Defesa de políticos e empreiteiros investigados na operação acreditam que há grande chance de os acordos de delações serem considerados ilícitos, inviabilizando a condenação dos acusados
POR GABRIELA SALCEDO
A Operação Lava Jato, que já entrou para a história como uma das maiores (senão a maior) investigações de corrupção realizadas no Brasil, poderá perder um dos seus principais mecanismos de apuração: a delação premiada. É nisso que apostam os advogados de defesa dos políticos, empresários e executivos acusados de participar do esquema que sangrou a Petrobras em bilhões de reais. Eles encaram como trunfo a forma como as delações estão sendo conduzidas.
O atual advogado dos senadores Edison Lobão (PMDB-MA), Ciro Nogueira (PP-PI) e Romero Jucá (PMDB-RR) e da ex-governadora (PMDB-MA) Roseana Sarney, Antônio Carlos de Almeida Castro, desistiu de defender uma das peças-chaves da operação, o doleiro Alberto Youssef, quando ele optou por fazer o acordo de delação premiada.
Sonho de cliente para maior parte dos advogados criminalistas do país, Youssef deixou de ser uma boa defesa para Antônio Carlos. Revogar a causa do doleiro teve duas motivações: “Primeiro, sou contra a forma em que com que se faz delação no Brasil e, depois, porque eu sabia que ele ia falar contra uma série de clientes e ex-clientes meus”.
Para o advogado, também conhecido como “resolvedor-geral da República” por já ter defendido quase uma centena de políticos da esfera federal, as delações devem ser anuladas. “A forma com que esses acordos estão sendo usados, em que há uma séria pressão para as pessoas fazerem a delação, além de usá-las como provas produzidas independentemente de qualquer investigação, levará fatalmente à anulação da maioria das delações”, prevê o advogado, que é mais conhecido como Kakay.
De acordo com o criminalista, as colaborações estão sendo acordadas sem “nenhuma voluntariedade” e com diversos “abusos”. “Temos o caso de um procurador da República que admitiu que a prisão era usada para forçar a delação. Só isso daí já leva a anulação”, diz Kakay.
Último recurso
O advogado Pierpaollo Bottini, que defende o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o executivo da Camargo Corrêa Danton Avancini, é mais cuidadoso ao falar sobre o assunto. “Eu acho que tem delações que foram oportunas, adequadas e outras que talvez não tenham sido. A prisão não é um instrumento para obter uma delação, ela não pode ser usada dessa forma, de maneira alguma. Se for constatado que a prisão aconteceu única e exclusivamente para obter delação, ai ela é ilegal, ilegítima”, afirma ele.
Danton Avancini, cliente de Pierpaollo Bottini, é um dos acusados que optaram por colaborar com as investigações. Condenado – na semana que passou – a 15 anos de reclusão por lavagem de dinheiro, corrupção passiva e organização criminosa, o executivo teve sua pena reduzida e alterada para prisão domiciliar por ter feito delação premiada.
Na opinião do advogado dele, o instituto é legítimo, mas adotá-lo é uma decisão muito difícil. Como certamente submete o delator a uma pena, já que ele se auto incrimina, só deve ser usado como último recurso.
Pierpaollo Bottini, que também atuou nas defesa de réus do mensalão, lembra que no caso julgado em 2012, o Ministério Público não fez uso do mecanismo. Para ele, as razões disso eram as “fortes evidências” obtidas nas investigações. Na Operação Lava Jato, já são 18 delatores. “O número é maior, mas o grau de provas é muito menor que no mensalão”, acredita ele.
O que os advogados dos acusados do petrolão questionam é justamente como os indícios e provas estão sendo obtidos. No entendimento de Kakay, os depoimentos que resultaram de delações premiadas não podem ser usados como provas. Já para Bottini, sempre há o risco de que a obtenção das evidências seja feita de maneira ilegal.
“Se eu descubro que evidências contra o meu cliente foram obtidas de maneira ilegal, por uma escuta telefônica ilegal, por exemplo, posso romper o acordo e recorrer alegando que o processo deve ser anulado”, exemplifica.
Se for comprovado que determinada prova da investigação (por exemplo, uma delação) possui origem ilícita, tudo que dela derivar também será considerado ilícito. “Tem alegações relevantes que alguns advogados estão levantando e que podem eventualmente conduzir a consequências processuais. Diante disso, nós optamos pela colaboração. Mas, certamente, se o processo foi anulado, isso afeta também meu cliente, que deixa de cumprir a pena”, analisa Bottini.
Para OAB, tática é “tortura”
Sem qualquer cliente envolvido na investigação que domina a pauta política nacional há vários meses, o procurador-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Pedro Paulo de Medeiros, também discorda da condução dos acordos premiados. Segundo ele, as delações são análogas aos procedimentos de investigação recorridos na época medieval e durante a ditadura militar no Brasil.
“O jeito que está sendo feito é a própria tortura. Uma tortura moderna. Na época da inquisição e do regime militar, eles faziam exatamente isso. Pegavam um cara, prendiam e ele só saia depois que falasse o que queriam ouvir”, disse ele.
Na opinião de Pedro Paulo, os delatores são alvo de coação cívica, psíquica e moral, além de privados da liberdade, para se sentirem obrigados a colaborar. Com isso, segundo o advogado, os acusados são cerceados do direito constitucional do silêncio e da não incriminação.
“O produto obtido com as delações pode ser anulado em razão da forma como se deu a delação, ou seja, com essa coação e com essa tortura modernizada. Não há dúvida de que é algo a ser analisado. Há uma razoabilidade em quem pensa nesse sentido”, aponta Medeiros.
O Ministério Público Federal do Paraná foi procurado pela reportagem, para se manifestar sobre as críticas dos advogados, mas não respondeu à solicitação até a publicação desta reportagem