Por Marco Antonio Villa
O Globo
O Superior Tribunal de Justiça, que se autointitulou “tribunal da cidadania”, foi uma criação da Constituição de 1988. É formado por 33 ministros. O STJ recebe pouca atenção do grande público. O Supremo Tribunal Federal acaba ocupando todos os espaços. Uma designação de um ministro para o STJ passa geralmente em branco; já o mesmo não ocorre com o STF.
Em 2011 e 2013, examinei os gastos do STJ e fiquei estarrecido. Os artigos que publiquei, neste mesmo espaço, até hoje circulam pela internet (“Triste Judiciário” e “Eles estão de brincadeira”). Resolvi voltar ao tema, certo — e é a mais pura verdade, acreditem — de que algo teria mudado. Contudo, constatei que a situação não melhorou. Pelo contrário, piorou — e muito.
O curioso é que todos os dados aqui apresentados estão disponíveis no site do STJ (www.stj.jus.br), mais especificamente no Portal da Transparência. O último relatório de gestão anual disponibilizado é de 2013. Os dados são estarrecedores. O orçamento foi de R$ 1.040.063.433,00! Somente para o pagamento de aposentadorias e pensionistas foram despendidos R$ 236.793.466,87, cerca de um quarto do orçamento. Para os vencimentos de pessoal, foi gasta a incrível quantia de R$ 442.321.408,00. Ou seja, para o pagamento de pessoal e das pensões e aposentadorias, o STJ reservou dois terços do seu orçamento.
Setembro é considerado o mês das flores. Mas no STJ é o mês do Papai Noel. O bom velhinho, três meses antes do Natal, em 2014, chegou com seu trenó recheado de reais. Somente a dois ministros aposentados pagou quase 1 milhão de reais. Arnaldo Esteves Lima ganhou R$ 474.850,56 e Aldir Passarinho, R$ 428.148,16 — os dois somados receberam o correspondente ao valor da aposentadoria de 1.247 brasileiros. A ministra Assusete Dumont Reis Magalhães embolsou de rendimentos R$ 446.833,87, o ministro Francisco Cândido de Melo Falcão de Neto foi aquinhoado com R$ 422.899,18, mas sortudo mesmo foi o ministro Benedito Gonçalves, que abocanhou a módica quantia de R$ 594.379,97. Também em setembro, o ministro Luiz Alberto Gurgel de Faria recebeu R$ 446.590,41. Em novembro do mesmo ano, a ministra Nancy Andrighi foi contemplada no seu contracheque com R$ 674.927,55, à época correspondentes a 932 salários-mínimos, o que — incluindo o décimo terceiro salário — um trabalhador levaria para receber 71 anos de labuta contínua.
Nos dados disponibilizados na rede, é impossível encontrar um mês, somente um mês, em que ministros ou servidores — não exemplifiquei casos de funcionários, e são vários, para não cansar (ou indignar?) ainda mais os leitores — não receberam acima do teto constitucional. São inexplicáveis estes recebimentos. Claro que a artimanha, recheada de legalismo oportunista (não é salário, é “rendimento”), é de que tudo é legal. Deve ser, presumo. Mas é inegável que é imoral.
Em maio de 2015, o quantitativo de cargos efetivos era de 2.930 (eram 2.737 em 2014). Destes, 1.817 exerciam cargos em comissão ou funções de confiança (eram 1.406 em 2014). Dos trabalhadores terceirizados, o STJ tem no campo da segurança um verdadeiro exército privado: 249 vigilantes. De motoristas são 120. Chama a atenção a dedicação à boa alimentação dos ministros e servidores. São quatro cozinheiras, 29 garçons, cinco garçonetes e 54 copeiros. Isto pode agravar a obesidade, especialmente porque as escadas devem ser muito pouco usadas, tendo em vista que o STJ tem 32 ascensoristas. Na longa lista — são 1.573 nomes em 99 páginas — temos pedagogas, médicos, encanadores, bombeiros, repórteres fotográficos, recepcionistas, borracheiros, engenheiros, auxiliares de educação infantil, marceneiros, jardineiros, lustradores e até jauzeiros (que eu não sei o que é).
Para assistência médica, incluindo familiares, foram gastos, em apenas um ano, 63 milhões de reais e quatro milhões para assistência pré-escolar. Pela quantia dispendida em auxílio-alimentação — quase 25 milhões — creio ser necessário um programa de emagrecimento de ministros e servidores. Mas os absurdos não param por aí. Somente para comunicação e divulgação institucional foram reservados mais de sete milhões de reais. E não será por falta de veículos que o STJ vai deixar de exercer sua atribuição constitucional. Segundo dados de 31 de janeiro de 2015, a frota é formada por 57 GM/Omega, 13 Renault/Fluence e 7 GM/Vectra, além de 68 veículos de serviço, perfazendo um total de 146. E como são 33 ministros, cada excelência tem, em média, à sua disposição, quatro veículos.
Como foi exposto, há 2.840 efetivos e mais 1.573 servidores que são terceirizados, perfazendo um total de 4.413, que já é um número absurdo para um simples tribunal, apenas um. Ah, leitor, não se irrite. Ainda tem mais gente. Segundo o relatório anual de 2013 (volto a lembrar que é o último disponibilizado) há mais 523 estagiários. Sendo assim, o número total alcança 4.936 funcionários!
É raro uma Corte superior no mundo com os gastos e número de funcionários do STJ. Contudo este não é o retrato da Justiça brasileira. Onde a demanda é maior — como na primeira instância — faltam funcionários, o juiz não tem a mínima estrutura para trabalhar e está sobrecarregado com centenas de processos, além de — e são tantos casos — sofrer ameaças de morte por colocar a Justiça acima dos interesses dos poderosos. No conjunto não faltam recursos financeiros ao Judiciário. A tarefa é enfrentar, combater privilégios e estabelecer uma eficaz alocação orçamentária. Este dever não pode ser reservado somente aos membros do Poder Judiciário. Ele interessa a toda a sociedade.
Marco Antonio Villa é historiador