Em discordância com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, a maioria dos ministros da Corte sinalizou que pretende retirar a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, do julgamento sobre a necessidade de autorização judicial para o compartilhamento de dados sigilosos entre órgãos de controle e o Ministério Público. Logo, o debate deve ficar restrito, apenas, à necessidade de anuência de um juiz para que investigadores tenham acesso a informações da Receita Federal. Paralisado nesta quinta-feira, 21, após dois votos, o julgamento deve ser retomado quarta-feira.
Caso essa posição seja confirmada, volta a correr a investigação sobre um suposto esquema de “rachadinha” – quando funcionários de um gabinete devolvem parte do salário para o político – que envolve o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) e de seu ex-assessor Fabrício Queiroz, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A investigação teve início depois que o antigo Coaf comunicou o Ministério Público (MP-RJ) sobre movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz – o caso foi revelado pelo Estado.
Os ministros argumentam que o julgamento deve excluir a UIF e ficar restrito à Receita porque o caso examinado é um processo de sonegação fiscal envolvendo donos de um posto de gasolina em Americana (SP). A defesa dos empresários acusa a Receita de extrapolar suas funções ao passar dados sigilosos sem aval da Justiça.
O processo ganhou repercussão geral, ou seja, o entendimento do Supremo deve ser aplicado para outros casos nos diversos tribunais do País. Toffoli, no entanto, resolveu colocar também em discussão o compartilhamento de dados da UIF.
Para o procurador-geral da República, Augusto Aras, Toffoli ampliou o escopo do caso levado a julgamento, incluindo também a UIF, quando a discussão inicial tratava apenas da Receita. Foi nesse processo que o presidente do Supremo suspendeu, em julho, todos os procedimentos de investigação apoiados em dados fiscais e bancários compartilhados sem o aval prévio da Justiça, o que beneficiou Flávio.
“Eu tenho muita dificuldade em enfrentar esse tema (UIF), que não foi suscitado em nenhum momento nesse RE (recurso extraordinário)”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, na sessão desta quinta.
A ministra Rosa Weber reforçou a posição do colega, ao afirmar que tem “perplexidade” em discutir, nesse processo sobre Receita, a atuação do antigo Coaf. “Pelo visto ele só surgiu aqui em sede extraordinária. Não se diz uma linha a respeito (da UIF no caso)”, observou.
Na avaliação do ministro Marco Aurélio Mello, a maioria do tribunal deve se posicionar contra a ideia de se debruçar sobre a atuação da UIF no compartilhamento de informações. “Não vamos tirar o que não está. Não vamos é incluí-lo. Não faz (sentido). Cada dificuldade em seu dia”, disse o ministro a jornalistas, depois da sessão.
Divergência. Até agora, votaram apenas os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Ambos trataram tanto da Receita quanto da UIF, embora tenham divergido. Como o julgamento só será retomado na próxima quarta-feira, Toffoli conta com o tempo para tentar convencer os colegas.
No único voto desta quinta, Moraes não acompanhou propostas feitas por Toffoli para restringir compartilhamentos de informações fiscais e bancárias por parte da Receita e da UIF com o Ministério Público Federal.
Moraes votou que a Receita não pode ser privada de encaminhar ao MPF dados que são importantes para a deflagração de investigações criminais. Segundo o ministro, não faz sentido, portanto, impedir o envio de dados fiscais detalhados quando há indício de crime. O presidente do STF havia proposto que o Fisco não pode encaminhar ao Ministério Público dados detalhados de Imposto de Renda e extrato bancário.
Toffoli havia estabelecido, também, que a UIF não pode enviar ao MPF relatórios de inteligência financeira (RIFs) contra “cidadãos sem alerta já emitido de ofício pela unidade de inteligência ou sem qualquer procedimento investigativo formal”.
Estadão Conteúdo