Em 11 de agosto, a Rússia trouxe esperança ao mundo com um anúncio bombástico – o presidente Vladimir Putin, de sua residência nos arredores de Moscou, revelou o que disse ser a primeira vacina contra o novo coronavírus registrada no planeta, destinada a aproximar a Rússia do fim da devastadora pandemia.
Putin, que é famoso por manter segredo sobre sua família, disse que uma de suas filhas já havia sido vacinada como parte dos testes iniciais e se sentiu “bem” para reforçar as alegações de segurança da vacina.
Agora, com a segunda onda de Covid-19 chegando ao país – com um número recorde de novas infecções e mortes – a vacina, chamada Sputnik V, está longe de estar amplamente disponível para o público em geral.
A Rússia ultrapassou um marco sombrio de 1,5 milhão de casos e pelo menos 26.269 mortes, embora especialistas já tenham levantado dúvidas sobre os métodos de contagem russos.
Atraso nas evidências
A Rússia aprovou a vacina depois de experimentá-la em várias dezenas de indivíduos em um estudo não cego (sem envolver placebos) e antes dos testes de fase 3, que são fundamentais para estabelecer a segurança e eficácia de um, imunizante. A falta de evidências trouxe ceticismo da comunidade internacional e acusações de que a Rússia poderia ter se precipitado.
Alexander Gintsburg, chefe do Instituto Gamaleya, que desenvolveu a vacina, disse à CNN em uma entrevista exclusiva na semana passada no Valdai Discussion Club – um think tank com sede em Moscou frequentado por Putin – que 17.000 pessoas participaram dos testes de fase 3, mas reconheceu que apenas 6.000 até agora receberam as duas doses necessárias para completar a vacinação.
A vacina é indicada para uso em pessoas de 18 a 60 anos, de acordo com suas instruções, uma vez que não foram realizados ensaios em grande escala em outras faixas etárias. Apesar disso, Gintsburg disse que pessoas com mais de 60 anos ainda reagiriam bem.
Especialistas internacionais em virologia lançam dúvidas sobre as alegações russas de segurança comprovada.
“As pessoas que foram imunizadas com esta vacina não saberão se estarão protegidas ou desenvolverão uma doença grave até que encontrem o vírus”, disse Konstantin Chumakov, um importante virologista da Global Virus Network, em uma entrevista à CNN.
“E para fazer isso, você precisa imunizar muitas pessoas e apenas esperar até que sejam infectadas e ver se terão uma incidência menor ou se terão uma doença mais grave. Não há simplesmente nada que possa substituir os ensaios clínicos”.
Em comparação, em 26 de outubro, a BioNTech-Pfizer relatou que havia inscrito 42.113 participantes de um potencial de 44.000 no ensaio de fase 3 nos Estados Unidos para sua vacina em testes, com 35.771 pessoas tendo recebido suas segundas doses.
A Moderna, a primeira empresa a iniciar os testes clínicos de fase 3 nos Estados Unidos de uma vacina contra a Covid-19, disse quinta-feira que 25.650 voluntários já receberam a segunda injeção, de cerca de 30.000 participantes inscritos.
A vacina russa “está provavelmente dois a três meses atrasada”, disse Chumakov. “A Moderna e a Pfizer basicamente terminaram de inscrever os pacientes e agora estão em fase de observação para avaliar a incidência da doença em indivíduos com placebo e imunizados.”
O rápido desenvolvimento e aprovação do Sputnik V, explica o Instituto Gamaleya, foi possível porque é baseado em dois de seus desenvolvimentos anteriores: vacinas para Ebola e MERS, a Síndrome Respiratória do Oriente Médio. A vacina contra o Ebola, Gintsburg disse anteriormente, foi aprovada para testes na Guiné em apenas 2.000 pessoas.
Chumakov observa que nenhuma dessas vacinas foi totalmente autorizada por organismos internacionais ou testada o suficiente para dizer que é eficaz e segura, e a vacina russa de Ebola foi testada na Guiné apenas após o surto.
“Neste instituto em particular, eles desenvolveram vários protótipos de vacinas, eu não as chamaria de vacinas”, disse Chumakov. “Não acho que esse instituto tenha desenvolvido uma vacina nos últimos 30 anos. Eles são muito bons no desenvolvimento de protótipos, mas não acredito que eles tenham qualquer experiência em trazer produtos para o mercado”.
Desafios de produção
As estimativas da própria Rússia sobre sua capacidade de produzir a vacina em massa variam muito, dependendo de para quem você perguntar.
Em julho, o chefe do Fundo de Investimento Direto da Rússia, Kirill Dmitriev, disse que o fundo soberano planeja produzir mais de 30 milhões de doses até o final de 2020. Mas o ministro do Comércio e da Indústria do país, Denis Manturov, afirmou no início deste mês que esses números são “impossíveis”.
“Ter 30 milhões de doses até o final do ano é impossível, é um absurdo”, disse Manturov em entrevista à Bloomberg TV.
O Ministério da Indústria e Comércio não forneceu à CNN o número exato de quantas doses foram feitas até agora, mas disse que a meta é aumentar a produção para 300 mil doses até o final de outubro e 2,3 milhões até o final do ano.
Gintsburg disse à CNN que a Rússia poderia produzir cerca de 5 milhões de doses por mês até dezembro, o que, segundo ele, permitiria obter injeções suficientes para vacinar 70% da população russa em cerca de um ano.
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