Com questionário, PCC faz “censo” e avalia comida, atendimento jurídico e de saúde em presídios

  • Maior facção criminosa do país realiza mapeamento do sistema prisional do BrasilMaior facção criminosa do país realiza mapeamento do sistema prisional do Brasil

Flávio Costa e Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

A facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) criou um questionário com 42 perguntas com o objetivo de mapear e obter informações sobre a rotina e a segurança das prisões brasileiras.

Investigadores da Operação Echelon descobriram o mapeamento ao interceptarem um telefonema ocorrido no dia 6 de setembro de 2017 entre o líder do PCC no Paraná, Jaderson Gonçalves, e um interlocutor não identificado.

Conhecido pelos apelidos “Pitter”, “Petter”, “Pedro Henrique”, “Jon Piter” e “Guaíra”, o criminoso está preso e mesmo assim obteve acesso a um celular na Penitenciária Estadual de Piraquara I, localizada na região metropolitana de Curitiba.

A lista de perguntas repassada pelo chefe da facção ao subordinado é abrangente e se assemelha a uma espécie de “censo penitenciário” (leia todas as questões no link acima).

Entre as informações requeridas estão a quantidade de membros (irmãos) e simpatizantes (companheiros) do PCC em cada penitenciária e a quantidade de rivais; a lista do material que é permitido ser enviado pelos familiares; e até avaliações sobre a qualidade da comida e dos atendimentos jurídico e de saúde nas unidades prisionais.

Para o juiz aposentado Wálter Maierovitch, especializado no estudo de organizações criminosas, o questionário criado pelo PCC é uma forma de “estabelecer um controle absoluto das prisões” (veja mais abaixo).

Outras questões referem-se à segurança e rotina dos presídios e o nível de corrupção dos agentes:

É favorável [a entrada] de aparelhos celulares na unidade? Qual o valor?

Tem geral (pente fino) constante na unidade?

Perguntas do “censo penitenciário” do PCC

Reprodução

Chefe do PCC fez mapeamento a partir da Penitenciária Estadual de Piraquara (PR)

PCC quer saber nomes de diretores de presídios

O questionário também inclui informações sobre os nomes dos chefes de segurança e dos diretores das unidades prisionais.

Somente no Paraná, onde foi descoberta a lista de perguntas, o PCC foi responsável pelo assassinato de três agentes penitenciários, entre setembro de 2016 e maio de 2017, de acordo com investigações policiais: um estadual e dois federais.

Autor da denúncia da Operação Echelon, o promotor de justiça Lincoln Gakyia afirma que a posse dessas informações pelo PCC coloca em risco a vida de agentes de segurança e pode facilitar a ocorrência de fugas nas prisões.

“Eles também usam esses dados para pressionar autoridades para que membros do PCC fiquem em prisões sem a presença de membros de facções inimigas, ou vice-versa”, afirma o promotor. Ele é membro do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP-SP (Ministério Público de São Paulo).

Durante as investigações, membros do PCC foram flagrados arquitetando e executando atentados a prédios públicos, como fóruns, em estados como Roraima e Santa Catarina, com o objetivo de pressionar autoridades locais a atenderem suas reivindicações.

DENÚNCIA DO MP MOSTRA EXPANSÃO DO PCC EM PRESÍDIOS

As informações obtidas nas penitenciárias também são usadas pelo PCC para realizar denúncias de maus tratos nas prisões contra o Estado brasileiro em organismos internacionais, a exemplo da CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) e da ONU (Organização das Nações Unidas).

Essa situação foi comprovada pela Operação Ethos, que desvendou o funcionamento da chamada “sintonia das gravatas”, setor formado por advogados cooptados pela facção.

Após analisar o questionário a pedido do UOL, um advogado criminalista com atuação de São Paulo afirmou que o documento mostra não só o grau de periculosidade do PCC como também “o nível de sofisticação” do grupo em relação aos rivais, como o Comando Vermelho.

PCC é uma organização pré-mafiosa, diz magistrado

Wálter Maierovitch afirma que o questionário criado pelo PCC é uma forma de “estabelecer um controle absoluto das prisões”.

Essa é uma das características das organizações mafiosas na Itália, por exemplo. Nas prisões sicilianas, a máfia transformava as prisões onde estavam encarcerados seus líderes em verdadeiros quarteis generais

Wálter Maierovitch, especializado no estudo de organizações criminosas

Para o magistrado, o PCC é um tipo de organização pré-mafiosa, pois sua atuação ainda se restringe aos países que fazem fronteira com o Brasil — Bolívia e Paraguai. Já a máfia é transnacional, ou seja atua para além de suas fronteiras geográficas.

“Foi descoberto, por exemplo, que a (máfia italiana) ‘Ndrangheta atuava na bolsa de Frankfurt, na Alemanha, e controlava uma rede de fast food no mesmo país.”

Maierovitch considera ainda que a facilidade de comunicação à disposição dos chefes do PCC nas penitenciárias indica que existe um acordo entre a facção e organismos do Estado brasileiro.

“Nós ainda não atacamos o que faz o PCC tão poderoso, que é o fluxo financeiro da organização. Enquanto isso não acontecer, o poder da facção será crescente.”

A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Jaderson Gonçalves e telefonou e enviou questionamentos por email desde quarta-feira (18) ao Depen-PR (Departamento Penitenciário do Paraná).

UOL perguntou se o órgão tinha conhecimento da existência do questionário criado pelo PCC e quais medidas foram tomadas sobre o assunto, porém nenhuma resposta foi enviada até o fechamento dessa reportagem.