Como o governo monitora a sua localização durante a pandemia de coronavírus


Lucas Carvalho

Para monitorar a população e medir o nível de respeito ao isolamento social, estados e municípios têm feito parcerias com empresas do setor de tecnologia e comunicação para rastrear smartphones por geolocalização, e, assim, montar mapas de calor que mostram quantas pessoas estão paradas em suas casas e quantas estão em movimento.

O governo do estado de São Paulo, epicentro da covid-19 no Brasil, divulga os dados coletados através Sistema de Monitoramento Inteligente (SIMI-SP). A base de dados é abastecida, em parte, por informações das operadoras de telefonia Vivo, Claro, Oi e TIM. Mas uma outra empresa, menos conhecida, também faz parte do trabalho de coletar dados e monitorar o ir e vir dos brasileiros.

Seu nome é In Loco. Trata-se de uma startup sediada em Recife (PE) que já tem contratos com 15 estados e três prefeituras da federação brasileira para monitorar a quarentena dos cidadãos.

Através do seu Índice de Isolamento Social (IIS), a startup divulga um mapa disponível publicamente online mostrando como anda o respeito às medidas de isolamento social ao redor do Brasil.

Esse rastreamento é diferente daquele proposto por Google e Apple, que vão inserir no sistema operacional dos smartphones Android e iOS (respectivamente) instruções para rastrear o contato de pessoas potencialmente infectadas pela covid-19 através de Bluetooth.

Como a In Loco sabe onde você está

Para ter acesso aos dados de mais de 60 milhões de smartphones em todo o território brasileiro, a In Loco utiliza rastreadores (trackers) instalados em mais de 100 aplicativos. Esses trackers, que podem estar em apps de delivery, varejo ou de bancos, por exemplo, coletam dados da localização do usuário e os encaminham para a startup.

Contudo, a In Loco ressalta que as informações que chegam ao seu banco de dados são anônimas. Ou seja: a empresa sabe onde cada usuário esteve, mas não sabe quem é quem. Ela garante que não coleta informações de identidade, como nome, CPF ou mesmo número de telefone.

É assim que a empresa diz proteger a privacidade dos usuários, mesmo que muitos deles jamais soubessem que estavam sendo monitorados por ela. Por conta dos acordos firmados com seus clientes, a In Loco não revela quais são os aplicativos que ela usa para fazer o rastreamento, mas diz que são alguns dos “maiores varejistas e bancos do Brasil”.

Um dos serviços fornecidos pela In Loco às empresas que utilizam seu tracker é o de segurança. Se alguém fizer uma compra com seu cartão em outra cidade, por exemplo, a In Loco avisa o provedor de crédito que a localização da compra não bate com a localização do usuário, e avisa que a transação pode ser uma fraude.

Para saber onde você está com altíssima precisão, o tracker da In Loco usa sensores do próprio celular, como o GPS, e os cruza com dados de Wi-Fi, Bluetooth e outros.

Os dados são processados em apenas dois locais: no smartphone do usuário e no servidor da In Loco. As informações não passam pela mão do banco ou do varejista, nem pelas mãos do governador ou prefeito que usam a tecnologia da empresa no combate ao coronavírus.

“Existem algumas categorias de lugares sensíveis que a gente não registra visitas, nem mesmo a nível do smartphone, fora dos servidores”, explica Luciano Melo, cientista de dados da startup, citando como exemplo templos religiosos e “entretenimento adulto” – lugares para os quais a In Loco faz “vista grossa”.

Políticas de privacidade

A startup pernambucana não é a única a utilizar essa estratégia, que já se tornou base do mercado de tecnologia e publicidade online. O Google, por exemplo, possui uma série de trackers diferentes usados para rastrear usuários e montar perfis de consumo que serão usados para direcionar propaganda.

O tracker mais utilizado do Google, por exemplo, está instalado em mais de 32 mil aplicativos diferentes em todo o mundo – e possivelmente divide espaço com o da In Loco no seu celular, mesmo que você não saiba.

Apesar disso, privacidade parece ser um assunto importante para a In Loco. Embora não divulgue quais aplicativos usam seu rastreador, ela exige que os apps informem o usuário de que seus dados serão partilhados com a startup. A informação geralmente aparece nos termos de privacidade do app – aqueles que a maioria só clica em “aceitar” sem ler.

Além disso, tanto nas versões mais recentes do Android quanto no iOS, os aplicativos precisam pedir permissão individualmente para acessar o GPS, Wi-Fi e Bluetooth do celular. Se você negar acesso ou desligar esses recursos, nenhum tracker consegue monitorar seus passos.

A In Loco também já obedece a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), prevista para entrar em vigor em agosto de 2020 – embora propostas tramitando no Congresso estejam tentando adiá-la. Quem não quiser ser rastreado, por exemplo, pode simplesmente pedir para ser apagado do seu banco de dados– é o chamado “direito ao esquecimento”.

Os cuidados com a privacidade valem tanto para as empresas parceiras da In Loco quanto para os governos estaduais e municipais com quem a startup celebrou termos de doação e cooperação para o uso de sua tecnologia no monitoramento da quarentena.

Como limpar o smartphone contra o coronavírus

Todo esse cuidado com a LGPD reflete a lição que a startup aprendeu com empresas como a Cambridge Analytica, uma agência de marketing do Reino Unido que coletava dados de usuários do Facebook para abastecer campanhas políticas, mas que foi pega fazendo isso sem consentimento de muitos usuários e sem autorização do próprio Facebook.

A Cambridge Analytica perdeu clientes, foi processada, faliu e sumiu do mapa, enquanto o Facebook teve que se explicar perante o Congresso dos EUA. O escândalo levou a União Europeia a adotar uma lei de proteção de privacidade online que serviu de base para a criação da LGPD no Brasil (além de ter virado filme na Netflix).

A própria In Loco já foi alvo de investigação do Comissão de Proteção de Dados Pessoais do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O inquérito, porém, foi arquivado depois que os procuradores concluíram que o modelo de negócios da empresa respeita princípios básicos de privacidade regidos pela LGPD.

Atualmente, a taxa média de isolamento social no Brasil, segundo os dados da In Loco, está abaixo dos 60%. A medição mais recente, divulgada no último domingo (26), aponta que 59,1% dos brasileiros estão em casa. Autoridades apontam que o ideal seria 70%.

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