia uma “operação casada” feita pelo legislador entre novos tipos (que foram vetados) e tipos a serem revogados (efetivamente revogados por não terem sido vetados), não é desarrazoado sustentar o cabimento de uma interpretação conforme a Constituição (verfassungskonforme Auslegung), no sentido de que os dispositivos revogados continuam válidos, porque o veto ofendeu a proibição de proteção insuficiente de bens jurídicos relevantes (Untermassverbot) – tese que não é estranha ao STF. Afinal, a revogação sem a correspondente tipificação resultante da operação casada deixa um vazio, isto é, deixa desprotegidos bens jurídicos relevantes, o que reclama intervenção da jurisdição constitucional.

A ver, pois.

[1] O veto parcial no Direito Brasileiro. Revista de Direito Público, v.4, n.17, p.33-37, jul./set. 1971.

[2] Veto parcial. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 26, p. 441-443, out. 1951

Lênio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

 é advogado, doutor em Direito pela UFPR.

Crime organizado é responsável pelo desmatamento da Floresta Amazônica’, afirma Raquel Dodge

Foto: Rosinei Coutinho/STF

A procuradora-geral, Raquel Dodge, afirmou, nesta segunda, 2, que o crime organizado é responsável pelo desmatamento da Floresta Amazônica. Segundo ela, informações apuradas pelo Ministério Público Federal revelam ‘indícios da existência de associação entre os grupos que derrubam a mata e os compradores de madeira no exterior, para onde segue grande parte do produto extraído ilegalmente no território nacional’.

As informações foram divulgadas pela Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria.

Segundo a PGR, ‘para reverter o problema, é preciso valorizar o papel do Ministério Público dentro do sistema penal acusatório e investir em mecanismos de cooperação internacional que levem em conta as características de cada tipo de delito, com ações tanto no plano doméstico quanto no internacional’.

As declarações de Raquel foram feitas na solenidade de abertura da reunião de trabalho entre procuradores do Ministério Público Federal representantes da Eurojust (Unidade de Cooperação Jurídica da União Europeia).

O evento ocorre nesta segunda, 2, e na terça, 3, na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.

Ao avaliar o tema do desmatamento no Brasil, Raquel destacou que ‘é preciso enfrentar a questão como fenômeno transnacional’.

“As informações que temos é de uma associação estreita entre quem desmata e quem compra madeira”, afirmou a procuradora-geral. “Entre quem desmata, e põe fogo na mata, e quem usa essa madeira no exterior. [A madeira] não é usada só no território brasileiro. Aliás, é poucas vezes usada no território nacional. Inclusive, porque o porto do escoamento é no Norte do Brasil, não é para dentro do Brasil.”

Segundo ela, o empreendimento de desmatamento é muito oneroso.

“Porque adentrar a floresta, desmatá-la numa primeira fase com uso de mão de obra escrava, carregar aquelas toras, encaminhá-las pelo rio até chegar ao porto, transportá-las de navio até o exterior é obra de uma organização e de um engendramento que não é fruto de coautoria, de uma ação ocasional não planejada”, ressaltou a chefe do Ministério Público Federal.

Raquel ainda reforçou a necessidade da implementação de ações de cooperação entre o Ministério Público brasileiro e autoridades estrangeiras.

Ela defendeu o enfrentamento da corrupção e à lavagem de dinheiro ‘com instrumentos que vedem transferência dissimulada para o exterior, de valores do patrimônio público brasileiro’.

“Inclusive, porque os outros países têm sido santuário do desvio do dinheiro do patrimônio público brasileiro. Se não houver cooperação para que os países europeus não sejam o destino desse dinheiro desviado do nosso patrimônio público, essa corrupção continuará a ser praticada”, asseverou a procuradora.

A procuradora abordou, ainda, os altos índices de violência no País.

Para ela, o crime organizado é responsável por grande parte dos 65 mil homicídios que ocorrem por ano no Brasil.

Muitas dessas mortes são relacionadas ao tráfico internacional e ao tráfico doméstico de drogas.

“O Brasil não é produtor da maioria da droga associada ao tráfico internacional”, observou.

Papel do Ministério Público – Raquel fez defesa veemente do papel do Ministério Público dentro do sistema penal acusatório, que é o adotado no Brasil, e no qual há distinção entre o órgão acusador, a defesa e o juiz imparcial.

Ela criticou o que chamou de ‘amarras impostas’ aos Ministérios Públicos em diversas partes do mundo, disse ser importante o intercâmbio de informações, previsto em leis e necessário para o ajuizamento de denúncias, pedidos de busca e apreensão, e autorizações de interceptações telefônicas que aprofundem a investigação.

“É avanço importantíssimo termos um órgão que acusa, outro que defende, e o juiz que julga”, declarou a procuradora-geral. “E por que o protagonismo do juiz no enfrentamento do crime organizado, sendo que o papel dele é de neutralidade? Ele vai receber a prova das duas partes. É preciso enfatizar a cooperação dentro do sistema de Justiça, mas dando a cada ator, considerando o sistema penal acusatório, o papel de preponderância que tem. E nesse ambiente, o Ministério Público precisa ter o papel destacado que a Constituição e as leis do Brasil lhes confere.

Estadão Conteúdo

Quem não gosta de samba…

Edmo Sinedino

O Ministério Público, atendendo apelo de reclamações de moradores (será que foi isso mesmo?)  e por intermédio da Semurb, brecou o evento mais lúdico, popular, limpo, de paz e beleza que existe na Cidade Alta. Não sei, amigo Rafael Duarte, a quem interessa o fim desse samba. De um lado ou de outro, por burrice, incompetência ou se foi somente por conta dessa avalanche de absurdos que vivemos no país dos Bolsonaros, essa notícia só aumenta esse sentimento de impotência diante de tantos atos dantescos.A não ser que o prefeito e o secretário de cultura tenham sido tomados pelo mal do cinismo, não consigo imaginar que tenha partido deles, e justo na semana que a Secretaria responsável tinha reparado o absurdo de não contemplar esse evento especial no projeto da Prefeitura Natal. Não, Rafa, definitivamente, estou propenso a crer que isso só pode ter sido coisa das “almas sebosas” que ainda vagueiam, infelizes, pelos nossos becos felizes.

Nestes tempos de loucura total, de vilões apocalípticos comandando o nosso país, não duvido que isso tenha sido coisa de bolsominions, de reacionários de uma direita que, agora, sob o governo do repulsivo psicopata, acha que pode tudo. Beleza, pureza, mistura de raças, amor sem amarras, sem preconceito de cor, raça, credo ou sexo, liberdade total, acreditem,  incomoda demais a esses homofóbicos doentios encalacrados em suas janelas morrendo de inveja porque não têm coragem de assumir sexualidades, e viver de maneira plena.

Bem que essas abomináveis criaturas poderiam sair de seus cubículos, onde, enjaulados, destilam o veneno da inveja contra que gosta de escutar o samba de perto, os meninos, e convidados, do grupo cantando Cartola, Paulinho da Viola, Benito, Gonzaguinha, Ataulfo, Noel, Martinho; o som destas músicas lindas  misturadas a sorrisos, declarações de amor e beijos estalados. Se libertem infelizes, venham sentir o cheiro de povo, de massa e fumacê, de bebida misturada com os perfumes das raças de todas as cores que tomam conta desse espaço lindo, pelo menos tomava, todas às quintas-feiras felizes que gelamos com esse  esse anúncio doentio!

Eu sei, eu sei, talvez vocês preferissem barracos, brigas, palavrões, xingamentos, agressões, talvez não incomodassem a vocês as sirenes da Polícia chegando para colocar “ordem” e morte, na coisa. O som incomoda? Mentira. O som atrapalha o sono das crianças? Nunca, muito pelo contrário, embala. Eu sei, eu sei, quase todas as quintas-feiras, por alguns segundos, você adoece ao ver, em coro, o seu mito ser tratado como merece por essa mesma gente feliz. Talvez, não, tenho certeza, esse é o único momento em que a alegria dá lugar, por alguns instantes, ao coro revoltado de uma parcela da população que, ao contrário de vocês, sabem bem o que está acontecendo no Brasil.

Como se não bastasse esse freio, esse balde de água fria na alegria, esse soco inglês na boa música ainda tem o preju econômico de uma cidade falida, de um país falido, tomado por desempregados que tinham neste dia sagrado a certeza do ganha pão do mês, se não, pelo menos o complemento para sobreviver, continuar lutando, acreditando que ainda  vale sim trabalhar. Quantos ambulantes,  empregos informais essa proibição aberração  jogou na lata do lixo sem uma explicação minimamente lógica. Quantos turistas perdemos? E a boa propaganda? E o ressurgimento de um bairro antes morto, será possível que nada disso conta?

Como se apaga uma página de cultura sem que se abra pelo menos uma sindicância, uma visitação para saber até que ponto, e  quem, de verdade, esse barulho está incomodando? Som que, sou testemunha, estou lá todas às quintas, nunca passou das dez horas. Quantas porradas mais vai levar a cultura, a alegria, a democracia nesse lado da América Latina que, definitivamente, voltou a ser “latrina”, curral, depósito de lixo, colônia de rabo arreganhado dos malditos Estados Unidos?

Fonte: Saiba Mais

Leia análise de NeyLopes sobre decisão ministro Dias Toffoli

Por Ney Lopes *

Recentemente, uma liminar concedida pelo Ministro Dias Toffoli, do STF, espantou o país, diante da insistência com que se anunciava nas “redes sociais” o sepultamento da Lava Jato.
Como advogado e curioso de Direito Constitucional (disciplina que ensinei na UFRN) debrucei-me sobre o despacho do Ministro, ao invés de ler apenas o que se especulava.
Infelizmente, o país vive momento de tensões permanentes. Circulam até propostas absurdas de fechamento do STF e do Congresso.
Confunde-se o combate sistemático à corrupção, com a permissão de “porta escancarada”, sem controle da justiça, para esmiuçar e detalhar informações de empresas e pessoas físicas, protegidos nas garantias à intimidade e ao sigilo de dados, asseguradas expressamente no 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal.
Tais direitos são essenciais. Nos Estados Unidos denominam-se “right of privacy” e na França “droit a la priveé e droit a l’intimité”. O Brasil ao regular garantias do Estado de Direito, jamais poderá ser acusado de estar em rota de colisão com a comunidade internacional.
Os “tratados” recomendam o princípio geral do combate a crimes financeiros, porém respeitam a competência e soberania de cada país aprovar as suas próprias leis. Somente “arreganhos autoritários” explicam qualificar a exigência de autorização judicial prévia, como entrave burocrático prejudicial às investigações.
A liminar dada pelo Ministro Dias Tofolli é de natureza jurídica “transitória”. A repercussão nas “redes” foi por envolver o senador Flávio Bolsonaro. A análise deste artigo é impessoal e envolve os aspectos jurídicos e constitucionais da decisão.
Parte-se do pressuposto da existência de “vazio jurídico”, acerca de quais “balizas legais” deverão ser obedecidas, no compartilhamento de dados liberados ao Ministério Público pela Receita Federal, COAF e Banco Central, para fins penais, sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes em geral.
O STF já decidiu que esse “compartilhamento” poderá ocorrer, sem autorização judicial. Todavia, estabeleceu como “limite”, o acesso às operações bancárias, restrito a identificação genérica dos correntistas e valores globais movimentados.
A liminar vedou temporariamente o repasse de informações “detalhadas” sobre depósitos, origem, transferências etc. Não veda o COAF repassar, a título de alerta, informações “genéricas” de supostos ilícitos, a fim de que o MP e a Polícia Federal prossigam nas investigações, pedindo a prévia autorização judicial.
Trocando em miúdos: o STF permitiu, que o sigilo bancário seja quebrado, independente de ordem judicial, para esclarecer, por exemplo, o caso de um cidadão que comprou imóvel por R$ 5 milhões, quando a sua renda é de R$ 500 mil reais.
Não há (nem antes e nem depois da liminar do Ministro Toffoli) nenhuma restrição à competência legal de órgãos como COAF, RF, BC, ou instituições como o MP e a PF.
A controvérsia surgiu pela existência de investigações criminais (PIC) em curso, que iriam além dos limites fixados pelo STF.
Nessa hipótese haveria o risco de nulidades futuras, o que impõe medidas de prevenção para evitar que “notórios marginais” se beneficiem, invocando tais “nulidades”. Aí sim o crime compensaria. É o caso do refrão “melhor prevenir, do que remediar”.
A liminar concedida abrange, portanto, a “suspensão temporária”, apenas de investigações, que extrapolem a identificação genérica de correntistas e valores movimentados, até que o STF reexamine a questão.
Que mal há nisto?
Em relação àquelas já realizadas, em conformidade com a permissão dada na decisão do STF (RE 1055941), serão plenamente mantidas e respeitadas, sem nada beneficiar os réus.
Conclui-se que a liminar do Ministro Toffoli não “trava” o repasse das informações colhidas pelo COAF, que demonstrem “indícios” de crimes financeiros e improbidade administrativa.
Nesses casos, o MP sem delongas, poderá recebê-las e pedir a autorização judicial para prosseguir a investigação. A decisão monocrática, portanto, em nada conspira contra a Lava Jato, nem qualquer outro procedimento investigatório de ilícitos penais.
Apenas, garante o “direito à intimidade e ao sigilo de dados”, até que o STF estabeleça os critérios a serem adotados, em caráter definitivo.
Post scriptum- A matéria exige decisão rápida do STF. Não se justifica aguardar o mês de novembro para entrar em pauta de julgamento. Melhor seria apressar e estancar as especulações.

* Advogado, jornalista, ex-deputado federal, membro aposentado do Ministério Público e ex-presidente do Parlamento Latino Americano

Bolsonaro se suplantou com uma série de erros e declarações chocantes

Por Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

Por onde começar? A fome no Brasil é uma “grande mentira”, a tortura da Miriam Leitão também, o desmatamento idem. E temos “filtro cultural”, o “programa” do FGTS, a multa de 40%, os governadores “paraíba”, “vou beneficiar meu filho, sim”, a embaixada nos EUA como filé mignon e, além da fritura de hambúrguer, a entrega de pizza… Ufa! Sempre muito inspirado, o presidente Jair Bolsonaro se suplantou na semana passada. O Brasil amanheceu no sábado de ressaca.

Segundo o presidente da República, brasileiros passando fome é “uma grande mentira”: “Você não vê gente, mesmo pobre, pelas ruas, com o físico esquelético como se vê em outros países”. Foi tão chocante quanto a defesa do trabalho infantil e, novamente, foi o próprio presidente quem tentou se corrigir mais tarde, admitindo, a contragosto, que “uma pequena parte” da população passa fome.

Ele, porém, não corrigiu os ataques à produção audiovisual no Brasil.

O governo vai parar de financiar “filmes pornográficos”, instituir “filtros” na cultura e enaltecer “heróis nacionais”. Ai, que medo! Bolsonaro vai assumir pessoalmente o controle da produção cultural, trocando o que considera “pornográfico” por seus próprios valores – talvez, quem sabe, por filmes evangélicos… E o que entende como “herói”? Brilhante Ustra, como Pinochet e Stroessner? Do outro lado, estão os “mentirosos”, como a brilhante jornalista Miriam Leitão, torturada aos 19 anos, grávida.

E a mania do presidente de desqualificar as pesquisas dos nossos melhores institutos e fundações? Depois do IBGE, da Fiocruz, do ICMBio, do Ibama, entre outros, é a vez do Inpe, pelos dados do desmatamento: “Parece até que está a serviço de alguma ONG”, acusou, e logo para jornalistas estrangeiros. Lá vem punição! As ONGs, aliás, são outro alvo permanente dos Bolsonaro.

Milhares, ou milhões, se frustraram com o “adiamento” da liberação de contas ativas do FGTS, mas a história é simples.

Bolsonaro achou a ideia bacana (é mesmo) e jogou no ar. Casa Civil, Economia, CEF, empreiteiros, todos levaram um susto. Dessa vez, foi Onyx Lorenzoni o destacado para consertar o erro do presidente e avisar, antes da solenidade dos 200 dias de governo, que não ia ter anúncio nenhum sobre o FGTS.

Liberar os saques é só uma ideia. Para uma ideia virar programa, é preciso fazer contas, traçar metas, porcentuais, cronograma e os detalhes operacionais, além de combinar com os “russos”: o setor de construção, que depende das linhas de financiamento da CEF para casa própria, inclusive o Minha Casa, Minha Vida. Segundo Onyx, o anúncio será na próxima quarta-feira. Será mesmo?

No embalo, o presidente também manteve o desequilíbrio: sempre protege o empregador, coitado, mas desdenha do trabalhador, esse ganancioso. Assim, criticou a multa de 40% do FGTS para as demissões sem justa causa. Em seguida, como quem se flagra falando demais, ressalvou que “a ideia ainda está em estudo”. Desse conserto, Onyx se livrou.

O que dizer das declarações sobre Eduardo Bolsonaro – que, além de fritar hambúrguer, também entregou pizza – para Washington? “Pretendo beneficiar meu filho, sim. Se eu puder dar um filé mignon para meu filho, eu dou.” Alguém precisa ensinar ao presidente uma diferença: qualquer um pode comprar filé para a família, mas um presidente não tem o direito de nomear o próprio filho, e só por ser seu filho, para a mais importante embaixada no mundo. Família é família, Estado é Estado. Elementar, meu caro Watson!

Quanto aos governadores “paraíba”, por favor: ideologia, ideologia; questões institucionais à parte. E mais: toda a solidariedade e admiração ao lindo Nordeste e ao querido, acolhedor e batalhador povo nordestino. Dúvida: o general Augusto Heleno acha mesmo tudo isso normal?

Artigo do professor e advogado potiguar Ivan Maciel

DE JUIZ A HERÓI

Por Ivan Maciel *

Era uma vez um juiz, um magistrado, que não deixava acumular processos, que não retardava audiências, que não protelava despachos e decisões finais. Tanto assim que tinha sempre à mão uma estatística que demonstrava a sua dedicação à atividade jurisdicional. Era conhecido, fora do círculo familiar, por amigos, colegas, profissionais do Direito que funcionavam em casos submetidos à sua jurisdição e pelos alunos do curso universitário em que ensinava. Uma rotina comum, dignificante, sim, mas idêntica à de qualquer outro magistrado de primeira instância do nosso Poder Judiciário. De uma hora para outra, entretanto, haveria uma enorme transformação em sua vida funcional: foi quando passou a julgar os processos em que os réus eram políticos e empresários acusados de envolvimento num grande escândalo de corrupção. A partir daí se iniciou uma fulgurante etapa de sua biografia.

Foi sendo construída pouco a pouco a sua imagem de juiz durão, implacável, de um rigor que o tornava não só admirado como temido. Notabilizou-se pela forma intransigente, inflexível, autoritária, como conduzia a instrução processual. Talvez tenha decretado prisões temporárias e preventivas com extrapolação de seus pressupostos processuais e colhido as confissões de delatores com certo tom inquisitorial. Mas agia sempre em nome da guerra santa contra a corrupção. Bateu recordes de presteza na prolação de sentenças condenatórias, sempre com exacerbação das penas aplicadas.

Tornou-se o terror dos acusados nos escândalos de corrupção que comprometiam figurões da classe política e do mundo empresarial. As investigações e julgamentos desses escândalos (quem não se lembra?!) foram transformados em majestoso espetáculo pelos meios de comunicação. Foi quando se consumou a metamorfose pela qual um magistrado assumiu o midiático status de herói nacional. Quanto mais suas façanhas se multiplicavam e se propagavam, mais se agigantava a sua lendária figura de algoz dos autores de crimes do colarinho branco. A ponto de se consolidar gradativamente uma “liderança” que influenciou as fases investigativa e acusatória dos casos levados a julgamento.

Qualquer medida abusiva, de legalidade duvidosa ou que desbordasse das atribuições judiciais encontraria imediata justificativa na necessidade de extirpar da sociedade brasileira o câncer da corrupção. Esse objetivo se sobrepôs às preocupações com o devido processo legal. A ausência de imparcialidade do julgador passou a constituir detalhe desimportante diante da decantada e enaltecida significação histórica da missão executada pelo juiz-herói. Claro que a trajetória desse justiceiro não poderia ficar restrita ao exercício da magistratura. Acabou premiado com uma vistosa função política.

Agora, surgem revelações que, embora contestadas, evidenciam a sua absurda, flagrante e total falta de isenção, requisito jurídica e moralmente indispensável à validade das decisões judiciais, mesmo que proferidas no cumprimento de uma “tarefa heroica”. Ora, o maquiavelismo aético e amoral é que sustenta que os fins justificam os meios. O princípio da imparcialidade do julgador é pressuposto básico do devido processo legal. E o juiz que não respeita esse princípio desonra o cargo que exerce.

* Advogado, professor universitário, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras, ex-procurador-geral do RN, ex-consultor geral do Estado do RN e escritor.

Ney Lopes: “O RN perde mais uma vez”

Por Ney Lopes

Caso no “Grande Natal” existisse uma “área de livre comércio”, o RN seria a “ponte” econômica do acordo UE-Mercosul

Com a recente criação da área de livre comércio União Europeia (UE) e MERCOSUL, imagine o leitor quantas centenas e milhares de empregos e novas oportunidades teriam sido criadas no Rio Grande do Norte, se acolhida no passado à proposta de instalação da área de livre comércio no “Grande Natal”.

Esse é o local privilegiado e geograficamente estratégico, por ser fronteira aérea e marítima entre os continentes latino americano, europeu e africano, encurtando as distâncias aérea e marítima.

 Luto por isso há mais de vinte anos. Sem desejar ser o dono da verdade, apelei para que a proposta fosse ao menos debatida (prós e contra). Nada aconteceu.

Ao contrário fui gozado por alguns “inteligentes”, ou chamado de sonhador por “doutos” (???). Choro por ti RN! Se essa realidade não mudar, o engraxate baiano que atendia Luís Eduardo Magalhães terá razão, quando afirmava: “não há perigo de melhorar, deputado”.

Agora, contra fatos não há argumentos: o RN perde, mais uma vez.

A realidade salta aos olhos e não pode ser desmentida. Uma área de livre comércio no “Grande Natal” seria usada pela União Europeia e MERCOSUL como “ponte” de acesso à Europa.  Promoveria a interligação econômica e comercial dos estados do norte e nordeste, com as fronteiras da Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia.

Agregaria potencial de mais de 100 milhões de consumidores, integrando esses mercados ao espaço aberto pelo Acordo. E mais: abriria a saída brasileira para o Pacífico e consequentemente a Ásia. Em resumo: mais empregos, circulação de riqueza, divisas e geração de impostos.

O Rio Grande do Norte, mesmo tendo perdido a chance de sediar uma área de livre comércio, terá benefícios com o novo Acordo, através do aumento do turismo e  exportações de frutas (melão, melancia, manga), peixes, crustáceos, etanol e melhorias na produção de nossos queijos e bebidas (cachaça), colocando-os no mercado europeu.

Uma área de livre comércio é vacina contra a corrupção. Os benefícios fiscais são concedidos impessoalmente, à luz do meio dia, sem “influencias”. Somente sobrevivem na competição, os realmente eficientes. Essa é a verdadeira economia de mercado que defendo e não “aquela” do lucro privativo das “patotas” beneficiárias de “benesses”, em que o Estado “paga o pato” e as desigualdades sociais aumentam.

A propósito, a ideia do livre comércio Europa e MERCOSUL sempre encontrou forte resistência dos Presidentes Lula e Dilma, diante da rígida fiscalização estatizante de áreas radicais do PT e o governo Chávez, na Venezuela, criador da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), que debilitou o MERCOSUL.

A abertura econômica agora alcançada, alerta o governo Bolsonaro, de que não se justificam “mudanças” abruptas e impositivas, com “mão única”, a pretexto de combater déficit (caso da reforma previdenciária).

Mudanças sim, porém graduais, com divisão de sacrifícios e soluções criativas, capazes de promover o crescimento econômico socialmente justo, como é exemplo o Acordo UE-MERCOSUL.

Quando presidi o PARLATINO participei dos debates em prol da área de livre comércio América Latina-Europa.

Em julho de 2005 (“Anais do Parlamento Latino Americano”) recebi no Parlatino, em São Paulo, a Sra. Benita Ferrero-Waldner, Comissária de Relações Exteriores da União Europeia e o eurodeputado Joseph Borrel Fontelles, Presidente do Parlamento Europeu. Ambos participaram de uma mesa de debates sobre o tema “Orientar a relação UE/Brasil-Mercosul para os desafios futuros”, que contou com a participação de representantes do empresariado brasileiro.

As conclusões dos debates no Parlatino, enviadas à União Europeia, tornaram claro que a união entre desiguais não implica, forçosamente, em monopólio dos benefícios para os países mais ricos e aprofundamento da dependência dos mais pobres.

Quando se falou na entrada de Portugal no Mercado Comum Europeu, alguns alegaram desequilíbrio socioeconômico. No entanto, a realidade mostra que Portugal evoluiu para estágios de desenvolvimento econômico acentuados, ao invés de uma zona de conflitos crescentes.

O Brasil ganhará com o Acordo, em que pesem as naturais reações de certos setores da economia. Em toda decisão desse tipo torna-se necessário avançar, recuar, perder e ganhar.

 O importante será a nossa inserção neste grande mercado entre continentes, para obter ganhos reais, e ao final o nosso povo erguer, como no Canto Geral de Neruda, “a taça da nova vida, com as velhas dores enterradas“.

OPINIÃO Cobrar tornozeleira de preso é como cobrar corda do enforcado

Por Lenio Luiz Streck e Jorge Bheron Rocha

Resumo: consta que na China cobram da família o custo da bala usada na execução do condenado; pois no Ceará cobrarão a tornozeleira; é como se na Inglaterra do século XIX cobrassem a corda da família do enforcado.

Nesta quarta dia 22 de maio de 2019 foi sancionada pelo Governador do Estado do Ceará norma estadual que tem a finalidade confessada de implantar e regulamentar a cobrança pela cessão e uso da tornozeleira eletrônica, mesmo diante de Parecer da Defensoria Pública estadual alertando para diversos pontos de inconstitucionalidade da lei, veja aqui.

Veja-se que a cobrança se dá “pelo uso oneroso de equipamentos de monitoração eletrônica por preso ou apenado no âmbito do sistema penitenciário estadual” que deve ser “instalado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas contado da comprovação do pagamento”.

A inconstitucionalidade da lei é gritante e aparece em diversas vias.

Primeiro, sua substância não é de direto penitenciário, mas, sim, efetivamente de direito penal e de direito processo pena, uma vez que é inconteste que se relaciona com a restrição da liberdade com fundamento cautelar ou sancionador. O que revela a competência exclusiva da União para legislar sobre o assunto (art. 22, I, CF).

A utilização de monitoramento eletrônico como medida cautelar diversa da prisão está previsto no Código de Processo Penal, especificamente no inciso IX do art. 319, incluído pela Lei nº 12.403, de 2011, que dispõe:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

IX – Monitoração eletrônica.

Como medida ligada à execução da pena, a Monitoração Eletrônica foi introduzida pela Lei nº 12.258, de 2010, que incluiu o art. 146-B na Lei de Execução Penal, que determina:

Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando:

II – autorizar a saída temporária no regime semiaberto;

IV – determinar a prisão domiciliar;

A norma cearense impõe o pagamento pela utilização do monitoramento eletrônico como condição de sua instalação, o que revela índole verdadeiramente penal e processual penal, pois é medida que acresce na restrição da liberdade do investigado/acusado/apenado

Continue lendo OPINIÃO Cobrar tornozeleira de preso é como cobrar corda do enforcado