André Campos e Piero Locatelli
Da Repórter Brasil
- O relator da Reforma Trabalhista, deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN)
O relator da reforma trabalhista na Câmara, deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), é investigado em um inquérito aberto pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A investigação apura envolvimento com uma empresa terceirizada acusada de coagir funcionários demitidos a renunciar às verbas rescisórias e a devolver a multa do FGTS.
Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Preservice Recursos Humanos teria se apropriado ilegalmente de R$ 338 mil devidos a mais de 150 trabalhadores. A empresa foi condenada a pagar indenização de R$ 500 mil por danos morais, mas recorreu ao STF.
O inquérito apura indícios de que o deputado federal mantenha uma sociedade com Francisco das Chagas de Souza Ribeiro, responsável pela gestão da Preservice Recursos Humanos. Há suspeitas também de que o deputado tenha agido para favorecer o empresário em licitações.
Marinho nega relação com a empresa. “Não mantenho quaisquer vínculos com a empresa Preservice Recursos Humanos Ltda, não possuindo, portanto, responsabilidades trabalhista e societária relativas a essa empresa”, afirmou o deputado (leia ao final do texto a íntegra da nota de Rogério Marinho).
Em seu relatório sobre a reforma trabalhista, o deputado propõe diminuir o pagamento do FGTS e das verbas rescisórias, justamente os itens fraudados pela Preservice. O deputado afirma que o seu trabalho de relatoria “não guarda relação com interesses específicos defendidos por quaisquer empresas ou grupos empresariais”.
Procurada pela reportagem, a Preservice negou ter qualquer ligação com Rogério Marinho. A empresa afirmou que os processos a que a reportagem se referem estão “tramitando em segredo de Justiça e, por este motivo, não irá se manifestar sobre o caso”. “Há que se destacar somente que o processo ainda será devidamente instruído, oportunidade em que os acusados provarão sua inocência.” O empresário Francisco das Chagas não foi localizado para se pronunciar.
O MPT reafirma que o processo trabalhista não está em sigilo.
Demitidos tinham que devolver multa do FGTS
Durante anos, a Preservice prestou serviços à Secretaria da Educação de Natal. Segundo a denúncia do MPT, quando o contrato da empresa com a secretaria estava perto de terminar, em 2012, os empregados foram informados que seriam demitidos e que, se quisessem ser recontratados por uma das terceirizadas que passariam a atender o município, precisariam devolver o valor correspondente à multa de 40% do FGTS –o que foi feito por 118 trabalhadores.
Segundo o MPT, a empresa também obrigou 161 empregados a assinarem a demissão com data retroativa. A fraude serviu para burlar o pagamento do aviso prévio não trabalhado.
As fraudes foram flagradas por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e a empresa foi condenada em primeira instância a pagar indenização de R$ 500 mil por danos morais. Em dezembro de 2016, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) manteve a sentença contra a Preservice. A empresa, então, recorreu ao STF e aguarda decisão.
Suspeita de favorecimento em licitações
Há suspeitas também de que o deputado federal tenha agido para favorecer o empresário Francisco das Chagas em licitações, o que levou a Procuradoria-Geral da República a pedir a quebra de seu sigilo bancário em 2015.
A empresa é tradicional fornecedora de mão de obra terceirizada –porteiros, faxineiros e cozinheiros– para o poder público em Natal, capital do Estado do relator.
No inquérito no STF é citado o depoimento à Polícia Federal de uma sindicalista presa por envolvimento nas fraudes da Preservice. Segundo ela, Francisco das Chagas relatou ter sido ajudado por Marinho para conseguir contratos com a Secretaria Municipal de Educação de Natal.
A investigação também afirma que o empresário teria participado de campanhas do político e que um de seus filhos teria trabalhado no gabinete do deputado quando ele era vereador na capital potiguar.
Proposta de Marinho muda multa do FGTS
Mudanças no pagamento do FGTS, das verbas rescisórias e do dano moral integram a proposta de Rogério Marinho para alterar a lei trabalhista. Em seu substitutivo, o deputado propõe o pagamento de apenas metade do aviso prévio e da indenização do FGTS se o contrato de trabalho for extinto de comum acordo entre patrões e empregados.
Segundo ele, “a medida visa a coibir o costumeiro acordo informal, pelo qual é feita a demissão sem justa causa para que o empregado possa receber o seguro-desemprego e o saldo depositado em sua conta no FGTS, com a posterior devolução do valor correspondente à multa do Fundo de Garantia ao empregador”.
O deputado também propõe que indenizações por dano moral sejam proporcionais ao último salário do funcionário. A ausência de critérios objetivos na fixação dessas indenizações, diz ele, traz insegurança jurídica e pode gerar valores que inviabilizem empresas.
Centrais sindicais criticam a mudança. Em nota, a Central Única dos Trabalhadores afirma que as rescisões de suposto comum acordo inviabilizam o acesso ao seguro-desemprego. A CUT também alega que vincular o dano moral ao salário do trabalhador impõe limites rebaixados para condenações.
Responsabilidade das empresas que terceirizam
Em 2012, Rogério Marinho assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte e foi um dos idealizadores do Pró Sertão, programa estadual que incentiva empresários locais a abrir oficinas de costura terceirizadas no interior do Estado.
A Guararapes Confecções, do grupo Riachuelo, é a principal contratante dessas empresas. Ela doou R$ 20 mil para a última campanha do político potiguar, em 2014, ao cargo de deputado federal.
Em 2015, a Repórter Brasil foi ao interior do Rio Grande do Norte e identificou funcionários recebendo abaixo do salário mínimo na produção de roupas para a Guararapes. Em processos movidos por ex-empregados contra oficinas de costura da região –muitas fecham as portas deixando salários atrasados e sem pagar os direitos trabalhistas–, a Guararapes por vezes também é acionada para arcar com os débitos.
É a chamada responsabilidade subsidiária. Ela prevê que empresas tomadoras de serviços arquem com o pagamento de dívidas trabalhistas quando o empregador original assim não o fizer.
A proposta de reforma trabalhista de Rogério Marinho, no entanto, insere um artigo na CLT prevendo que os negócios entre empregadores da mesma cadeia produtiva, ainda que em regime de exclusividade, não caracterizam a responsabilidade solidária e subsidiária de débitos e multas –aprofundando as mudanças já aprovadas na nova lei da terceirização ampla. A medida, segundo o relatório do deputado, traz “segurança jurídica às partes envolvidas”.
Procurado pela Repórter Brasil, o grupo Riachuelo não encaminhou resposta até a publicação deste texto.
Sobre sua relação com a empresas por conta da doação, o deputado Rogério Marinho afirmou à Repórter Brasil: “Minha atividade parlamentar compreende, entre tantas funções, a intermediação entre agentes públicos, conversas, debates e visitas a fim de defender interesses públicos e transparentes, não devendo ser desvirtuada do seu real contexto para servir a interesses obscuros e esforços moralmente inaceitáveis para prejudicar a modernização das leis trabalhistas”.
Para Renato Bignami, auditor trabalhista e doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade Complutense de Madrid, essa mudança proposta pela Reforma Trabalhista irá dificultar a responsabilização de empresas que terceirizam seus serviços.
“É uma fórmula injusta. Ela tratará de forma muito assimétrica empresas muito desiguais. No setor de confecções, por exemplo, você tem na mesma cadeia produtiva desde multinacionais extremamente poderosas até facções de costura que mal conseguem pagar o salário dos seus funcionários”, avalia.
O que diz o deputado
Leia a íntegra da nota do deputado Rogério Marinho:
“A respeito das questões que me foram enviadas acerca do inquérito 3386, em trâmite no Superior Tribunal Federal, e a referida ação cautelar apensada, informo que não mantenho quaisquer vínculos com a empresa Preservice Recursos Humanos Ltda, não possuindo, portanto, responsabilidades trabalhista e societária relativas a essa empresa.
Esclareço, outrossim, que o meu trabalho de relatoria da proposta do projeto de modernização das leis trabalhistas não guarda relação com interesses específicos defendidos por quaisquer empresas ou grupos empresariais.
A minha atividade parlamentar compreende, entre tantas funções, a intermediação entre agentes públicos, conversas, debates e visitas a fim de defender interesses públicos e transparentes, não devendo ser desvirtuada do seu real contexto para servir a interesses obscuros e esforços moralmente inaceitáveis para prejudicar a modernização das leis trabalhistas, um passo fundamental em prol do desenvolvimento do país.”