A possibilidade cogitada pelo governo de João Doria (PSDB) de adiar a aplicação da segunda dose da vacina Coronavac em um intervalo superior a 28 dias é uma decisão tomada no escuro, segundo especialistas, já que não há dados que demonstrem o quanto uma única dose é capaz de gerar resposta imune. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda que o intervalo continue sendo seguido, já que a aprovação do uso emergencial da Coronavac está baseada nos dados dos estudos apresentados – que falam sobre a aplicação da segunda dose em um período de duas a quatro semanas.
Se aprovada, a medida faria com que todo o efetivo de doses de vacina do Instituto Butantan disponível no País pudesse ser aplicado. Os cientistas do governo do Estado defendem que, assim, seria possível ampliar a base de profissionais da saúde a receber a primeira dose do imunizante. Por enquanto, a recomendação atual é que apenas metade das doses seja aplicada, uma vez que 50% do estoque tem de ser reservado para a aplicação da segunda dose.
Em resumo, o cálculo que está sendo feito é: para controlar a pandemia, é melhor haver mais gente vacinada com apenas uma dose (parcialmente cobertas) ou menos gente vacinada, só que com a cobertura total? Segundo especialistas, trata-se mais de uma estratégia administrativa, por causa da falta de vacinas, do que por uma estratégia de saúde.
A competência sobre organização dos programas de vacinação, grupos prioritários e estratégias de vacinação é do Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde. A reportagem questionou a pasta sobre a intenção do governo estadual, mas o ministério não respondeu especificamente sobre o assunto.
“Nesse primeiro ciclo de aplicação, serão contemplados profissionais de saúde, idosos acima de 60 anos institucionalizados, portadores de deficiência com mais de 18 anos institucionalizados e indígenas aldeados. A campanha e os grupos contemplados serão escalonados de acordo com a disponibilidade de doses da vacina contra a Covid-19”, disse por meio de nota.
Eficácia
A taxa de eficácia geral da vacina produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac é de 50,38% após as duas aplicações. “A gente não sabe a eficácia de uma dose só; não é uma conta de padaria. Estamos arriscando. Pode ser que a eficácia da primeira dose chegue a 40%, mas também pode ser de 30%”, explicou Natalia Pasternak, doutora em microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC).
Dado o histórico de outras vacinas que, assim como a Coronavac, também são formuladas a partir do vírus inativado, seria, sim, possível adiar a aplicação da segunda dose sem que a primeira dose se perdesse, pois “o sistema imunológico tem uma premissa: dose dada é dose computada”, explicou Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Mas ela concorda que o problema consiste em não se saber exatamente a eficácia de apenas uma dose.
Oxford/ AstraZeneca
No fim do ano passado, o Reino Unido aumentou para 12 semanas o intervalo original de 21 dias entre as duas aplicações das vacinas desenvolvidas pela Pfizer/BioNTech e pela Universidade de Oxford/Astrazeneca contra a covid-19. O objetivo era aumentar o número de pessoas imunizadas e frear a transmissão da doença no país, que tinha UTIs lotadas e se deparava com a disseminação da nova cepa do vírus (B.1.1.7).
Quanto à vacina de Oxford/Astrazeneca, os dados clínicos apresentados à Anvisa mostram que a segunda dose pode ser feita entre 4 e 12 semanas após a primeira. Nesta semana, a cidade de São Paulo recebeu mais 165,3 mil doses da vacina britânica, e o prefeito Bruno Covas (PSDB) também decidiu usar todas as vacinas contra covid-19 disponíveis para a primeira dose.
Mônica ressalta, porém, que a situação brasileira é diferente da do Reino Unido, já que não há nem mesmo a previsão de que mais remessas do imunizantes serão recebidas dentro do período estipulado no ensaio clínico.
ESTADÃO