Por Daniel Menezes
O paredão de pedras de contenção do mar, o chamado enrocamento na praia de Ponta Negra, está cercado por um conjunto de irregularidades, tanto por parte da empresa executora do projeto, como também da prefeitura. E mais: revela que o prefeito Carlos Eduardo recebe uma blindagem pela maioria da imprensa, que não divulgou devidamente as conclusões do Ministério Público Federal e Estadual. Grave.
INDÍCIOS DE CORRUPÇÃO
Conforme laudo solicitado pelo MPF e MPE a especialistas da UFRN, as pedras são inadequadas, pois pesam menos da metade do que o recomendado. Pedregulhos que deveriam apresentar mais de 2 toneladas; quando aferidos, alcançaram apenas 800 quilos. O resultado é o comprometimento da intervenção, que é provisória. As pedras mais leves também custam menos da metade do que as adequadas. Cadê o dinheiro? As pedrinhas mais leves e mais baratas produziram um incremento irregular das margens de lucro? Se sim, quem ganhou com o ilícito? O MPF e MPE entraram com ação contra a empresa e a Prefeitura do Natal.
PREFEITURA ESCONDEU INFORMAÇÕES DOS MPS
A publicação do MPF anexada abaixo também repreende a forma como a prefeitura agiu na (não) fiscalização do caso. Além disso, menciona que a Secretaria de Obras, quando provocada, omitiu informações dos MPs. Do que a prefeitura tem medo? O que quer esconder?
NATAL DEIXA DE RECEBER MAIS DE 17 MILHÕES POR AUSÊNCIA DE PROJETO DA PREFEITURA
Há outros sinais gritantes de incompetência. Recursos federais – mais de 17 milhões – para a construção de uma obra definitiva escutam a conversa, estão disponíveis, mas a prefeitura não consegue acessá-los porque sequer elaborou o projeto.
Enquanto isso, o calçadão se deteriora.
A BLINDAGEM DE CARLOS EDUARDO
Todas as informações ditas acima foram publicadas pelo MPF. Mas a maior parte da imprensa não repercutiu. Só falou genericamente sobre a versão do MP e a defesa do secretário de obras, Tomaz Neto. As críticas contundentes e fundamentadas desferidas pelo MPF, a supressão de informações feita pela prefeitura e as demais consequências deletérias (indícios de corrupção, conivência com a irregularidade e perda de recursos por falta de projeto) foram esquecidas.
Por que a imprensa age assim? Primeiro em razão da Tribuna do Norte e a Intertv cabugi atuarem em defesa dos seus donos, a família Alves. Nisto não há qualquer surpresa, mas mera constatação.
Mas há quem também lembre de outro aspecto importante. Uma das primeiras medidas de Carlos Eduardo, quando pode escrever o plano pluri-anual (PPA), foi quase triplicar as verbas destinadas para publicidade. O orçamento da comunicação saiu de 7 para 18 milhões por ano. Uma mudança e tanto.
PS. Não custa nada também lançar lupas sobre a gambiarra feita pela Prefeitura no desastre no bairro de Mãe Luíza. Foram mais de 4 milhoes de reais empregados na compra de uma lona, canos e alguns sacos de areia, sem impedir novos deslizamentos. Os burburinhos já circulam pelas secretarias.
Do MPF
Laudo apontou que 96% das rochas avaliadas tinham peso muito abaixo do previsto no projeto
O Ministério Público Federal (MPF/RN) e o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (MP/RN) ingressaram com uma ação civil pública, com pedido de liminar, contra a Prefeitura do Natal e a Construtora Camillo Collier Ltda., responsável pela obra de enrocamento na praia de Ponta Negra. A estrutura de rochas que tem objetivo de proteger o calçadão, até que se adote uma solução definitiva para a erosão no local, foi executada de forma diferente do projeto.
A ação se baseia em um laudo formulado por representantes do órgão ambiental estadual (Idema) e professores/peritos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN/Funpec), que promoveram a pesagem de 25 rochas da estrutura e constataram que 24 delas estavam abaixo do peso mínimo previsto. A divergência não só desrespeita o projeto contratado, como também ameça a qualidade e longevidade do enrocamento, que precisará durar pelo menos seis anos até a realização da solução definitiva, possivelmente a engorda da praia.
O objetivo da ação, assinada pela procuradora da República Clarisier Azevedo e pela promotora de Justiça Gilka da Mata, é obrigar a empresa a realizar a manutenção do enrocamento, ou mesmo refazê-lo; bem como exigir da Prefeitura a limpeza do local, a devida fiscalização e ainda o monitoramento de Ponta Negra e das praias próximas, observando possíveis alterações decorrentes da presença dessa estrutura, para adotar as soluções adequadas.
As duas representantes do Ministério Público concederam uma coletiva à imprensa na manhã desta quarta-feira, 26, para detalhar o teor da ação e do laudo técnico, formulado pelo diretor técnico do Idema, Sérgio Macêdo, e por quatro professores/peritos da UFRN/Funpec: Angelo Roncalli, Carlos Paskocimas, Francisco Lima Filho e Luiz Araújo.
Medidas – O enrocamento custou R$ 5.847.707,84 aos cofres públicos. Na “carapaça”, a parte externa da estrutura, as rochas deveriam pesar entre 1,38 a 2,3 toneladas, sendo que na parte inferior deveriam ter um mínimo de 1,84 tonelada. A diferença observada, para menos, foi avaliada pelo MP como “gritante” e já havia sido constatada pela empresa CB&I, especializada em engenharia costeira e contratada pelo Município para acompanhar a obra.
Representantes da Camillo Collier e o secretário municipal de Obras (Semopi), Tomaz Neto, discordaram dos resultados apresentados pela CB&I e defenderam a tese de que todo enrocamento havia sido executado de forma adequada.
Para evitar controvérsias, o Ministério Público solicitou ao Idema e à equipe da UFRN um novo laudo, com a pesagem real das rochas, usando balanças de alta precisão. Essa análise confirmou as divergências apontadas pela CB&I. A média de peso das 25 amostras foi de 512,2 kg, portanto 787,8 kg abaixo do mínimo exigido.
Mais da metade (13) das pedras estavam, pelo menos, 904 kg abaixo do peso mínimo e três pesaram menos de 51 kg, quando o previsto era que todas tivessem mais de 1.300 kg. “Ainda que descartássemos essas três e considerássemos que elas pesaram 2,3 toneladas, nem mesmo assim a média chegaria sequer perto do mínimo previsto no projeto”, destacou o professor Angelo Roncalli.
Além de falhas na execução, a análise anterior, da CB&I, apontou fragilidades no projeto. Um deles revela que se fosse adotada uma fórmula mais adequada de cálculo (chamada Fórmula de Van der Meer), o peso das rochas da “carapaça” deveria ser ainda maior, de 3,77 toneladas em média.
Atrasos – A solução definitiva para combater a erosão em Ponta Negra, o engordamento da praia, depende de estudos, contratação de empresas e diversas diligências. No caso de Natal, mesmo havendo recursos federais assegurados, da ordem de R$ 17,6 milhões, a Prefeitura não concluiu sequer o termo de referência para contratação dos primeiros estudos.
Tais estudos deveriam ter começado em 2 de junho, porém até hoje não foram iniciados. Ainda que esse início ocorra em janeiro de 2015, o cronograma prevê o começo das obras para 2019, com sua conclusão no mínimo em 2020, isso tudo dentro de um cenário otimista. “Diante dessa projeção, tem-se que a obra de enrocamento que foi instalada na Praia de Ponta Negra para sustentar o calçadão precisa durar no mínimo o período de seis anos”, reforça a ação.
Omissão – O Município foi incluído como réu em virtude da omissão na fiscalização e cobrança quanto à execução do enrocamento. O contrato com a Camillo Collier foi celebrado em 11 de abril de 2013 e os trabalhos se iniciaram no dia 24 do mesmo mês. Nos autos do licenciamento que tramitou na Semurb, consta um relatório de vistoria realizado em 11 de maio de 2013, no qual já eram detectadas as primeiras divergências.
Representantes do MPF e MP/RN solicitaram do professor Andrew Short, reconhecido internacionalmente como especialista em dinâmica costeira, uma vistoria no local. Ele apontou que o enrocamento, da forma como estava sendo executado, não se encontrava adequado. O MP constatou ainda que não havia na Semurb nenhum profissional habilitado para fiscalizar a execução da obra e recomendou à Prefeitura a suspensão, bem como a contratação de empresa especializada para esclarecer os questionamentos levantados. A suspensão não foi acatada, porém a Prefeitura contratou a CB&I para acompanhar e avaliar as obras.
Para o Ministério Público, impressiona a conivência do Município de Natal e do secretário Tomaz Neto. “(…) diante da informação de que o enrocamento foi instalado de forma diversa do projeto e que as rochas possuíam peso bem inferior ao previsto expressamente no projeto, o Secretário da Semopi deveria ser o primeiro a conferir essa informação e exigir que a empresa que executou a obra realizasse as correções devidas. Mas esse não foi o procedimento da Semopi!”.
Quando o Idema solicitou da mesma Semopi o projeto do enrocamento para conferir sua execução, a pedido do Ministério Público, a secretaria municipal encaminhou um documento suprimindo todas as informações referentes ao peso das rochas.
Pedidos – Na liminar, MPF e MP/RN requerem da Justiça que a Camillo Collier seja obrigada a manter a estrutura, com reparos, reposição de rochas e outras ações necessárias à integridade e funcionalidade do enrocamento. O pedido de tutela antecipada abrange ainda a realização, por parte da empresa, de manutenção imediata ou acabamento da estrutura na parte Norte da praia.
Quanto ao Município, a liminar requer a implementação de um plano de limpeza e de controle de pragas e de um plano de manutenção do enrocamento, com vistorias mensais e monitoramento de Ponta Negra e da praia adjacente, para possibilitar a avaliação de possíveis mudanças ocorridas na orla. Além do peso incorreto das rochas, a estrutura hoje já apresenta problemas como proliferação de ratos e lixo depositado, sem contar as pedras que se deslocaram para a faixa de areia.
No mérito, o MP requer que a Camillo Collier realize a adequação da obra ao projeto contratado ou implemente um Plano de Recuperação da Área Degradada, para compensar as alterações negativas decorrentes da execução incorreta da obra. Da Prefeitura se quer ainda a fiscalização sistemática, com adoção de ações preventivas e corretivas.
Crimes – Além dos desdobramentos quanto ao aspecto ambiental da obra, a procuradora Clarisier Azevedo explicou que irá remeter as informações sobre o caso ao Núcleo de Combate à Corrupção do MPF, para que se apurem possíveis ilícitos no uso das verbas públicas destinadas ao enrocamento.
A ação civil pública tramita na Justiça Federal como Processo Judicial Eletrônico (PJE) sob o número 0805878-23.2014.4.05.8400.
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no RN
Daniel Menezes Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. E co-autor do A geografia do voto em Natal. Email: dmcartapotiguar@gmail.com