Arquivo diários:09/10/2015
GREVE DA UERN: LÓGICA SINDICAL TRUCULENTA EMPERRA FIM DA PARALISAÇÃO E LEVA A INSTITUIÇÃO PARA O BURACO
por Daniel Menezes
A paralisação das atividades na UERN já passa dos 130 dias. Alguém duvida que o semestre foi condenado? Quem ganhou com isso?
A PERSPECTIVA
O governo ofereceu uma perspectiva. Na verdade, deu um drible na Lei de Responsabilidade Fiscal, para conceder, na forma de abono catalogado como ajuda para compra de material didático, um incremento de 12% sobre os vencimentos dos servidores da UERN.
RAZOABILIDADE DA PROPOSTA
A proposta, bastante razoável, foi negada após reunião liderada pelo sindicato da categoria. Uma contraproposta, já avaliada como incapaz de ser cumprida pelo governo em oportunidade anterior, será novamente posta na mesa – abono também para aposentados, além de incrementos escalonados. Ora, não é possível conceder recursos para aquisição de ferramentas didáticas, para quem já se encontra aposentado, fora da sala de aula. Além disso, o próprio Ministério Público já impediu a previsão de aumento para os anos posteriores. O motivo deveria ser evidente: até 2017 não há luz no final do túnel. A baixa arrecadação continuará pelos próximos dois anos. O acordo assinado hoje não será cumprido amanhã.
É preciso contextualizar o porquê da impossibilidade. O RN teve uma frustração de receita de mais de 6% em 2015, o que significa uma queda de mais de 500 milhões de reais. Aliado a isso, o mesmo governo foi obrigado a cumprir, pela via judicial, incorporações e planos salariais de outras categorias que sinalizaram uma elevação de 16% de gasto com folha. Somos um dos muitos estados da federação que está acima do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal no que tange dispêndio com o funcionalismo público.
Diante de todos esses fatos, é gritante que a proposta foi uma tentativa de não perder o fio do diálogo e fazer com que a instituição volte às suas atividades. Porém, ficou igualmente claro que o dito “movimento” não tem, digamos, vontade de acabar com a greve e resolver a celeuma. O impasse ganhou lógica própria.
A GREVE E A LEGITIMAÇÃO PARALISANTE DOS SINDICALISTAS
É preciso entender que a esta altura do longo campeonato, o que importa aos líderes sindicais não é mais fechar acordo X ou Y. Em seus realismos, eles sabem que nada mais sairá dessa história toda. Querem, agora, garantir suas posições de mando – com todos os benefícios materiais e espirituais -, mantendo suas reputações como aqueles que saíram vencedores da paralisação. Por isso a recusa da proposta do governo.
Os próximos passos serão impulsionados pela tentativa de impor uma proposta ao governo, algo que provavelmente não ocorrerá. Caso não aconteça, esperarão que a justiça decrete, após audiência de conciliação, que a proposta do governo é razoável. Ou ainda se verem obrigados a voltar aos postos de trabalho pelo processo de judicialização já em curso.
Nos três casos a ideia de “derrota” não entrará na ordem do dia e os “banqueiros de homens”, como assim eram chamados os sindicalistas por Pierre Bourdieu, poderão sair de toda essa confusão com suas condições políticas resguardadas.
O grevista comum embarca nessa pela comodidade que a paralisação remunerada representa, além de esperar que tais arroubos tragam resultados positivos para ele. Em sua racionalidade, demonstrada de forma primorosa pelo economista Mancur Olson no livro “Lógica da ação coletiva”, ele consente comodamente de longe, sem pegar em bandeira e terceirizando o debate e a disputa para os banqueiros de homens profissionais da barganha na expectativa de obter também ganhos pessoais (aumentos salariais).
Agora, nessa história toda os alunos são utilizados como bois de piranha, impossibilitados que estão, pelas suas vistas do ponto, de entrar em rota de colisão com aquele que amanhã estará na condição de seu professor. Os alunos ainda são seduzidos pela retórica de que o Estado pode tudo e que o governo deve assegurar os aumentos salariais.
A RETÓRICA DO GOVERNO CONTRA MOSSORÓ
Porém, ainda há uma estratégia curiosa. Como a UERN se concentrou no decorrer da sua história na cidade de Mossoró, os professores tentam propagar a tese de que a não concessão de todos os aumentos salariais solicitados significa que o governo está contra a principal cidade do oeste do RN. A tese por si só é esdrúxula, mas ganha boa circulação na imprensa de Mossoró e entre seus formadores de opinião, professores da instituição ou próximos de algum servidor daquilo que é encarado como o patrimônio daquele município. Uma pressão negativa sobre a imagem da atual administração. Nesse malabarismo retórico, ser crítico da greve acarreta em ser contra a UERN e, de quebra, contra a terra que derrotou lampião. O debate racional se esfacela.
UERN DILACERADA / A NOÇÃO DE PÚBLICO DEMONIZADA: CONSTRUINDO UMA SAÍDA PRIVATISTA
O efeito prático é que o aluno sai prejudicado e a instituição manchada com as paralisações sucessivas. Diante de tal cenário, as famílias com condições financeiras para tanto começam a colocar seus filhos em universidades privadas ou em outras cidades, vozes clamam por uma saída privatista e o esvaziamento da UERN passa a ser uma questão de tempo. Alias, acelerado pelas próximas greves, pois esta nem acabou e já prometem uma, no dizer sindical, maior para o ano que vem.
Foi desse jeito que o SINTE, mas não apenas ele, contribuiu para esvaziar o ensino médio público do RN. Hoje, chegamos a menor taxa de ocupação das escolas públicas estaduais do Rio Grande do Norte da nossa história. Cansados de tanta paralisação e com ganhos salariais, os pais põem seus filhos em precários colégios privados, preservando algum senso de rotina. E o governo se vê obrigado a manter uma estrutura que não é mais aproveitada. Mas não por muito tempo.
Daniel Menezes
Cientista Político, Doutor em Ciências Sociais (UFRN), Professor Substituto da UFRN e diretor do Instituto Seta. Autor do livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. E co-autor do Geografia do Voto em Natal. Email: dmcartapotiguar@gmail.com. Twitter: @danielopotiguar. Facebook: Daniel Menezes. Instagram: @danielopotigua