Rafael Oliveira
A cena da vala comum, na qual caixões enfileirados lado a lado foram enterrados de uma só vez, lançou os holofotes para
Embora registre 207 mortes oficiais por Covid-19 desde o início da pandemia (81,2% do total de 255 mortes no Amazonas), a capital precisou deste recurso para minimizar o colapso causado pelo novo coronavírus no cemitério Tarumã. Mas a preocupação continua. Com o número de óbitos muito além do que as notificações apontam, a cidade já vê de perto o risco de um desabastecimento de urnas funerárias.
De acordo com a Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos (Semulsp), que administra os cemitérios da cidade, 1.249 sepultamentos foram registrados nas últimas duas semanas, o que resulta numa média 89 a cada dia. Na última semana, os números são ainda mais impressionantes: foram 802 enterros, ou 114,5 a cada 24 horas.
Segundo a prefeitura, a média de sepultamentos antes da pandemia de Covid-19 era de menos de 30 por dia. O crescimento rápido pegou o setor funerário de surpresa. Agora, a preocupação é com o risco de faltarem caixões.
De acordo com o presidente da Associação de Empresas Funerárias do Estado do Amazonas, Manuel Viana, já foram encomendadas 2 mil urnas. No entanto, como não há fábricas na região (apenas uma montadora que consegue fornecer de 15 a 20 unidades por dia), elas são compradas de estados como São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Até chegar ao destino, passam dias percorrendo estradas e rios. A previsão é de que cheguem em junho.
– Com a média atual de mais de 100 óbitos por dia, em menos de um mês chegaremos aos 3 mil. Não temos estoque para isso – afirma Viana. – Não sei se o que temos hoje dá para mais 10 dias.
A esperança está nos céus. Através da associação nacional, o setor funerário do Amazonas pleiteia um avião cargueiro ao governo federal para transferir um estoque de 3 mil caixões o mais rapidamente possível. Caso isso não ocorra, a solução pode ser dramática
– A alternativa vai ser usar contêineres frigoríficos para guardar os corpos à espera dos caixões – admite Viana.
No início da pandemia, a previsão do setor funerário local era de que a média de enterros chegasse à casa dos 50 por dia. No entanto, desde 12 de abril, quando foram registrados 64, esta projeção ficou para trás. Nesta terça, o feriado de Tiradentes foi marcado pelo recorde de sepultamentos na capital amazonense: 136. Na quinta, a marca quase foi repetida: 135. O total desta sexta-feira ainda não foi divulgado.
Dados da Prefeitura de Manaus jogam luz para o tamanho das subnotificações. Dos 391 sepultamentos realizados entre terça e quinta-feira, 105 foram de mortes em domicílio. Ou seja, em mais de um quarto dos óbitos (26,8%) deste período a vítima não recebeu atendimento em hospital.
Outras 105 mortes ocorridas nestes três dias foram por causa deconhecida, indeterminada ou não especificada. E mais 138 (35,3%) foram por síndrome ou insuficiência respiratória, principal sintoma associado ao novo coronavírus. Ou seja: destes 391 óbitos, 243 podem ter sido pela Covid-19.
As explicações para isso são muitas. Como não há testes para todos os que procuram hospitais, a fila de espera faz com que as confirmações saiam com atraso. Não são poucos os casos de pessoas que morrem sem saber o resultado de seu teste. Sem contar os que morrem em casa e que sequer são testados para a Covid-19.
Além disso, há as outras causas que, mesmo longe dos holofotes, continuam gerando vítimas. E, mesmo nestes casos, também há influência da pandemia, já que a falta de leitos ou de profissionais disponíveis torna mais difícil o acesso à rede de saúde.