Em uma ação por danos morais, candidata à ação frívola do ano, um milionário processou a ex-namorada por término de namoro, em um tribunal de Los Angeles. Mas há mais uma surpresa, em busca de explicação: ele é representado na ação por um dos sócios de um grande escritório de advocacia – não por outra alma solitária. Entrevistado, o advogado se recusou a explicar por que aceitou a causa.
O advogado Kevin Dwight, sócio da banca Manatt Phelps & Phillips, especializada em casos complexos de contencioso comercial, representa o milionário Syed Husain, que está processando a ex-namorada Elina Todorov por “quebra de contrato”. Husain alega que ela havia prometido dar uma chance ao namoro por um ano, antes de decidir se ficava com ele ou não. Mas terminou o namoro alguns meses depois.
Na ação, Husain alega, além da “quebra de contrato”, imposição intencional de sofrimento emocional, enriquecimento ilícito e “fraude promissória” (promissory fraud), que é uma promessa feita por um(a) prometedor(a) que não tinha intenção de cumpri-la, na época em que foi feita. Husain pede uma indenização de US$ 225 mil por danos.
Sob a acusação de enriquecimento ilícito, é fato que Husain paparicou Elina com presentes caros. Na ação, seu advogado explicou que durante 14 anos, seu cliente gastou centenas de milhares de dólares com a ré. Ele pagou por joias finas, bolsas de grife, roupas da moda, viagens à Europa, estada em hotéis de luxo e refeições em restaurantes caros.
Na versão de Husain, conforme o relacionamento evoluiu, Elina costumava desaparecer por longos períodos de tempo. Mas ela apareceria, quando recebia um convite para uma viagem, para um jantar em um restaurante sofisticado ou para outras atividades que levavam o autor da ação a gastar somas substanciais de dinheiro. Ultimamente, “o autor começou a sentir que a ré estava tirando vantagem de sua generosidade e amizade”, diz a petição.
Curiosamente, Hussein não pede que Elina lhe devolva nada. Ela chegou a lhe propor, por e-mail, a devolução das joias, bolsas e roupas – não podia devolver os jantares e viagens. Mas Husain recusou a oferta. Pelo que sugerem os e-mails que enviou a Elina, Husain quer que ela pague por seu coração partido. Que ela aprenda uma lição sobre a dureza do sofrimento e de ficar quebrada financeiramente. Nos e-mails, ele escreveu:
“Elina, uma ação judicial irá abrir a porta para muitas coisas, incluindo depoimentos de todos os seus ex-namorados, que meu advogado planeja intimar para demonstrar seu padrão de comportamento”.
“Irá envolver um longo depoimento de sua parte, que requer, por lei, que você fale sobre assuntos muito particulares, em relação a mim e a outros, que se tornarão públicos. Muitas coisas que você não gostaria que o público soubesse, porque você dá valor a sua privacidade, vão aparecer. Eu não desejo isso para você, mas você tem de entender que é melhor nos sentarmos e conversar.”
“A defesa será muito custosa. Você quer realmente gastar dezenas de milhares de dólares em vez de gastar algum tempo para sentar comigo e discutir o que está nos incomodando? Eu insisto que você reserve algum tempo para conversar comigo.”
Husain realmente tratou de tornar a ação custosa. Ele moveu a ação em Los Angeles, em vez de em São Francisco, onde Elina mora e trabalha. Husain também vive na área da Baía de São Francisco, em uma mansão avaliada em US$ 3,5 milhões. A distância entre as duas cidades é de 615 quilômetros.
O advogado autônomo Joshua Davis, que representa Elina, ainda não apresentou uma defesa, mas peticionou a transferência do caso de Los Angeles para São Francisco. Husain alega que moveu a ação em Los Angeles, porque o “contrato” de relacionamento entre os dois foi “celebrado” em Santa Mônica (25 quilômetros de Los Angeles). E não escondeu que queria tornar a disputa judicial mais dura para ela. A petição do autor conta a história.
“Por volta de junho de 2016, o autor e a ré se encontraram em um jantar. Durante o jantar, o autor expressou à réu sua frustração em relação aos frequentes desaparecimentos da ré. A ré reconheceu o problema e, após alguma discussão, concordou que deveria manter o relacionamento com o autor, sem desaparecer, sem ficar em silêncio ou terminar o relacionamento. O autor documentou o acordo com a ré com uma foto de aperto de mão entre os dois.”
“Infelizmente, a ré deixou regularmente de cumprir o acordo. Em 2018, Elina pediu a Husain uma bolsa Chanel (US$ 5,146 à época) e um bracelete. Husain disse que sim, mas apenas se ela garantisse que daria ao relacionamento um esforço honesto de pelo menos um ano. Após um ano, eles discutiriam se deveriam assumir um compromisso ou se deveriam terminar o relacionamento. Mas nenhuma decisão poderia, em nenhuma circunstância, ser tomada antes de vencido um ano”.
Meses depois, ela terminou um relacionamento “muito próximo”, nas palavras de Husain, que durou 14 anos. Mas na verdade, eles nunca moraram juntos, nunca assumiram um compromisso (como de noivado) e namoraram apenas 4 meses, nas palavras de Elina. Eles se conheceram na Universidade da Califórnia em Berkeley, onde Elina se formou em engenharia química e engenharia de materiais.
Legislação
Apesar de se recusar a explicar por que aceitou a causa, perguntado se havia precedentes para sustentar o caso, o advogado de Husain mencionou apenas o caso Marvin versus Marvin, de 1976, julgado pelo Tribunal Superior da Califórnia, que envolveu a execução de um contrato entre namorados que viveram juntos por sete anos, e tiveram uma disputa sobre propriedade e pagamento de pensão depois que se separaram.
Como muitos estados dos EUA, a Califórnia tem uma lei antiga, chamada de “antibálsamo para o coração” (“anti-heart balm”). A lei estabelece “uma “política pública contra litígio sobre assuntos do coração”, diz uma decisão de 1994 de um tribunal federal de recursos na Flórida. “A lei proíbe obviamente ações judiciais por danos por quebra de contrato, em caso de rompimento de compromisso, que causaram dor emocional”, diz a decisão.
“Claramente, essas leis não apenas impedem certas causas de ação à moda antiga, mas também incorporam uma relutância básica por parte do legislativo e do judiciário de permitir indenização por promessa de amor. Essa relutância deriva, sem dúvida, da simples impropriedade de pleitear em juízo matérias delicadas de emoção romântica ou sexual”.
O advogado de Husain antecipou esse problema, escrevendo na petição que a lei “antibálsamo para o coração” não se aplica porque não havia promessa de casamento. “Qualquer referência a tais leis é irrelevante e parece não ser nada mais do que uma tentativa de tentar persuadir a corte de que esta é alguma espécie de ação frívola.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.