Dilma e Temer nunca tentaram interferir dessa forma nas investigações, diz ex-PGR Rodrigo Janot

Não dá para fingir que o país não ouviu o que o ministro Moro disse’, afirma Janot. Ex-PGR disse ainda em entrevista à BBC News Brasil que nunca sofreu tentativas de interferência por parte dos antecessores de Bolsonaro como as narradas por Moro
André Shalders – @andreshalders – Da BBC News Brasil em Brasília
Segundo Janot, quem tentou uma vez interferir nas investigações foi Henrique Alves quando no caso de Eduardo Cunha

Os ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) nunca tentaram interferir nas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal da forma como Jair Bolsonaro (sem partido) teria tentado fazer, de acordo com o narrado pelo ex-ministro Sergio Moro.
A fala é do ex-chefe do Ministério Público Federal (MPF), Rodrigo Janot, em entrevista à BBC News Brasil.

Os antecessores de Bolsonaro jamais tentaram obter informações sobre uma apuração em curso – nem com o MPF, nem com a Polícia Federal, disse Janot.

Em seu discurso de despedida, o agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, acusou o presidente da República de querer trocar o comando da Polícia Federal para ter acesso a dados sigilosos de investigações.

“O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele que ele pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência”, disse Moro em seu discurso de despedida. “(…) E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar este tipo de informação”, disse ele.

“O presidente me disse isso expressamente, ele pode ou não confirmar, mas é algo que realmente não entendi apropriado. Então o grande problema não é quem entra (no comando da PF), mas por que alguém entra. E se esse alguém (…) não consegue dizer não pro presidente (da República) a uma proposta dessa espécie, fico na dúvida se vai conseguir dizer não em relação a outros temas”, disse Moro.

A exoneração do agora ex-diretor da Polícia Federal, o delegado Maurício Valeixo, foi o estopim da saída de Moro do governo.

“No transcorrer do meu mandato de quatro anos enquanto PGR (procurador-geral da República), eu jamais fui abordado de forma indevida por quem quer que seja do Poder Executivo. A Polícia Federal, pelo menos a Polícia Federal Judiciária, que exercia sua atividade nos inquéritos judiciais perante o Supremo, jamais sofreu qualquer tipo de interferência. Qualquer tipo de pedidos de informação de quem quer que seja do Executivo”, disse Janot.

“Quanto à questão de Curitiba, ele (Moro) afirma que lá também não houve (interferências). Eu não acompanhei as investigações lá de Curitiba. Os promotores naturais eram os colegas lá de Curitiba. O que eu posso afirmar é que, na minha atuação, naqueles inquéritos judiciais do Supremo (Tribunal Federal), nunca houve a mais mínima interferência do Poder Executivo. Nem junto ao Ministério Público, nem junto à Polícia Federal. E muito menos junto ao Supremo Tribunal Federal”, disse ele.

Em seu discurso de despedida, Moro nominou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e disse que ela nunca pediu informações sobre investigações em andamento.

“Imaginem se durante a própria Lava Jato, o ministro, diretor-geral ou a então presidente Dilma ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento”, disse ele. “O presidente me disse isso expressamente, ele pode ou não confirmar, mas é algo que realmente não entendi apropriado”, afirmou Moro.

“Era uma relação estritamente técnica e profissional, que se desenvolvia em três partes: Ministério Público, Supremo Tribunal Federal e Polícia Federal. E por isso que essas investigações deram tão certo. Eram técnicas, objetivas, eficientes. E sem nenhuma contaminação política, isso eu posso afirmar”, disse Janot à BBC News Brasil, por telefone, na tarde desta sexta (24).

O ex-PGR disse ainda que a interferência política em investigações é algo que põe em risco o próprio Estado Democrático de Direito, e disse ainda que esta não é a primeira vez que Bolsonaro dá mostras de querer interferir em órgãos de controle.

“Não são (no caso das acusações de Sergio Moro) instituições quaisquer. São instituições de controle. Vamos lembrar lá atrás: a gente já teve um tropeção com a história do COAF (em meados de 2019, Bolsonaro trocou o diretor do órgão indicado por Moro); temos os problemas envolvendo a gestão do Ibama”, disse Janot.

“Então, uma hora você precisa juntar todos esses fatos para ver o que realmente significa isso; e até que ponto isso pode levar a um problema que comprometa a democracia (…)”, disse.

“(…) O que é grave é a forma como isso impacta a democracia brasileira. A possibilidade de instituições sérias como a Polícia Federal virem a ser manipuladas… isso é muito grave. É ruim para a democracia brasileira”, disse. “A democracia é preservada a partir do momento em que você resguarda as instituições, e garante o funcionamento isento das instituições”, reflete ele.

Janot ocupou o posto de procurador-geral da República entre 2013 e 2017.

Na quinta-feira (23), a Folha de S.Paulo e outros jornais noticiaram que Moro pedira demissão depois de Bolsonaro comunicar-lhe que havia decidido exonerar Maurício Valeixo. A demissão de Moro, no entanto, não se concretizou ontem

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