Por François Silvestre
Prestei serviço militar no Regimento de Obuses, ali no Bairro de Santos Reis. Cinco Baterias. Três de artilharia, uma de Comando e uma de Serviços. Fiquei na de serviços. A menos importante de todas.
A hierarquia se dá também pelo número. A bateria de Serviços era a última numerada. E eu tinha o último número. Soldado 930. Portanto, eu só assumiria o comando do Quartel se todos morressem.
Na minha bateria também ficaram alguns amigos. Rilke Santos, Jaime Aquino, Isaías Almeida, Carlos Caju, Eduardo Lamartine, Noronha, Pedro Araújo, Justino. Era tempo da Ditadura, fui recruta e preso político lá mesmo. Domingo contarei isso.
Um rapaz das Rocas, Soldado Costa, que fez concurso de Cabo e continuou no exército, era fotógrafo. Tenho em Cajuais da Serra uma foto dele comigo, que ele tirou armando a máquina numa pedra.
No dia que recebemos a farda, fomos à primeira formatura. Três fileiras de soldados. O tenente Campelo ordenou “direita volver” e ficamos de frente para o Comandante da Bateria, o Capitão Ibiapina. Um bigode enorme e carranca fechada. Recebeu o comando, fez uma preleção sobre o serviço militar e perguntou: “Algum de vocês não quer servir no Exército? Se houver que dê um passo à frente”.
Eu estava na primeira fila. Tinha ouvido, no alojamento, todo mundo dizer que não queria ficar no Exército. Pensei que todo mundo iria dar esse passo. E dei. Só eu.
O capitão perguntou meu nome e número. Depois, mandou que eu saísse da formatura e fosse esperá-lo na Sala do Comando. Quando ele entrou, eu fiquei todo empertigado, posição de sentido, morrendo de medo.
Ele disse: “Descansar. Você diz que não quer ficar e agora posa de soldado”. Riu e sentou-se. O medo diminuiu. Passou bom tempo explicando as vantagens do serviço militar. Conhecimento da disciplina, armamentos, educação cívica. Não falou de política. Nem eu.
Eu disse acreditar, mas precisava estudar, vinha de família pobre, de região carente. Ele respondeu que admirava minha sinceridade, mas não haveria dispensa. Esse episódio fez com que aquele homem temido passasse a me tratar com certa cordialidade.
Permitiu minha a frequência à faculdade, pela manhã, quando eu passei no vestibular, ainda no Exército.
Esse enchimento de linguiça foi para comentar a continência que Bolsonaro prestou ao Juiz Sérgio Moro. A continência é um cumprimento entre militares. Iniciativa do subalterno, com a mesma resposta do superior. Só se bate continência estando devidamente uniformizado. Se o superior estiver em trajes civis, responde com um aceno da cabeça.
Não se bate continência sem cobertura, quepe ou gorro. É uma saudação regrada, de natureza regimental. Todo militar sabe disso. Menos Bolsonaro, que não é civil nem militar. É apenas boçal. Boçalnário.
Té mais.
François Silvestre é escritor
* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.