Em um ato para marcar a passagem dos 27 anos da Constituição brasileira, cerca de 150 índios, quilombolas, marisqueiras e pescadores artesanais ocuparam o plenário 1 da Câmara dos Deputados durante toda a noite de segunda-feira (5) e madrugada de terça-feira, em protesto contra o descumprimento de garantias constitucionais e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera os procedimentos para a demarcação de terras.
Os manifestantes deixaram, no início da manhã, o plenário da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas permaneciam no Congresso.
A ocupação do plenário começou à tarde, logo após sessão da Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS) e da qual participou a vice-procuradora-geral da República, Débora Duprat.
Os índios, representantes de comunidades de pelo menos seis Estados, decidiram permanecer no plenário e exigiam ser recebidos pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
A negociação foi intermediada por Pimenta, que abriu uma audiência pública da comissão para justificar a permanência dos ativistas. Por volta das 22h, Cunha afirmou que a sessão não estava autorizada e, a partir daquele momento, os manifestantes passariam a ser considerados invasores.
O presidente da Câmara se negou a receber representantes do grupo e determinou que as luzes e o ar-condicionado fossem desligados, o que aconteceu por volta das 23h, provocando um breve momento de tensão.
Sem microfone, no calor e no escuro, os indígenas cantavam, tocavam e davam testemunhos de violência e abuso policial em suas comunidades e criticavam o governo por omissão. “São 27 anos de direitos violados e violência contra nosso povo”, disse o líder Voninho Kaiowá, da etnia guarani-kaiowá, do Mato Grosso do Sul, onde há um mês uma liderança indígena foi morta a tiros.
Os discursos foram acompanhados de perto por homens da Polícia Legislativa Federal que posicionaram-se nas saídas do plenário equipados com escudos, capacetes e cassetetes.
Com ajuda de uma lanterna, Pimenta procurava uma tomada para carregar o celular e convocar outros parlamentares. Aos poucos, chegaram o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ), o líder do PT, Sibá Machado (AC), Alessandro Molon (Rede-RJ), Moema Gramacho (PT-BA), Odorico Monteiro (PT-CE), Bohn Gass (PT-RS) e o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
O grupo se reuniu no corredor das comissões e decidiu entrar em contato novamente com Cunha para um novo apelo. Eles optaram ligar de um telefone desconhecido do presidente da Câmara para evitar que a ligação fosse rejeitada. O telefonema ficou então a cargo de Lindbergh, que foi reconhecido e saudado de pronto por Cunha com um “diga, senador”.
Cunha, segundo o senador, ofereceu duas opções: aceitaria receber representantes indígenas ao meio-dia se eles saíssem nesta madrugada ou deixaria eles ficarem até as 7h, mas sem recebê-los. As lideranças indígenas não aceitaram a saída imediata e abriram mão de serem recebidos.
“Ele pensou que cortando a luz vocês iam sair, colocando a tropa de choque vocês iam sair. Ele não sabia que o tiro ia sair pela culatra. É um desgaste maior para ele. A atitude truculenta deles fortaleceu vocês. Vocês podem sair e dizer que duelaram com o presidente Eduardo Cunha, esse que pensa que manda no Brasil, e venceram”, disse Lindbergh.
Resistência
Para espantar o sono, os indígenas, mesmo no escuro, cantaram e dançaram no plenário durante a madrugada. Desde o início da noite, eles aceitaram ficar sem cachimbo depois que a segurança da Casa informou que a fumaça poderia danificar obras de arte na sala. “A gente vai respeitar o patrimônio porque é nosso”, disse um dos líderes do movimento.
Pimenta chegou a sugerir que eles cantassem o Hino Nacional, para ser uma música que “todos” soubessem cantar, já que alguns cantos indígenas não eram de domínio de todos. A sugestão, no entanto, foi prontamente recusada pelos indígenas, que preferiram entoar cantos tradicionais.
Ao longo da madrugada, os deputados se revezaram em vigília para evitar que os manifestantes fossem atacados.