A Presidência da República informou, via Lei de Acesso a Informação, não ter encontrado documentos provando que governos estaduais inflaram estatísticas sobre o número de casos e mortes causados pela Covid-19 para uso político. O pedido foi feito pela reportagem do GLOBO após o presidente Jair Bolsonaro dizer, em março, que governos estaduais poderiam estar usando dados da Covid-19 com fins políticos.
Diagnóstico: Confiabilidade dos testes rápidos para diagnosticar Covid-19 é baixa, diz estudo da FiocruzNo dia 27 de março, Jair Bolsonaro, disse, sem apresentar provas, que estados como São Paulo, que haviam imposto medidas de distanciamento social, estavam inflando dados sobre a Covid-19 para fazer uso político.
Tem estado que orientou via decreto que se não tiver causa concreta do óbito, coloque coronavírus, para inflar — disse Bolsonaro em entrevista ao apresentador José Luiz Datena. — Vai ter que ter alguém que morreu esse ano disso daí. Se for todo mundo com coronavírus, é sinal de que tem estado que está fraudando a causa mortis daquela pessoas, querendo fazer um uso político de números.
As acusações feitas por Bolsonaro no final de março acirraram o clima entre ele e os governadores estaduais.
Mariana Schreiber – @marischreiber – Da BBC News Brasil
Poucas horas antes da cerimônia prevista para dar posse a Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal nesta quarta-feira (29/04), o ministro do Superior Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes vetou a nomeação por entender que há indícios suficientes de que o presidente Jair Bolsonaro o escolheu com intuito de intervir em investigações.
A decisão provocou forte reação de apoiadores de Bolsonaro, que acusam o STF de invadir poderes garantidos legalmente ao presidente.
“Nunca se viu tanta interferência em um governo em uma democracia”, criticou a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), uma das mais fiéis defensoras de Bolsonaro no Congresso, ao comentar a decisão de Moraes.
A questão dividiu especialistas ouvidos pela BBC News Brasil. Para o ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, Moraes agiu corretamente ao preservar os princípios da moralidade e impessoalidade da administração pública previstos na Constituição.
Já os professores de Direito Eloísa Machado (FGV) e Rafael Mafei (USP) criticam a escolha de Ramagem para a direção da PF, mas veem problemas legais no caminho adotado pelo ministro do STF para impedir a nomeação.
Ramagem é delegado da Polícia Federal há 15 anos e já atingiu o topo da carreira, a chamada classe especial, que é o único requisito previsto na legislação brasileira para poder ser nomeado diretor da instituição pelo presidente.
No entanto, sua nomeação passou a ser vista como tentativa de Bolsonaro de controlar investigações da PF porque Sergio Moro se demitiu do Ministério da Justiça na semana passada acusando o presidente de estar tentando intervir no órgão.
Amizade com a família
Ramagem se aproximou da família presidencial depois que assumiu a coordenação da segurança de Bolsonaro durante a eleição de 2018. Ele se tornou, assim, amigo de filhos de presidente e, desde janeiro de 2019, ocupa cargos no governo — primeiro foi assessor especial da Secretaria de Governo, quando a pasta era comandada pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz, e depois se tornou diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
A ação pedindo que Ramagem fosse impedido de tomar posse foi apresentada pelo PDT. Ao acolher a solicitação do pedido Moraes ressaltou o risco de que a Polícia Federal fosse utilizada para interesses privados de Bolsonaro e sua família.
“(…) A finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante as nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”, escreveu ele.
O ministro argumento que o próprio Bolsonaro reconheceu que buscava ter acesso a informações da Polícia Federal, citando essa declaração do presidente em pronunciamento na sexta-feira: “Sempre falei para ele: Moro, não tenho informações da Polícia Federal. Eu tenho que todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas vinte e quatro horas, para poder bem decidir o futuro dessa nação'”.
Para Gilson Dipp, ex-ministro do STJ, as acusações de Moro e a proximidade de Ramagem com a família Bolsonaro são suficientes para embasar a decisão de Moraes. Na sua leitura, a nomeação dele para comandar a PF feria o Artigo 37 da Constituição, que prevê que a administração pública deve ser norteada pelos princípios de impessoalidade e moralidade.
O Brasil ultrapassou, nesta semana, a China em número de mortos pelo novo coronavírus. Até esta quarta-feira (29), o país onde a Covid-19 se originou tinha 4.637 óbitos confirmados, enquanto o Brasil já havia superado a casa dos 5 mil, com 5.466 vítimas fatais. Especialistas consultados pelo Yahoo Notícias apontam dois fatores fundamentais para essa dolorosa vantagem: a falta de testagem em massa, e a quebra do isolamento social.
O primeiro ponto destacado por eles é o baixo percentual da população que está sendo testada para a doença no Brasil, em comparação com o que foi feito no país asiático logo no início da epidemia. A avaliação do médico sanitarista Sergio Zanetta é que o Brasil diagnostica somente 20% dos infectados.
O total de infectados no Brasil, segundo o próprio Ministério da Saúde divulgou nesta quarta, é de 78.162 pessoas. “Agora experimente multiplicar esses 20% por 5. Aí teremos um resultado mais fiel dos infectados no Brasil”, completa Zanetta.
A conta proposta pelo médico daria uma estimativa aproximada de 390 mil brasileiros infectados pela Covid-19.
BAIXA ADESÃO AO ISOLAMENTO SOCIAL
A recomendação do infectologista da busca ativa e isolamento vai ao encontro justamente do segundo ponto enumerado por ambos do porquê a Covid-19 matou mais no Brasil do que em seu país de origem: o isolamento socialadotado por lá frente ao praticado aqui.
No dia 23 de janeiro, quando a China tinha somente 630 casos confirmados e 18 mortes, sete mega-cidades foram colocadas em lockdown total pelo governo chinês: Wuhan – o ponto central da doença no mundo -, Huanggang, Zhijiang, Ezhou, Qianjiang, Chibi, e Xiantao. Somadas, as populações das sete cidades alcançam 23 milhões de pessoas. Posteriormente, esse lockdown foi expandido, chegando a abranger 50 milhões de chineses.
A reação imediata da China, segundo Zanetta, foi fundamental e só ocorreu porque o país tem experiências com outras epidemias de vírus respiratórios, como a Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave) em 2002, e a Mers(Síndrome Respiratória do Oriente Médio) em 2012.
“E quando falamos do lockdown de lá não é igual ao isolamento que praticamos aqui. É paralisar tudo e colocar em quarentena todo mundo. O resultado prático dele é que a China é o único país que conseguiu controlar a epidemia com 3 meses, parando em pouco menos de 83 mil casos confirmados”, detalhou o sanitarista Zanetta.
O infectologista Vasconcelos alerta que o que há no Brasil é a recomendação de “ficar em casa” e não um lockdown com sanções previstas pelo governo para quem quebrá-lo.
O indicador, também chamado de R0, mostra para quantas pessoas cada infectado transmite a doença.
Quanto mais alto, maior a velocidade de transmissão, e maior o risco de uma possível sobrecarga no sistema de saúde.
Na semana que começou nesta segunda (26), o R0 do Brasil era 2,81, ou seja, cada infectado transmite a doença para cerca de 3 pessoas, segundo as estimativas do centro de doenças infecciosas da universidade (MRC), um dos mais respeitados do mundo na análise de epidemias.
Em vários países do mundo, governos têm considerado que as restrições de mobilidade só podem ser relaxadas sem risco para o sistema de saúde se o número de reprodução estiver abaixo de 1.
Na Alemanha, considerada uma das nações mais bem-sucedidas no controle da doença, o número de reprodução calculado pelo MRC é 0,8 (com uma variação de 0,65 a 1,14).
Ao lado dos Estados Unidos, o Brasil é um dos 2 únicos países com previsão de mais de 5.000 mortes para a próxima semana, e a tendência é de crescimento nos contágios, segundo o estudo, assinado por 47 pesquisadores.
O instituto estima a tendência de contágio e o número de mortes na próxima semana, para os 48 países que, nesta semana, contabilizavam ao menos cem mortes pelo coronavírus desde o começo da pandemia e no mínimo dez mortes em cada uma das duas semanas anteriores.
Com base nos cálculos, a transmissão do coronavírus está caindo em 4 dos 48 países estudados: Itália, França, Espanha e República Dominicana. Em 23, incluindo Alemanha, Portugal, Bélgica, Colômbia e EUA, está estabilizada.
A tendência é incerta em 12 nações, incluindo a Argentina e a Coreia do Sul, afirma o estudo.
Em relação ao número de mortes projetadas para a próxima semana, Brasil e Estados Unidos estão na categoria “muito alto”, acima de 5.000. Há 10 países na categoria “alto” (de 1.000 a 5.000), e 14 na “relativamente alto” (de 100 a 1.000).
Em 22 países, o estudo aponta um número “relativamente baixo” (menos de 100) de mortes na próxima semana.
Para fazer a projeção de mortes para a semana seguinte, o Imperial College se baseia no número divulgado de mortos, que é considerado mais confiável que o de casos confirmados (nos quais a política de testes pode ter muito impacto).
A precisão das estimativas varia de acordo com a qualidade da coleta e divulgação dos dados em cada país. Naqueles em que há falha na divulgação dos dados, as previsões podem estar subestimadas.
O centro também ressalva que as estimativas de transmissão refletem a situação epidemiológica no momento da infecção dos casos de morte por Covid-19. Ou seja, o impacto de medidas de controle aparece com uma defasagem de cerca de dez dias.
NÚMEROS SUBESTIMADOS
Outro objetivo do estudo é analisar a contabilidade de casos por país. Os números de mortes divulgadas é comparado com o de casos informados pelo país, para verificar se a proporção entre os dois dados obedece ao esperado.
As premissas para essa análise são as de que todas as mortes foram informadas, e de que o intervalo entre a confirmação de um caso e a morte é em média de dez dias (com desvio padrão de 2 dias) e a taxa de mortalidade por caso confirmado é 1,38% (de 1,23% a 1,53%, com intervalo de confiança de 95%).
Com base nesses parâmetros, o MRC calcula que o número confirmado de casos no Brasil é 10,4% da quantidade efetiva, o sexto menor entre os 48 países, à frente da Hungria, com 10,3%, e atrás do Reino Unido, com 10,6%. O México é o país com maior subnotificação de casos: com base no número de mortes relatadas, o número de casos confirmados é 5,8% do total efetivo.
Os países mais precisos no relato do número de casos, de acordo com a análise do Imperial College, são Israel (100% dos casos efetivos reportados) e Arábia Saudita, com 93%.
Até 26 de abril, mais de 2,8 milhões de casos de Covid-19 haviam sido confirmados no mundo, com mais de 190 mil mortos.
Se fosse observada a estrita interpretação da “impessoalidade” exigida pelo ministro Alexandre de Moraes do presidente Jair Bolsonaro, para nomeação do diretor da Polícia Federal, talvez ele próprio não estivesse no Supremo Tribunal Federal (STF). Moraes chegou ao STF por ser auxiliar de confiança e amigo do ex-presidente Michel Temer, além do seu notório saber jurídico. A rigor, é difícil ser entronizado no STF sem elos de amizade, parentesco ou afinidade política com quem o nomeou. A informação é da Coluna Cláudio Humberto, do Diário do Poder.
Moraes foi alvo de suposições injustas de que seu papel seria blindar Temer. Agora, baseado em suposições, anula ato do chefe do Executivo.
Atual presidente do STF, Dias Toffoli foi advogado do PT e auxiliar de confiança de Lula, que o nomeou. Mas nunca os favoreceu.
Lula nomeou para o STF um antigo militante do PT, Carlos Ayres Britto, mas o sergipano o desapontou: nunca usou a toga para mostrar gratidão.
Na história do STF há inúmeros casos de nomeação de ministros em que o princípio da “impessoalidade” foi solenemente ignorado.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciências (SBPC) publicou nesta quarta-feira uma carta ao ministro da Saúde, Nelson Teich, cobrando um plano de ação para o combate à Covid-19. O documento é assinado por Ildeu de Castro Moreira, presidente do grupo.
“Se nada for feito nos próximos dias, os pronunciamentos do Ministério da Saúde se resumirão a informar o número de mortos”, diz a carta.
O texto afirma ainda que o plano deve conter ações emergenciais a serem implementadas o mais rapidamente possível.
Segundo o documento, as diretrizes estipuladas pela Organização Mundial da Saúde, que indicam o isolamento dos casos e o distanciamento social, são as principais ações para conter o aumento do número de vítimas e não sobrecarregar o sistema de saúde.
“Portanto, é fundamental que a população se sinta amparada e possa ouvir uma voz uníssona que reforce essas diretrizes, assumindo uma conduta única, em consonância com o que os cientistas de todo mundo pregam. Ainda não atingimos o pico da epidemia e o número de vítimas fatais continua em ascensão vertiginosa”, avalia o grupo.
Perguntado, na última terça-feira, sobre o volume de mortes no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro respondeu: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. A fala causou indignação em parentes de vítimas.
A SBPC apresntou ainda quatro questionamentos ao ministro da Saúde:
Quantas Unidades de Saúde já foram, estão sendo, ou serão contempladas com o fornecimento de respiradores que permitam salvar a vida dos doentes mais graves de SARS-Cov-2?
Que providências estão sendo tomadas para que haja o aumento expressivo no número de pessoas testadas para que possamos estimar o cenário epidemiológico com mais clareza e precisão?
O compromisso assumido de fornecimento de equipamentos de proteção aos profissionais da saúde que estão na frente do combate à COVID-19, arriscando suas vidas, está sendo cumprido com a urgência necessária?
Há um plano para o uso dos leitos hospitalares de modo integrado? Diversos países fizeram a integração das redes hospitalares públicas e privadas por decisões dos governantes, com ótimos resultados na distribuição e atendimento dos doentes mais graves.
Guedes não citou diretamente nenhum ministro, mas nos bastidores ele travou duros embates com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho
Idiana Tomazelli, Adriana Fernandes e Julia Lindner
BRASÍLIA – O ministro da Economia, Paulo Guedes, comparou o desejo de colegas da Esplanada dos Ministérios de ampliar investimentos públicos para ajudar na retomada econômica a uma tentativa de “bater a carteira” do governo em meio à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.
Guedes não citou diretamente nenhum ministro, mas nos bastidores ele travou duros embates com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, a quem hoje considera um desafeto. A desavença se deu porque Marinho queria aliviar regras fiscais para turbinar investimentos com dinheiro público por meio do Plano Pró-Brasil, programa que prevê ampliação de investimentos públicos em infraestrutura.
“A crise é da saúde. Não pode alguém achar, no momento em que fomos baleados, caímos no chão, tá uma confusão danada e temos que ajudar a saúde, alguém vem correndo, bate a nossa carteira e sai correndo. Isso não vai acontecer”, avisou Guedes em entrevista coletiva no Palácio do Planalto.
Sobre o pedido do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, de ampliar o orçamento do ministério em R$ 30 bilhões até 2023, Guedes disse que é “muito legítimo”.
“Agora, apertar o botão da gastança e sair procurando farra eleitoral é simples. Volta e meia tem um que pensa isso, e o que nós temos que fazer? Bater em quem faz isso. Bater no bom sentido, bater internamente. Brigas internas, nós conosco”, afirmou.
Após receber apoio público do presidente Jair Bolsonaro à condução atual da política econômica, o ministro da Economia ressaltou que o programa do presidente pressupõe manter o Brasil “no trilho”. “O presidente sabe a missão dele, tem noção e conhece o próprio programa. E o programa dele era esse. Nós vamos manter o Brasil no trilho”, disse.
Ele classificou de “oportunismo político”, “irresponsabilidade fiscal” e “imperdoável perante a população” permitir um aumento de gastos abrindo caminho para a farra eleitoral ou o “protagonismo excessivo de um ministro aqui ou ali”.
Guedes afirmou que a retomada da economia “não é repetir erro de governos passados”, citando tentativas feitas por outras gestões de turbinar a atividade por meio de obras públicas. “Cavaram enorme buraco e quebraram o Brasil. Quando nós chegamos, o Brasil estava quebrado exatamente por esse caminho. Então nós não vamos caminhar cavando mais fundo para ver se saímos do buraco. Ninguém consegue sair do buraco cavando mais fundo no próprio buraco”, disse o ministro.
“Que algum ministro queira e pense fazer algo desse tipo é natural, normal, todo mundo quer ajudar. Agora, se isso passa no nosso teste mais amplo é outro assunto”, acrescentou.
Guedes deu entrevista ao lado do ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, que na semana passada apresentou o Plano Pró-Brasil sem nenhum integrante da equipe econômica. O anúncio repercutiu mal no mercado diante das desconfianças de que o governo deixaria de lado o ajuste nas contas e as reformas para ampliar gastos mesmo após a crise.
André Shalders – @andreshalders – Da BBC News Brasil em Brasília
Os órgãos públicos que estão sendo negociados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com as legendas do chamado “centrão” possuem mais de R$ 10,6 bilhões livres para investimentos em 2020.
As autarquias e empresas públicas que estão na mesa de negociações possuem um orçamento total de R$ 68,5 bilhões para 2020. No entanto, a maior parte do dinheiro está comprometida com despesas fixas, como o pagamento de salários de servidores públicos. Restam, livres para investimentos, um total de R$ 10.611.342.802,00. Os dados foram levantados pela BBC News Brasil usando a ferramenta Siga Brasil, do Senado Federal.
O comando de autarquias e empresas públicas como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs ) e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) sempre foi valorizado por políticos: são postos que permitem inaugurar obras e entregar equipamentos com grande apelo eleitoral.
Além de Codevasf, Dnit e Dnocs, o Planalto também estaria negociando com o “centrão” o comando da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Banco do Nordeste.
Este último gerencia os recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE). São R$ 29,3 bilhões adicionais — além dos R$ 10,6 bilhões iniciais — disponíveis para financiar projetos, inclusive de infraestrutura.
Os partidos do centrão também negociam a indicação de secretarias no Ministério da Saúde — especialmente as de Vigilância em Saúde (SVS) e a de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE). Num momento de pandemia do novo coronavírus, a importância destes cargos transcende o orçamento do Ministério da Saúde, que é de R$ 148,2 bilhões em 2020.
As tratativas foram noticiadas por vários veículos de imprensa brasileiros e depois confirmadas pela BBC News Brasil com pessoas dos partidos.
O namoro de Bolsonaro com o “centrão” começou em meados de abril, antes das demissões dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).
A “luz amarela” da necessidade de conversar com o Congresso acendeu-se no Palácio do Planalto depois que os deputados impuseram ao governo uma derrota na votação do plano de ajuda de R$ 90 bilhões aos Estados e municípios, no dia 13 de abril. Na ocasião, a posição governista foi preterida por 431 votos a 70.
Segundo cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, no entanto, a crise política aberta pelas demissões de Mandetta e Moro acentuou a necessidade do governo de ganhar apoio no Congresso. Inclusive para a eventualidade de um processo de impeachment de Bolsonaro, que, todavia, ainda não está em discussão.
Do lado do Planalto, as negociações estão sendo conduzidas pelo ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, o general da Reserva do Exército Luiz Eduardo Ramos. O objetivo é ganhar o apoio de siglas do chamado “centrão”, como o Progressistas (PP), o PL (antigo PR), o Republicanos (antigo PRB) e o PSD. Juntas, apenas estas quatro siglas somam 146 deputados na Câmara — sem contar os demais partidos do grupo.
Ao longo das últimas semanas, Bolsonaro vem recebendo no Palácio do Planalto políticos ligados ao comando destes partidos. Também recebeu os presidentes do MDB, o deputado Baleia Rossi (SP), e do DEM, o prefeito de Salvador (BA), ACM Neto. Estes dois últimos partidos, no entanto, negam estar negociando cargos.
Antes de Bolsonaro, negociações com os mesmos cargos foram conduzidas por todos os governos do período democrático, segundo políticos e especialistas consultados pela reportagem.
No jargão da política, “centrão” é um termo pejorativo usado para referir-se a partidos conservadores sem orientação ideológica clara, que costumam buscar proximidade com o Executivo em troca de cargos e outras benesses. Siglas como PP, PL, PSD, PTB, Republicanos, PSC, Pros, Solidariedade, PEN, PTN e PHS, entre outros, costumam ser enumerados entre os integrantes do grupo — embora os dirigentes dessas legendas geralmente rejeitem a alcunha.
Açudes, estradas e irrigação: o que fazem os órgãos
Dos órgãos que estão sendo negociados por Bolsonaro com o centrão, o que tem o maior orçamento disponível para investimentos é o Dnit — dos R$ 8,4 bilhões no orçamento do órgão em 2020, R$ 6,9 bilhões estão livres para obras.
O órgão tem, por exemplo, R$ 127,3 milhões reservados para obras de reforma e adequação do entroncamento das BRs 116 e 259, próximo à cidade de Governador Valadares (MG); outros R$ 123 milhões para reformas em um trecho de estrada federal entre Porto Alegre e Pelotas (RS); e mais R$ 103,4 milhões para abrir uma estrada entre Ferreira Gomes (AP) e o município mais setentrional do Brasil, Oiapoque (AP).
Em seguida vem o FNDE, com R$ 1,8 bilhão para investimentos em 2020 — de um orçamento total de R$ 53,2 bilhões. Mesmo assim, sobram R$ 220,7 milhões para a compra de ônibus de transporte escolar, por exemplo.
Na Funasa, os recursos são destinados a obras de saneamento básico — são R$ R$ 831,4 milhões para investimentos em 2020.
A Codevasf (R$ 727 milhões disponíveis para investimentos) aplica principalmente em agricultura: tem, por exemplo, R$ 31,1 milhões para gastar em um projeto de irrigação no município de Petrolina (PE).
Enquanto isso, o forte do Dnocs (R$ 265 milhões em investimentos) é a construção de barragens e açudes nas regiões áridas do país, como o nome sugere. São R$ 53,8 bilhões para a construção da barragem intitulada Fronteiras, no rio Poty, no município de Crateús (CE).
Outros R$ 41,2 milhões estão guardados para a obra da barragem de Oiticica, um grande reservatório de água em construção nos municípios de Jucurutu, Jardim de Piranhas e São Fernando, no Rio Grande do Norte.
Um político que está a par das negociações explica que nem sempre as cifras refletem a importância política de cada posto — o valor de cada indicação tem a ver com o tipo de trabalho executado por cada um desses órgãos.
“Por exemplo: R$ 7 bilhões para o Dnit é até pouco, porque a obra de estrada é cara. Mas, para a Codevasf, R$ 700 milhões são muito. É dinheiro para furar poço (artesiano), para comprar equipamentos agrícolas. É muito importante para as comunidades que ela atende”, explica ele.
‘Tradição do clientelismo brasileiro’, diz cientista político
Para o cientista político e professor Bruno Carazza, a troca de cargos por apoio realizada por Jair Bolsonaro representa a continuidade de uma tradição de séculos da política brasileira.
“Tem a ver com aquele conceito tradicional da ciência política, do pork barrel (expressão americana para clientelismo), que é você entregar um resultado direto para o eleitor. São órgãos cujo trabalho aparece para as pessoas. (…) Isso dá visibilidade para o político e garante votos nas próximas eleições”, diz ele.
“Além de permitir uma série de desvios de dinheiro. Porque são obras que não são de grande vulto; são obras pulverizadas, de controle mais difícil. E aí fica mais fácil você favorecer empresas próximas, por meio de licitações realizadas no âmbito local. É uma lógica de (garantir) dinheiro e votos”, diz Carazza, que é autor do livro Dinheiro, eleições e poder: As engrenagens do sistema político brasileiro (2018).
“Isso é coisa do tradicional clientelismo brasileiro. Vem lá de trás, dos coronéis da República Velha, na época da política do café com leite (1898-1930), de você chegar nos eleitores com essas obras. É aquele mecanismo contado pelo Victor Nunes Leal, no livro Coronelismo, Enxada e Voto (1948). Ele retratou naquela época, e continuou”, diz Carazza.
“No período democrático de 1946 a 1964 isso acontecia; na ditadura militar (1964-1985) também. E no regime democrático (de 1985 em diante) também, todos os presidentes fizeram esse movimento. Esses órgãos sempre foram moeda de troca para os ‘centrões’ da época”, relata o cientista político.
O cientista político lembra que o centrão também fez este tipo de barganha com os antecessores de Bolsonaro que estiveram em apuros — como os ex-presidentes Fernando Collor (1990-1992), Dilma Rousseff (2011-2016), e até Michel Temer (2016-2018). “Ele (o centrão) se aproveita da fragilidade da situação, para se fortalecer ainda mais”, diz Carazza.
Na opinião de Carazza, Bolsonaro busca se resguardar contra a “tempestade perfeita” que pode vir na sequência da epidemia do novo coronavírus.
Bolsonaro “está perdendo suporte de uma parte do eleitorado, que garantiu a eleição dele e poderia ajudar na reeleição em 2022. Está perdendo apoio da população mais rica, antipetista, que acabou votando nele (…). E a crise econômica que vem aí é muito forte. E a gente sabe que, numa tempestade perfeita como esta que está se formando, ele acabará ficando na mão do Congresso. Está se lançando para o ‘centrão’ para tentar se garantir”, diz Bruno Carazza.
Para o cientista político Cláudio Couto, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) da FGV, o começo das negociações entre Bolsonaro e o centrão não chega a ser surpreendente.
“O presidencialismo de coalizão não é uma escolha (do presidente). É uma característica institucional do sistema (político). Quer dizer, você não querer montar uma coalizão num sistema com tantos partidos, onde o maior deles não chega a ter 10% da Câmara… numa situação dessas, se você não monta uma coalizão, fica muito difícil (governar)”, diz à BBC News Brasil o cientista político Cláudio Couto.
“Bolsonaro, além de não montar coalizão, conseguiu piorar as coisas ao brigar com o seu antigo partido (PSL) e antagonizar todas as forças dentro do Legislativo. É como se ele chegasse num forró e começasse a dançar punk rock. Não tem como funcionar. Era inviável governar desta maneira”, diz Couto.
“É óbvio que quando você faz uma escolha como essa (de não formar uma coalizão), ela tem consequências. Vai afetar a capacidade de governar. E agora a conta começou a chegar“, diz o analista.
Quem manda em quê
A maioria dos órgãos hoje em negociação já era comandada por indicados dos partidos do centrão — a discussão agora entre Planalto e os partidos gira em torno de mudar o comando dos órgãos ou apenas alterar os ocupantes de secretarias ou cargos específicos.
O FNDE, por exemplo, já esteve nas mãos do PP no ano passado, por meio do ex-presidente Rodrigo Sérgio Dias. Em dezembro, o órgão passou a ser presidido por uma servidora de carreira, concursada, Karine Silva dos Santos.
Agora, se as negociações prosperarem, o órgão deverá será chefiado por Marcelo Lopes da Ponte. Ele é ex-chefe de gabinete do presidente nacional do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), e já trabalha como diretor do FNDE. A tratativa foi descrita por mais de uma fonte à BBC News Brasil.
O Banco do Nordeste, por sua vez, é comandado hoje por Romildo Rolim, indicado pelo ex-presidente do Senado Eunício Oliveira (MDB-CE), hoje sem mandato. Agora, deverá passar às mãos de um indicado do deputado Arthur Lira (PP-AL) — líder do PP e do chamado bloco da maioria na Câmara (formado por partidos de direita e centro em fevereiro passado), e um dos políticos mais próximos de Bolsonaro no centrão.
A Codevasf, por sua vez, é hoje comandada por Marcelo Andrade Moreira Pinto, um gestor indicado pelo antigo líder do Democratas na Câmara, o deputado Elmar Nascimento (BA). O mais provável, segundo políticos ouvidos pela BBC News Brasil, é que ele seja removido para ceder espaço a um indicado de outro partido.
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