Por que o Brasil não tem companhias aéreas de baixo custo?

Do UOL, em São Paulo

Quem pode se planejar com antecedência e tem alguma flexibilidade para viajar, encontra ofertas de passagens aéreas na Europa ou nos EUA muito mais baratas, por causa das empresas low cost (baixo custo).

Mas por que não existem empresas de baixo custo no Brasil?

Falta de concorrência, impostos altos e poucos aeroportos são alguns dos fatores mencionados por especialistas para explicar a ausência de opções mais baratas no país.

Preço médio no Brasil é o dobro

No site da companhia britânica Easyjet, na segunda-feira (18/6), era possível achar trechos de 22 libras a 35 libras (R$ 112 a R$ 179) para viagens entre Londres e cidades como Nice (França), Viena (Áustria) e Barcelona (Espanha).

O preço médio de passagens no Brasil é o dobro de algumas empresas de baixo custo na Europa. A média da aérea irlandesa Ryanair em 2017 foi de 39 euros (R$ 176). A passagem média paga por um voo doméstico no Brasil foi R$ 357 no ano passado, segundo a Anac.

Há também alguns fatores específicos que barateiam preços na Europa, como as pequenas distâncias entre os países e a alta densidade em cidades médias, o que ajuda a tirar as rotas dos grandes centros, mais caros.

Pouca concorrência

Para Paulo Resende, coordenador do núcleo de logística e infraestrutura da Fundação Dom Cabral, a pouca concorrência na aviação civil no Brasil é uma das principais causas dos preços altos.

Atualmente, o mercado de voos domésticos no Brasil é concentrado em quatro companhias: Avianca, Azul, Gol e Latam. Um maior número de empresas competindo pelos passageiros, segundo Resende, não necessariamente faria as aéreas baixarem os preço –“elas não têm margem para cortar”, disse o professor. Poderia, porém, incentivá-las a buscar mais eficiência, melhor gestão e, por consequência, redução nos custos.

“Quanto mais livre a concorrência, mais aberto o caminho para a atuação de uma low cost”, disse o professor. “Os mercados que mais favorecem o consumidor no mundo inteiro são mercados abertos ou subsidiados. O governo brasileiro não tem mais condições de subsidiar nada, e nosso mercado [de aviação civil] é extremamente fechado, um dos últimos a não permitir a entrada de capital estrangeiro.”

É proibido haver companhia aérea no Brasil controlada por capital estrangeiro; a participação máxima permitida a investidores e empresas de fora do país é de 20%. Um projeto de lei de 2017 que aumenta esse limite tramita atualmente na Câmara dos Deputados.

Faltam aeroportos

Os aeroportos regionais são um dos principais pilares de barateamento de passagens, mas faltam terminais desse tipo no país.

“Essas companhias procuram sempre operar em aeroportos alternativos, municipais, que têm tarifas e custos mais baixos que os centrais”, disse o engenheiro Milton Zuanazzi, ex-diretor da Anac e hoje presidente da agência de viagens SBTur. “Aqui não temos essa opção. Mesmo em São Paulo, que é o estado com mais aeroportos, não há nenhum com capacidade suficiente.”

Hoje, a capital paulista é atendida por Congonhas, Cumbica (Guarulhos) e, em menor escala, Viracopos, em Campinas. Nos arredores de Londres, para se ter uma ideia, são cinco aeroportos além de Heathrow, o principal deles.

Longas distâncias

As longas distâncias também são uma dificuldade no Brasil. “Longas distâncias na maior parte dos grandes mercados da América Latina tornam a região menos acessível para o modelo de baixo custo”, afirmou a Iata (Associação Internacional de Transportes Aéreos), que vê um lento desenvolvimento desse tipo de companhia na América Latina.

“Os custos operacionais estão diretamente ligados à distância viajada. É mais produtivo para elas operarem seis voos de um hora e 30 minutos por dia do que três de três horas”, disse a Iata.

“A Europa é mais adensada que o Brasil ou os Estados Unidos”, afirmou Zuanazzi. “Há muitas cidades médias e muito próximas umas das outras. Se você mora em Florença (Itália), não é complicado pegar um voo em Pisa (Itália), a 40 quilômetros dali. No Brasil, as distâncias são longas, e outras cidades maiores ficam longe da capital.”

Impostos e regulação

Entre as principais reclamações das empresas brasileiras sobre as pressões no preço das passagens, está a carga tributária, que pesa nos encargos trabalhistas e, principalmente, na querosene de avião, combustível que abastece as aeronaves. “O combustível representa cerca de 30% do valor do voo e paga impostos muito caros, em especial o ICMS, que é de quase 30% em alguns estados”, disse Zuanazzi.

O ICMS é definido pelos estados e, atualmente, a cobrança máxima permitida sobre o querosene de aviação é de 25% –caso da porcentagem em São Paulo, justamente o maior mercado e principal ponto de parada das aeronaves no país.

A regulação de mercado também é apontada pela Iata como um empecilho às empresas de baixo custo.

“Alguns governos impõem regulações comerciais que limitam a habilidade das companhias de trabalharem com diferentes modelos de negócio, exigindo, por exemplo, que todas as tarifas sejam reembolsáveis e possam ser trocadas, limitando a cobrança de bagagens e por aí vai”, disse a Iata.

Fator cultural também influencia

A cobrança à parte de itens, como escolha do assento, nem é proibida no Brasil, mas só recentemente passou a aparecer com maior frequência como compras adicionais em troca de uma tarifa promocional.

Ricardo Catanant, superintendente de acompanhamento de serviços aéreos da Anac, disse que há ainda um peso do hábito do consumidor de cada país. “A questão cultural pesa enormemente”, afirmou. Ele menciona que houve tentativas no passado entre as aéreas de enxugarem os serviços nos voos domésticos, como a oferta de lanches gratuitos a bordo. Barrinhas de cereais e opções cobradas entraram no lugar do lanche grátis. As reclamações foram muitas.

“Não é só porque é um recurso possível que a empresa vai lançar mão dele em nome do preço. O mercado está o tempo inteiro buscando a satisfação do consumidor”, disse o superintendente da Anac. “É que, neste momento, com o crescimento que se vê das aéreas de baixo custo no mundo, o consumidor parece estar preferindo preço baixo.”

(Reportagem: Juliana Elias; edição: Armando Pereira Filho)