O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou nesta sexta-feira (2) que o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, é um “despreparado, desleal e fura teto”, caso tenha sido criticado por Marinho. Guedes, porém, disse não acreditar que o colega de governo tenha dito isso.
“Não acredito que ele [Marinho] tenha falado isso. Mas se falou ele é despreparado, desleal e fura teto”, disse Guedes, em referência ao teto de gastos, mecanismo do governo para controlar as contas públicas.
Marinho participou de uma reunião com pequeno grupo de economistas em São Paulo e, segundo informações do Broadcast, serviço de tempo real da Agência Estado, o ministro do Desenvolvimento Regional teria dito que o relator do Orçamento, senador Márcio Bittar, perdeu a confiança em Guedes após o recuo do ministro da economia na proposta de usar precatórios para o Renda Cidadã.
Além disso, Marinho teria feito reclamações de que a equipe econômica estaria “desgovernada”.
Marinho diz que falas foram distorcidas
Após o episódio da reunião ser noticiado, a assessoria de Marinho divulgou nota afirmando que as falas do ministro teriam chegado a imprensa “de maneira distorcida”.
“Não foram feitas desqualificações ou adjetivações de qualquer natureza contra agentes públicos, nem tampouco às propostas já apresentadas. Quem dissemina informações falsas como essas tem claro interesse em especular no mercado, gerando instabilidade e apostando contra o Brasil”, escreveu a pasta.
Depois da fala de Paulo Guedes, o UOLentrou em contato com a assessoria do Ministério do Desenvolvimento Regional para pedir um novo posicionamento de Marinho, mas o ministro não quis se manifestar.
Governo dividido sobre gastos
Segundo a colunista do UOL, Carla Araújo, aliados de Guedes dizem que o ministro de Desenvolvimento tem defendido o fim do teto de gastos e outras medidas que o ministro da Economia discorda. Guedes é a favor da diminuição dos gastos públicos como forma de acelerar o crescimento da economia.
No centro debate está a forma de financiamento do novo programa social pretendido pelo governo, o Renda Cidadã, para substituir e ampliar o Bolsa Família.
No início da semana, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou a intenção de financiar o programausando recursos da educação, por meio do novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), e de precatórios, que são dívidas da União reconhecidas após decisão definitiva na Justiça.
A intenção, porém, gerou muitas críticas e repercutiu mal no mercado, que encarou a ideia como um calote ou uma pedalada fiscal, e evidenciaria a despreocupação do governo com o controle de gastos públicos.
Diante da oposição, o governo recuou e disse que o programa não seria financiado dessa maneira.
Por Sérgio Rodas
Orlando Diniz pôde manter US$ 250 mil no exterior; Dario Messer recebeu R$ 11 milhões de herança; Alberto Youssef inicialmente receberia R$ 1 milhão para cada R$ 50 milhões recuperados; Antonio Palocci manteve mais da metade de seu patrimônio de R$ 80 milhões.
Os exemplos se sucedem para mostrar que não é mau negócio ser delator na “lava jato”. Os acordos de colaboração premiada do ex-presidente da Fecomércio Orlando Diniz e do doleiro Dario Messer são só os casos mais recentes que atestam que colaboradores seguiram com bens e dinheiro mesmo após confessarem a prática de crimes.
Pelo acordo, Messer não deverá cumprir pena de até 18 anos e 9 meses de prisão — com progressão de regime prevista em lei e regime inicial fechado — e renunciar a 99% do seu patrimônio, estimado em R$ 1 bilhão. Sobrariam R$ 3,5 milhões de uma conta nas Bahamas e um apartamento de R$ 3 milhões no Leblon, totalizando R$ 6,5 milhões.
Porém, em 14 de agosto, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, permitiu que o doleiro recebesse mais R$ 11 milhões da herança de sua mãe. Dessa maneira, ele ficaria com um patrimônio de R$ 17,5 milhões.
Ao portal UOL, o Ministério Público Federal afirmou que a herança é “uma expectativa de direito” e “não foi levada em conta no cálculo do colaborador”. O órgão disse que esses bens são lícitos, pois a mãe dele não foi investigada por crimes. No entanto, em 2018 o MPF pediu o bloqueio da herança, com o argumento de que Messer ocultou valores de crimes por meio de transferências para parentes.
A recuperação do dinheiro de Messer, no entanto, ao menos no volume divulgado, está longe de ser tangível ou garantida. Consultados pela ConJur, especialistas brasileiros e paraguaios — boa parte do valor está no país vizinho — são uníssonos em apontar a complexidade da operação entre os dois países.
Já no caso de Orlando Diniz, o empresário teve direito de manter US$ 250 mil (quantia superior a R$ 1,2 milhão pelo câmbio atual) em uma conta no exterior porque o patrimônio teria origem lícita, segundo o Ministério Público Federal.
Vídeos da delação vazados para a imprensa mostram que Diniz foi dirigido pelos procuradores. Em muitos momentos, é a procuradora Renata Ribeiro Baptista quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar nos anexos.
Outros casos
O segundo acordo de delação premiadafirmado pela “lava jato” foi o do doleiro Alberto Youssef. O compromisso possuía uma “cláusula de performance, que lhe destinava R$ 1 milhão para cada R$ 50 milhões recuperados com sua ajuda.
Responsável pela defesa do ex-presidente Lula, o advogado Cristiano Zanin Martins questionou a cláusula em audiência em 2018. Youssef então declarou que renunciado à cláusula.
No acordo de colaboração premiada que firmou com a Procuradoria-Geral da República, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado teve que pagar uma multa de R$ 75 milhões. Em troca, não ficou nenhum dia na prisão — desde o começo, sua pena pôde ser cumprida em sua mansão em Fortaleza.
Outro que se deu bem foi o lobista Fernando Soares, vulgo Fernando Baiano. Sua pena foi cumprida em uma cobertura de 800 metros quadrados na orla da Barra da Tijuca, bairro nobre na zona oeste do Rio de Janeiro.
Já Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, pôde ficar com R$ 45 milhões de seu patrimônio de R$ 80 milhões em termo de cooperação firmado com a Polícia Federal.
A delação de Palocci é repleta de inconsistências. A peça central do acordo não existe. O contrato que ele disse ter sido feito com a empreiteira Camargo Correa para “comprar” uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, na verdade, era com outra empresa: o Grupo Pão de Açúcar. Branislav Kontic, ex-assessor Palocci, disse que o ex-ministro o pressionoupara confirmar “ficções de sua delação”.
Pelo menos três inquéritos abertos com base na delação de Palocci foram arquivados por falta de provas. Em agosto, a Polícia Federal encerrou investigação que trata de acusações em torno do Fundo Bintang — que envolvia pessoas como Lula, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e André Esteves (BTG), entre outros. Conforme a PF, os únicos elementos de corroboração da colaboração de Palocci são notícias de jornais que, na coleta de provas, não se confirmaram.
Outro inquérito que também falava do BTG e um sobre o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto também foram arquivados pelo mesmo motivo. Também em agosto, o Supremo Tribunal Federal anulou acusações produzidas em conjunto por Palocci e pelo ex-juiz Sergio Moro às vésperas da eleição presidencial de 2018, em ação penal contra Lula.
Propagandeada pela imprensa em 2016 como a “delação do fim do mundo”, as colaborações da Odebrecht envolveram 79 executivos. De acordo com reportagem do UOL, cada um recebeu R$ 15 milhões pelo compromisso. E a maioria deles seguiu sua carreira normalmente, seja abrindo negócios, seja atuando em outras empresas, seja prestando consultoria. Diversos delatores da Odebrecht não foram condenados ainda nem começaram a cumprir pena.
Em maio, a defesa de Lula apresentoudocumentos que apontam que Odebrecht pagou delatores. Os documentos foram apresentados pela construtora em processos contra Marcelo Odebrecht. Entre eles, está uma planilha segundo a qual ex-executivos e colaboradores da Odebrecht receberiam por até nove anos valores da empresa sem qualquer tipo de prestação de serviço após a celebração dos acordos de delação premiada.
Conforme a defesa do petista, os documentos provam que a empreiteira pagou pelas “delações premiadas e pelo conteúdo que elas veicularam para tentar incriminar o ex-presidente Lula”. Da planilha apresentada constam apenas beneficiários que fecharam acordos de colaboração com auxílio da empresa.
Decisão é do juiz
No julgamento em que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que polícias podem firmar acordo de delação premiada, o ministro Marco Aurélio, relator do caso, ressaltou que, independentemente do que seja estabelecido em acordo de delação premiada, a palavra final sobre a concessão dos benefícios é do juiz.
“Os benefícios que tenham sido ajustados não obrigam o órgão julgador, devendo ser reconhecida, na cláusula que os retrata, inspiração, presente a eficácia da delação no esclarecimento da prática delituosa, para o juiz atuar, mantendo a higidez desse instituto que, na quadra atual, tem-se mostrado importantíssimo. Longe fica o julgador de estar atrelado à dicção do Ministério Público, como se concentrasse — e toda concentração é perniciosa — a arte de proceder na persecução criminal, na titularidade da ação penal e, também, o julgamento, embora parte nessa mesma ação penal”.
Acordos ilegais
Os acordos de delação premiada firmados na operação “lava jato” possuem cláusulas que violam dispositivos da Constituição — incluindo direitos e garantias fundamentais —, do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984). Isto é o que apontou levantamento feito pela revista Consultor Jurídico.
Em parecer, os professores da Universidade de Coimbra José Joaquim Gomes Canotilho e Nuno Brandão afirmaram que os acordos de delação premiada firmados pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Youssef na operação “lava jato” são ostensivamente ilegais e inconstitucionais.
Segundo eles, acordos de delação premiada não podem prometer redução da pena em patamar não previsto na Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), nem oferecer regimes de cumprimento dela que não existem nas leis penais. Caso contrário, haverá violação aos princípios da separação de poderes e da legalidade. Também por isso, esses compromissos só alcançam delitos tipificados por tal norma, e não isentam o Ministério Público de deixar de investigar ou denunciar atos praticados pelo delator.