Segundo dois interlocutores que assistiram à oitiva, as novas conversas apresentadas são complementares às mensagens de WhatsApp já apresentadas ao Jornal Nacional, em que Bolsonaro sugere preocupação com o inquérito das fake news e em que a deputada Carla Zambeli propõe ao ministro uma vaga no STF em troca de aceitar a troca do comando da PF por um delegado amigo do presidente. Segundo as duas fontes, as prints já conhecidas são mais contundentes do que o material mostrado pelo ministro ao longo de toda a oitiva. Uma das fontes se referiu às novas mensagens como “água”, uma analogia ao fato de não serem tão robustas se comparadas ao que já foi mostrado. Segundo essas fontes, o ex-ministro não apresentou novas situações em que o presidente tenha se valido de seu cargo para investir contra a autonomia da pasta da Justiça.
Moro depôs na sala da superintendência da Polícia Federal de Curitiba. Começou tenso, mas relaxou ao longo das nove horas em que permaneceu no local. Na mesa principal estava a delegada Christiane, chefe do Serviço de Inquérito Especiais do STF, ao centro. Ao seu lado, um escrivão e os delegados Igor Romário de Paula e Maurício Moscardi Grillo, ambos já conhecidos do ex-juiz por terem atuados na Lava-Jato, em Curitiba. Ao lado de Moro sentaram-se três advogados contratados por ele, liderados por Rodrigo Sanchez Rios, que já advogou para o ex-deputado Eduardo Cunha. Acomodados em outras mesas ficaram os procuradores enviados de Brasília, Antonio Morimoto, Hebert Reis Mesquita e João Paulo Lordelo Guimarães Tavares.
Todas as perguntas eram feitas por Christiane e algumas delas eram complementadas pelos procuradores. A sala da superintendência da PF em Curitiba fica de frente para área onde os apoiadores de Luiz Inácio Lula da Silva montaram acampamento para fazer vigília para o petista no período em que ele esteve preso lá. No sábado, esse terreno foi tomado por apoiadores de Bolsonaro. Uma das fontes relatou que, durante todo o depoimento, os apoiadores gritavam palavras de ordem, usando megafone. “Traidor”, “vou te matar”, “vai tomar facada” eram algumas das ameaças entoadas, que deixaram todos na sala preocupados. Moro também externou preocupação com essa reação, mas nenhum agente foi deslocado ao protesto para interrogar os manifestantes.
Moro detalhou diálogos ocorridos no gabinete presidencial em que Bolsonaro o teria pressionado para que o então diretor da PF, Maurício Valeixo, fosse exonerado, e para ter acesso a relatórios produzidos pela corporação. Essas conversas não tinham testemunhas e não foram gravadas pelo ministro. Segundo o jornal O Globo, Moro também relatou uma reunião ministerial em que o presidente teria ameaçado demiti-lo caso ele não trocasse a direção da PF. Ela foi gravada em vídeo pelo Palácio do Planalto, segundo o ex-ministro.
Apesar da existência de um vídeo e das novas mensagens apresentadas pelo ex-ministro, uma das fontes ouvidas pela reportagem avaliou que tais provas, até o momento, terminam por corroborar apenas o que já foi dito pelo próprio presidente no pronunciamento feito logo após a demissão de Moro: que ele queria, sim, alguém de sua confiança na chefia da PF. Foram entregues mensagens trocadas durante os últimos 15 dias, já que o ministro tem por hábito apagar tudo de seu celular desde que foi hackeado, no ano passado. Técnicos da PF espelharam o aparelho do ministro na intenção de obter dados deletados.
De acordo com um policial, o depoimento de Moro foi longo em razão da dificuldade técnica em recuperar mensagens e também porque a oitiva não foi filmada, o que obrigou a Polícia Federal a transcrever em tempo real tudo o que era falado na sala. “Se estivéssemos filmando, esse depoimento teria uma hora e meia”, avaliou um dos presentes.
Apesar de ter levado advogados, Moro não os consultou em nenhum momento e seus defensores também não fizeram qualquer tipo de interferência. O ex-juiz deixou claro que só lançou mão da defesa particular depois das declarações do procurador-geral da República, Augusto Aras, em que ele pedia que fossem apurados possíveis crimes de calúnia e difamação cometidos pelo ex-juiz.