Trump e suas empresas podem enfrentar uma sucessão de processos após republicano deixar a presidência

A vitória do democrata Joe Biden não significa apenas uma derrota eleitoral para Donald Trump. Ao deixar a Casa Branca, o presidente republicano perderá a imunidade que o cargo lhe confere. Isso significa que, assim que ele deixar o poder, o Departamento de Justiça pode retomar a acusação de possível obstrução de Justiça contra Trump apontada no inquérito especial sobre a interferência russa nas eleições de 2016, ou abrir um inquérito sobre suas deduções fiscais.

A Constituição americana não prevê a imunidade do presidente, mas há uma política de décadas do Departamento de Justiça de que o chefe de Estado não pode virar réu. Essa orientação não impede que investigações sejam abertas, mas ele pode usar o cargo para, por exemplo, não prestar depoimentos ou não apresentar seus dados fiscais — o que Trump já fez em processos anteriores que o envolviam.

O inquérito sobre a interferência russa, conduzido pelo promotor especial Robert Mueller, não obteve provas de que o republicano entrou em conluio com a campanha de desinformação de Moscou, mas detalhou episódios em que ele teria tentado impedir o seguimento da investigação.

Outro caso que poderia ser retomado é o da violação das leis de financiamento eleitoral em sua campanha de 2016. Na época, a equipe de Trump pagou pelo silêncio de duas mulheres que alegavam ter tido relações sexuais com o então candidato. O ex-advogado de Trump, Michael Cohen, se declarou culpado e foi condenado a três anos de prisão. Cohen, porém, disse que seu ex-cliente orientou o pagamento, que não foi declarado como despesa de campanha.

A eventual reabertura desses dois casos ficará a cargo do Departamento de Justiça, o que terá implicações políticas para o futuro governo de Joe Biden, que se elegeu com a promessa de reduzir a polarização no país.

— A decisão de processar um ex-mandatário tem sempre uma conotação política, e, com Trump, Biden vive um impasse — disse Oliver Stuenkel, coordenador da Escola de Relações Internacionais da FGV-SP — Processá-lo vai contra o discurso do democrata de retomar o diálogo, e irá minar a articulação que ele precisará ter com os republicanos no Congresso. Por outro lado, deixar Trump escapar ileso vai gerar uma revolta na ala mais progressista democrata.

No flanco fiscal, a reportagem do New York Times que mostrou que Trump ficou sem pagar imposto de renda em dez dos 15 anos anteriores ao seu governo também pode dar origem a processos criminais. O republicano alegou que teve perdas significativas em seus investimentos e propriedades, o que lhe permitiu pagar apenas US$ 750 de imposto no ano de sua posse, e o mesmo valor no ano seguinte, já na Casa Branca.

Já existe um processo em que o presidente foi chamado a entregar suas movimentações financeiras. A ação corre na Justiça de Nova York e foi aberta inicialmente para investigar o pagamento a Stormy Daniels, uma das mulheres do caso em que Michael Cohen foi condenado. Trump conseguiu enrolar o embate judicial até o momento, levando-o até a Suprema Corte. Porém, com ele fora da Casa Branca, a ação deve ganhar mais força, já que os procuradores terão maior acesso a documentos do presidente e poderão intimá-lo a prestar depoimento.

A imobiliária da família de Trump também é investigada pela Procuradoria Geral de Nova York sob suspeita de ter subvalorizado algumas de suas propriedades para conseguir benefícios fiscais. Ainda que o caso corra em âmbito civil, caso os investigadores encontrem evidências de uma conduta intencional, ele poderia se tornar criminal e envolver Trump.

Fora das disputas judiciais, a situação financeira de Trump também enfrentará desafios. Segundo uma reportagem do Financial Times, o presidente tem cerca de US$ 900 milhões em dívidas imobiliárias que vão vencer nos próximos quatro anos. Ele também deverá pagar mais de US$ 300 milhões de empréstimos que também vencem nos próximos anos, conforme mostrou outra reportagem, do New York Times.

O GLOBO

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