Em agosto de 2017, após recomendação do então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, os procuradores da “lava jato” se mobilizaram para divulgar trechos de delações premiadas que citassem a Venezuela. Pelo teor das conversas, queriam interferir na situação política do país e contribuir com a oposição ao presidente Nicolás Maduro. “Eles têm direito de se insurgir”, disse Deltan Dallagnol, no dia 5 de agosto de 2017.
É o que mostram mensagens divulgadas neste domingo (7/7) pelo jornal Folha de S.Paulo e pelo site The Intercept Brasil.
Em agosto de 2017, Moro enviou mensagem pelo Telegram ao procurador Deltan Dallagnol. “Talvez seja o caso de tornar pública a delação da Odebrecht sobre propinas na Venezuela”, disse o juiz. “Isso está aqui ou na PGR?”
Em acordos de delação premiada, executivos da empreiteira disseram ter pago propina a agentes públicos de 11 países, incluindo a Venezuela. Contudo, o Supremo Tribunal Federal manteve os depoimentos sob sigilo. O compromisso firmado pela empreiteira com autoridades brasileiras, norte-americanas e suíças determina que as informações só podem ser compartilhadas com investigadores de outros países se eles garantirem que não tomarão medidas contra a companhia e seus executivos.
Ao responder a Moro, Dallagnol disse que os procuradores iriam tentar burlar o acordo e afirmou que estudava mover uma ação por lavagem de dinheiro internacional. “Haverá críticas e um preço, mas vale pagar para expor e contribuir com os venezuelanos”, disse o procurador.
Sergio Moro apontou que estava mais preocupado com a divulgação das informações da Odebrecht do que com uma ação judicial. “Tinha pensado inicialmente em tornar público”, escreveu a Deltan Dallagnol. “Acusação daí vcs tem que estudar viabilidade.”
Em seguida, o procurador explicou a Moro como poderiam divulgar as informações. “Naõ dá para tornar público simplesmente porque violaria acordo, mas dá pra enviar informação espontãnea [à Venezuela] e isso torna provável que em algum lugar no caminho alguém possa tornar público”, disse. “Paralelamente, vamos avaliar se cabe acusação.”
Nos dias seguintes, procuradores discutiram o assunto, ponderando se a divulgação de informação não poderia acirrar os ânimos na Venezuela e até levar a mortes de brasileiros. Contudo, Deltan Dallagnol opinou que objetivos políticos justificavam a iniciativa. “Não vejo como uma questão de efetividade, mas simbólica”, afirmou aos colegas. “O propósito de priorizar [a ação] seria contribuir com a luta de um povo contra a injustiça, revelando fatos e mostrando que se não há responsabilização lá é pq lá há repressão.”
O procurador ressaltou que Sergio Moro avalizava a medida e que o apoio do então juiz era importante para o projeto. “Russo diz que temos que nós aqui estudar a viabilidade. Ou seja, ele considera”, disse no Telegram, adotando o apelido que às vezes usavam para se referir ao juiz.
Nova oportunidade
A destituição da procuradora-geral venezuelana Luisa Ortega Diaz dificultou os planos dos integrantes do Ministério Público Federal. Posteriormente, procuradores brasileiros receberam dois colegas daquele país. As mensagens divulgas por Folha e Intercept mostram que os integrantes do MPF enxergaram a visita dos estrangeiros como uma oportunidade para vazar as informações da Odebrecht.
“Vcs que queriam leakar as coisas da Venezuela, tá aí o momento. A mulher está no Brasil”, escreveu o procurador Paulo Galvão quando a vinda de Ortega a Brasília foi noticiada. Seus colegas ironizaram a mensagem, como se fosse só uma brincadeira. Porém, o vazamento realmente ocorreu.
Ortega publicou em seu site dois vídeos com trechos de depoimentos do ex-diretor da Odebrecht na Venezuela Euzenando Azevedo. Na gravação, ele fala sobre contribuições feitas pela empreiteira para campanhas eleitorais de Maduro. A publicação foi feita em outubro de 2017, algumas semanas após a visita dos dois procuradores venezuelanos a Curitiba.
Advogados da empreiteira questionaram integrantes do MPF sobre o vazamento. O assunto foi discutido no Telegram. O procurador Paulo Galvão apontou que Vladimir Aras ou Orlando Martello poderiam ter sido os responsáveis. “Nos não passamos…”, escreveu Galvão aos colegas. “Só se foi Vlad. Ou Orlando, escondido.” Os dois eram participantes do grupo de mensagens, mas não se manifestaram.
Devido ao episódio, a Odebrecht pediu que ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin abrisse investigação sobre o vazamento. Ele pediu esclarecimentos ao Ministério Público Federal. Em junho de 2019, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que há um inquérito sigiloso na primeira instância da Justiça Federal em Brasília.
Outro lado
Sergio Moro e a força-tarefa da “lava jato” em Curitiba novamente questionaram a autenticidade das mensagens.
“O Ministro da Justiça e da Segurança Pública não reconhece a autenticidade das supostas mensagens obtidas por meios criminosos e que podem ter sido adulteradas total ou parcialmente”, informou sua assessoria de imprensa. “Mesmo se as supostas mensagens citadas na reportagem fossem autênticas, não revelariam qualquer ilegalidade ou conduta antiética, apenas reiterada violação da privacidade de agentes da lei com o objetivo de anular condenações criminais e impedir novas investigações.”
Nessa mesma linha, a assessoria de imprensa do MPF no Paraná disse que “o material apresentado pela reportagem não permite verificar o contexto e a veracidade das mensagens”. “A operação ‘lava jato’ é sustentada com base em provas robustas e em denúncias consistentes, já analisadas por diversas instâncias do Judiciário. Os integrantes da força-tarefa pautam suas ações profissionais e pessoais pela ética e pela legalidade.”
Conjur