Cientistas concluem que o contágio pelo Covid pode acontecer pelo ar em locais fechados


Em busca de respostas para questões ainda não respondidas sobre o novo coronavírus, cientistas chineses concluíram que o contágio pelo Sars-CoV-2 pode acontecer através do ar, por meio de partículas suspensas do agente infeccioso, principalmente em locais fechados, com más condições de ventilação e onde há aglomerações.

Publicada na semana passada no portal especializado medRxiv, a prévia de um estudo realizado por pesquisadores de diferentes instituições da China — entre elas a Universidade de Hong Kong e uma das divisões do Centro de Controle e Prevenção de Doenças — confirmou que clientes de um restaurante da cidade portuária de Guangzhou foram infectados no fim de janeiro sem necessariamente terem entrado em contato físico uns com os outros ou com superíficies contaminadas.

Para os cientistas, a respiração e a fala de um paciente infectado pelo novo coronavírus foram responsáveis por suspender no ar as partículas do vírus, que acabaram circulando através de um fluxo criado por um aparelho de ar-condicionado. A infecção se deu em uma zona restrita do restaurante onde a máquina de ventilação artificial surtia efeitos.

O episódio estudado aconteceu em 24 de janeiro, durante as comemorações do Ano Novo Chinês, e terminou com dez casos de pessoas infectadas no estabelecimento, todas elas pertencentes a três famílias diferentes. No local, apenas um cliente já tinha sido acometido pelo novo coronavírus naquela data: embora estivesse assintomático, ele havia acabado de retornar de uma viagem à cidade de Wuhan, onde o coronavírus foi registrado pela primeira vez no mundo.

A possibilidade de que a transmissão do vírus tivesse acontecido sem contatos físicos no interior do restaurante já havia sido levantada em outro estudo chinês disponibilizado no início do mês pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. A hipótese, no entanto, ganha mais força com a publicação mais recente, considerando que ela reúne, entre outras evidências, a descrição de uma simulação de contágio realizada no próprio restaurante em que estiveram os membros das três famílias infectadas.

A descoberta reforça também a preocupação com a identificação com partículas do novo coronavírus em suspensão encontradas em dois hospitais de Wuhan e em áreas públicas vizinhas a eles, revelada na segunda-feira em um estudo publicado pela revista Nature.

‘Reconstituição’ da cena do contágio no restaurante

Dispostos a entender o ocorrido durante o Ano Novo Chinês, os pesquisadores estiveram no restaurante em 19 e 20 de março, quase dois mês após o registro das infecções no local, e recriaram a cena do contágio.

Com a ajuda de relatos colhidos por agentes de saúde e munidos de diversas informações (como imagens de câmeras de segurança, plantas arquitetônicas e dados meteorólogicos), eles constataram que as três famílias, distribuídas em mesas enfileiradas umas com as outras, compartilharam a mesma zona de fluxo de ventilação estabelecida por um aparelho de ar-condicionado instalado no terceiro andar do restaurante em que elas estavam.

Isso só foi possível com a utilização de um gás marcador com características de propagação no ar semelhantes às do Sars-CoV-2. Ele foi emitido no ambiente como se fossem as partículas do coronavírus contidas nos aerossóis da fala e respiração do “paciente número zero”.

Na ocasião do contágio, a pessoa afetada pela Covid-19, infectada em Wuhan, sentou-se à mesa mais distante daquele aparelho, reunida com quatro parentes. Entre a mesa da família dela e a parede onde estava instalado o ar-condicionado, estavam outras duas mesas em que se reúniam os outros dois grupos familiares que também acabaram se infectando.

Na família do paciente infectado, as quatro pessoas presentes junto com ele no restaurante testaram positivo para o vírus nas semanas seguintes. Em outra família, que se sentou à mesa mais próxima à do infectado, houve três membros infectados entre os quatro que estiveram no local. Na terceira família, cuja mesa estava disposta abaixo do ar-condicionado, dois dos sete membros foram acometidos pelo coronavírus.

As outras pessoas presentes nos cinco andares do restaurante — onde havia 193 clientes e 57 trabalhadores no momento do contágio — não foram infectadas naquela ocasião. Não houve desdobramentos nem mesmo para os 73 fregueses e oito funcionários que, assim como as famílias infectadas, estavam no terceiro andar. O contágio se restringiu à área das três mesas ventiladas pelo mesmo aparelho de ar-condicionado, o que ficou claro na simulação.

O GLOBO

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