A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenado no âmbito da Operação Lava Jato, teve acesso a novas mensagens obtidas na Operação Spoofing – investigação que mirou grupo de hackers que invadiu celulares de autoridades, atingindo o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e procuradores da força-tarefa em Curitiba. O conteúdo foi revelado pela revista VEJA. Por determinação do ministro Ricardo Lewandowski, a ação que garantiu à defesa do ex-presidente a íntegra do material obtido pelo grupo criminoso que praticava crimes cibernéticos foi colocada sob sigilo.
A decisão atendeu a um pedido apresentado pela defesa do ex-presidente que, na sequência, anexou ao processo diálogos atribuídos ao ex-juiz Sérgio Moro e ao ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol. A defesa de Lula pretende usar as novas mensagens para reforçar as acusações de que Moro agiu com parcialidade e encarou o petista como ‘inimigo’ ao condená-lo a nove anos e meio de prisão no caso do triplex do Guarujá.
Em uma das conversas, em 16 de fevereiro de 2016, Moro pergunta se os procuradores têm uma ‘denúncia sólida o suficiente’. Em seguida, Deltan Dallagnol responde que acredita que o material está ‘suficientemente forte’ e detalha a construção da peça de acusação. “Na parte do crime antecedente, colocaremos que o esquema Petrobras era um esquema partidário de compra de apoio parlamentar, como no mensalão, mas mediante indicações políticas usadas para arrecadar propina para enriquecimento ilícito e financiamento de campanhas”, escreveu Deltan.
Em outra mensagem, enviada em 6 setembro de 2016, Deltan pede que, ao tomar o depoimento do empreiteiro Léo Pinheiro, ex-executivo da OAS, Moro ‘impeça’ relatos sobre fatos alheios ao objeto do processo em questão. Na época, a defesa do empresário, que chegou a ser preso preventivamente na Lava Jato, pediu que ele fosse ouvido na ação envolvendo o ex-senador Gim Argello.
“Talvez seja o caso de impedir Leo Pinheiro de depor sobre fatos alheios ao seu caso, no interrogatório, orientando ele a procurar o MPF caso queira relatar fatos estranhos ao processo. Estamos suspeitando de que ele poderá querer forçar uma colaboração sem acordo, ainda que fajuta (que pode ser um tiro no pé até em relação a outros casos), e buscar diminuição da pena na cadeia recursal. Sugerimos a possibilidade que não considere relatos para fora dos autos”, escreve Deltan. Ao que Moro responde: “Ah sim, só sobre o objeto da acusação”.
No mesmo mês de setembro de 2016, é Moro quem procura Deltan. Na mensagem, cobra do então coordenador da Lava Jato em Curitiba manifestação em um processo. “Preciso manifestação do MP nº 504615954. Simples”, escreve o ex-juiz. “Providenciaremos”, responde Deltan, que minutos depois informa: “Sendo protocolado”.
Em 18 de outubro de 2016, um dia antes da prisão do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, Deltan procura Moro para combinar um encontro em que pudessem discutir a ‘apreensão dos celulares’. Na mesma conversa, passa informações sobre uma reunião em curso com suíços e americanos para ‘negociar percentuais da divisão do dinheiro’. “Caro, não achei Carlos Fernando (creio que está em videoconferência) e a reunião com a Suíça não acabou ainda. Podemos adiar para antes das audiências, algo como 13h30 ou pouco depois?”, pergunta Deltan.
“Então não vão vir mais contas da Suíça (agentes da Petrobrás)?”, questiona Moro. “Um assunto mais urgente é sobre a prisão. Falaremos disso amanhã à tarde. O problema hoje à tarde é que temos reunião conjunta com suíços e americanos para discutir e negociar percentuais da divisão do dinheiro. Começa 14h e vai até 18h30. Estamos em prévia com os suíços que nos ajudarão a dar menos para os americanos”, responde o procurador.
“Pode ser amanhã então”, sugere o ex-juiz.
“Mas amanhã não é a prisão? Creio que PF está programando. Queríamos falar sobre apreensão dos celulares. Consideramos importante. Teríamos que pedir hoje. Mas gostaríamos de explicar as razões. Há alguns outros assuntos, mas este é o mais urgente”, adianta o então coordenador da Lava Jato.
“Parece que sim. Acho que não é uma boa”, avalia Moro.
Em 27 de agosto de 2017, após o jornal Folha de S.Paulo publicar uma reportagem em que o advogado Rodrigo Tacla Duran, apontado pela força-tarefa como operador financeiro da Odebrecht, acusa o também advogado Carlos Zucolotto, amigo pessoal de Moro, de intermediar acordos de colaboração premiada na esteira das investigações da Lava Jato, novas mensagens são trocadas sobre a repercussão da matéria.
“Não está repercutindo. E ela [a jornalista] tem uma boa defesa de ter simplesmente retratado o que ele disse e ouviu o outro lado e colocou a versão oposta. Fazer e perder é pior. Se continuar assim, acho que é o caso de não fazer nada, até porque fazer vai dar mais visibilidade”, aconselha Deltan.
“Veja ação penal do Lula, petição dele hoje requerendo oitiva do Tacla Duran. Indeferido. Até pode ter sido concertada entre jornalista picareta e advogado sem escrúpulos”, responde Moro. “Acho que ele aproveitou a oportunidade para continuar fazendo o que faz há um ano: tentar infernizar a sua vida. E você certamente continuará fazendo o que faz há um ano: respirar fundo”, diz o procurador. Em mensagem enviada no dia 30 de agosto de 2017, o então juiz federal afirma que os sistemas recebidos da ‘ODB, Droussy e webday’ precisariam ser periciados pela Polícia Federal. “Do contrário, vai ser difícil usar”, diz Moro.
A defesa de Lula ainda incluiu no processo mensagens trocadas entre 28 de novembro e 1º de dezembro de 2015. Nas conversas, Moro e Deltan falam sobre contas investigadas pela força-tarefa da Lava Jato no exterior.
O procurador chega a fazer referência a uma reunião com ‘os suíços, que vêm pra cá pedindo extremo sigilo quanto à visita’. Em mensagens seguintes, depois que Deltan fala sobre a identificação de uma conta que teria recebido repasses de offshores controladas pela Odebrecht. Moro pergunta se o beneficiário dos depósitos delas seria ‘JS’, em possível referência ao marqueteiro João Santana, responsável por campanhas presidenciais petistas, preso em fevereiro de 2016. O procurador confirma. “Mantenha-me informado por gentileza”, pede Moro.
COM A PALAVRA, SÉRGIO MORO
Procurado pela reportagem, o ex-juiz da Operação Lava Jato não comentou.
COM A PALAVRA, OS ADVOGADOS MARCELO KNOPFELMACHER E FELIPE LOCKE, QUE REPRESENTAM A FORÇA-TAREFA DA LAVA JATO
Procurados pela reportagem, os advogados, que representam os procuradores Ministério Público Federal no Paraná, não se manifestaram.
ESTADÃO