Agenda de ministro privilegia ruralistas e alvos da Lava Jato

Em 55 dias, Serraglio teve cem audiências políticos e nenhum encontro com representantes indígenas

CAMILA MATTOSO
RANIER BRAGON
DE BRASÍLIA

Ligado ao agronegócio, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB), teve sua agenda dominada por ruralistas e alvos da Lava Jato em seus 55 dias de mandato.

Foram cem audiências com integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária e com políticos investigados. Não houve nenhum encontro com representantes indígenas.

Além de ter a Funai (Fundação Nacional do Índio) como subordinada, a pasta tem papel decisivo no processo de demarcação de terras, reivindicação que se intensificou no governo de Michel Temer e tem provocado conflitos nas últimas semanas. Os ruralistas são adversários históricos dos índios em conflitos agrários.

Segundo levantamento feito pela Folha, dos 305 encontros oficiais marcados, 82 foram com ruralistas e 18 foram com deputados e senadores que entraram na lista do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo.

Na última terça (25), quando policiais e índios entraram em confronto durante protesto em frente ao Congresso, Serraglio recebeu dois ruralistas, segundo sua agenda, além do senador Fernando Collor (PTC-AL), um dos alvos do Ministério Público.

Os manifestantes pediam a retomada das demarcações de terras indígenas e a saída do peemedebista do cargo.

Poucos minutos depois de o conflito acabar, o ministro chegou a ir à Câmara para se encontrar com deputados da bancada ruralista.

Na quinta (27), lideranças indígenas foram ao Ministério da Justiça entregar suas reivindicações. A assessoria da pasta afirmou que Serraglio e o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) estavam lá para receber os representantes, que recusaram o encontro.

“Não vamos sentar nem com Padilha nem com o ministro da Justiça. Eles queriam nos dar cafezinho e água. Não queremos cafezinho, mas sim a demarcação das terras. Não vamos legitimar um governo que está massacrando nosso povo. Esse ministro da Justiça age em nome dos ruralistas”, disse Kretã Kaingang, integrante da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin).

No Dia do Índio, 19 de abril, Serraglio teve 11 compromissos, dos quais cinco foram com ruralistas.

Em entrevista à Folha logo que assumiu, o ministro criticou indigenistas e disse que os envolvidos em conflitos no campo deveriam parar com a discussão sobre terras, que segundo ele “não enche barriga de ninguém”.

Cerca de 30% das doações de campanha de Serraglio em 2014 foram de empresas ligadas ao campo. Ele foi relator da PEC 215, uma proposta de emenda à Constituição que altera o sistema de demarcação de terras indígenas.

OUTRO LADO

A assessoria de Serraglio disse que “não houve solicitação de lideranças indígenas para audiências com o ministro”, mas que “vários grupos foram atendidos pela Assessoria Especial do Ministério da Justiça e pela Funai”.

A pasta disse ainda que Serraglio trata “constantemente” com o presidente da Funai sobre os assuntos debatidos com as lideranças indígenas.

O ministro respondeu que os encontros com ruralistas “são relativos a diversos temas, como pleitos de doações de equipamentos, destinação de emendas parlamentares para a área de segurança, convênio com a Força Nacional, construção de presídios (…), entre outros. Os pleitos que são exequíveis estão ou serão atendidos”.

Serraglio afirmou também que “jamais houve qualquer tratativa a respeito [da Operação Lava Jato]”.