O parlamento e a renúncia de Jânio, por Aluízio Lacerda

Aluízio Lacerda*

Quantos dos leitores desta prosa sabática vão às ruas, amanhã, protestar contra Dilma, Lula e o PT, o partido que está no poder desde janeiro de 2003?    A oposição que mostra a cara vai direto ao ponto: o PPS de Roberto Freire, pernambucano eleito deputado por São Paulo, sugere a renúncia da presidente Dilma. O DEM do senador Ronaldo Caiado quer novas eleições. E o PSDB, pela voz do potiguar Rogério Marinho, prega uma saída parlamentarista. Enfim, o desejo comum a todas as oposições é o impedimento da presidente da República.

Há uma certa curiosidade em torno da proposta do neto de Djalma Marinho:  parlamentarismo à moda de 1961? Há 54 anos, o Congresso Nacional aprovou o regime parlamentarista de governo. Que durou 17 meses. Nesse período foram formados três gabinetes, na média de um a cada semestre. O Brasil parou literalmente. Tempo consumido com troca-troca de ministros.

Na verdade, a mudança de regime adiou o golpe. No vácuo da renúncia de Jânio Quadros assumiu o vice, Jango Goulart, derrubado lá adiante pelos milicos, liderados pelos tenentes de 1930. Antes do golpe de 64, em janeiro de 1963 um plebiscito decretou a volta do presidencialismo com o voto de mais de 80% dos eleitores.

É oportuno registrar também que, no ano seguinte, derrubaram Jango quando o petebista batia recordes de popularidade (mais de 90%, segundo o Ibope).   Passados 54 anos ainda cabe a pergunta: quem derrubou o maluco Jânio da Silva Quadros? Os tenentes de 1930? A renúncia do presidente eleito de forma espetacular (5,6 milhões de votos, maior votação até então obtida no Brasil) frustrou a banda de música da velha UDN, que tanto lutou para enterrar Vargas e JK. Ganhou com Jânio, mas não levou. Jânio evitou dividir o governo com o parlamento.

A mesma precária obra de engenharia política teria chances de ser executada em 2015? Quais são as inquietações de agora? O Congresso Nacional dos dias atuais conta com a mesma qualidade das lideranças de 1963? É evidente que não.    Os parlamentaristas de 1961 eram os mesmos que sustentavam o movimento desde 1946, quando o gaúcho Raul Pilla apresentou a proposta ao parlamento.

O primeiro chefe de gabinete parlamentarista foi Tancredo Neves, um negociador, um pacifista, mas suportou apenas nove meses no cargo.    Na realidade, quem adiou o golpe militar concretizado em 64 foi o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, utilizando-se de uma cadeia de rádio (Campanha da Legalidade), metralhadora e microfone na mão.

Foram dias tensos e agitados:    “Não nos submeteremos a nenhum golpe. Que nos esmaguem. Que nos destruam. Que nos chacinem nesse Palácio. Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo (…). Resistiremos até o fim. A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Podem atirar. Que decolem os jatos. Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo. Um dia, nossos filhos e irmãos farão a independência de nosso povo”, bradava um desassombrado Leonel de Moura Brizola.     A indignação seletiva confunde os eleitores.

Os indignados do Século XXI são liderados pelos que perderam as eleições de 2002, 2006, 2010 e, principalmente, 2014? Não necessariamente. Há 12 anos no poder há decepções com estamentos do PT.

O país é outro; as ferramentas da corrupção, também. Com uma diferença: as instituições funcionam e o combate aos corruptos e corruptores haverá de ser permanente, pois governo e oposição (os atores políticos) já não controlam todos os meios de informação. E a liberdade de expressão é total, absoluta.   A única questão a merecer reparos é a indignação seletiva.

Como a presidente Dilma não abre o bico ou não tem condições de declinar que tipo de chantagem é vítima, toda a ira volta-se contra ela e o seu partido. O mundo todo acompanha a faxina executada pelo Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário. Só não compreende por que os indignados poupam os presidentes das duas Casas do Congresso Nacional.

O eleitor não é idiota, embora há quem tire proveito da “era da vídeopolítica”, onde o que importa não é a racionalidade da argumentação, mas as intervenções espetaculares.

É só observar o que acontece nos Estados Unidos, onde o histriônico Donald Trump tornou-se de uma hora para outra o ícone midiático das eleições presidenciais. Bilionário, mas sem méritos políticos e pessoais, burilando “um cocktail de opiniões simplistas”, repleto de grosserias dirigidas a um público que deseja exatamente “um personagem dessa laia para representá-los”, definiu esta semana o professor Álvaro Cuadra, da Universidade Central do Equador, em artigo publicado na imprensa do México.

Fórmula que não é nova. Há muita gente usando espantalhos à moda Goebbels nas redes sociais: “Toda propaganda deve ser popular, adaptando o seu nível ao menos inteligente dos indivíduos a quem é dirigida. Quanto maior a massa para convencer menor deve ser o esforço mental necessário. A capacidade receptiva das massas é limitada e sua compreensão escassa; eles também têm grande facilidade para esquecer. Afinal de contas, se uma mentira é repetida o suficiente, acaba por converter-se em verdade”.

Aqui bem próximo, o saudoso poeta de Guarabira, ex-governador, ex-senador Ronaldo Cunha Lima assim definia (em versos) os poderes da República:   “No Brasil os três poderes/ limitam os seus deveres/ a coisas bem singulares:/ a justiça a liminares/ com medidas provisórias/ e o Congresso faz história/ com denúncias.

* jornalista, escritor e professor universitário

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