BELO HORIZONTE e SÃO PAULO/FOLHA DE SÃO PAULO
A pedradas ou na base do convencimento, caminhoneiros enfileiraram seus veículos em estradas de todo o país para pressionar pela redução do diesel, promover churrascos e até pedir intervenção militar.
Na semana passada, homens que causaram a escassez de alimentos e combustíveis bloquearam parcialmente rodovias como Régis Bittencourt, Dutra e Fernão Dias, percorridas pela reportagem.
Manifestantes de pouco mais de 20 anos ou na casa dos 65, em uma mobilização difusa, eles reclamavam de custos e de tudo. “Aqui a gente corre risco de vida, fica até sete meses longe da família e ainda tem que pagar para trabalhar?”, questionou o motorista Valdivino Fonseca, 65, em um dos pontos de manifestação na Via Dutra, na quinta-feira (24), em Jacareí (SP).
De acordo com um de seus colegas, que não quis se identificar, um frete de Santa Catarina ao Rio custa em torno de R$ 5.000, mas a viagem consome R$ 1.200, e o combustível, mais R$ 4.180.
Com o dinheiro no limite, segundo relatos, os motoristas se aglomeraram nas estradas e se solidarizaram uns com os outros. Na tarde de quinta, entre doações recebidas e vaquinhas para comprar alimentos, improvisaram uma galinhada.
Do analógico ao digital, conectavam-se pelos velhos rádios, como de costume para Fonseca, ou pelos ágeis smartphones com WhatsApp, no caso de Ricardo Pitsch, 23.
Uma paixão entre ambos: a profissão ao volante.
Pitsch até tatuou duas carretas nas costas, mas não deixa de lamentar sua rotina.
“Quando a gente fecha a porta do caminhão de noite para dormir, a gente chora, viu? É muito problema, muita solidão”, disse o jovem.
Apesar disso, há também momentos de confraternização entre esses homens.
Ainda não havia escurecido quando uma churrasqueira improvisada foi colocada ao lado do posto Rodoanel Sul, na Régis, na sexta-feira (25), para garantir o jantar de manifestantes.
Os 70 quilos de carne —incluída a linguiça suína— e os 300 pães foram doados pelo dono do posto, Joaquim Almeida, que apoia a paralisação, segundo o gerente, Leandro Duarte. O valor total foi de R$ 1.500.
“Ele quis fazer a parte dele. Ele também é a favor de baixar o valor [do combustível]”, disse Duarte. Na bomba do posto em Embu das Artes (SP), o litro de diesel custa R$ 3,98.
Alguns caminhoneiros se voluntariaram para ajudar a montar os sanduíches com linguiça —e distribuir.
A maioria dos manifestantes afirmou não haver lideranças, mas havia uma organização.
Tem quem pode e tem quem não pode passar, por exemplo. Só foram liberados os caminhões que levavam animais, produtos perecíveis ou remédios.
Existe até revezamento, contou o caminhoneiro autônomo William Batista, 32.
Ele afirmou que conseguiu ir para casa dormir. “Quando eu volto, trago café para o pessoal.”
Alguns motoristas, contudo, não fazem parte nem da organização nem dos turnos. Conversam em grupos separados e dizem não estar no WhatsApp, que norteia as decisões gerais.
Geralmente, são os caminhoneiros que foram parados pelos demais e não estavam no começo do protesto.
É o caso do autônomo Milton dos Santos, 51, que disse apoiar a paralisação, apesar de deixar de receber entre R$ 300 e R$ 600 de frete por dia.
“É fácil apoiar o movimento de casa, mas tem que parar mesmo”, afirmou.
De Belo Horizonte a São Paulo, nos 590 quilômetros da Fernão Dias, as histórias se repetiam.
Além das barreiras virtuais do WhatsApp, que davam o sinal de parada aos motoristas, havia poucos bloqueios físicos nas pistas.
Em São Gonçalo do Sapucaí (MG), uma dessas barreiras foi montada.
Havia galões dispostos na rodovia, obrigando os veículos a reduzirem a velocidade. Uma placa de “intervenção militar” e uma longa fila de caminhões no acostamento acompanhavam o bloqueio.
A reivindicação “intervenção militar” fora vista pela reportagem poucas horas antes de o presidente Michel Temer decretar GLO (Garantia da Lei e da Ordem), que autoriza justamente o uso das Forças Armadas para obrigar os caminhoneiros parados a liberar as estradas.
A decisão foi tomada na tarde de sexta após o acordo anunciado firmado um dia antes com entidades de representação do setor não convencer os caminhoneiros a voltar a circular.
“Temer é como se fosse um espírito do mal. Ele tira da boca dos meus meninos. Nós, descamisados e pobres, vamos tirar ele de lá”, disse o caminhoneiro Paulo Roberto, 41, em São Gonçalo do Sapucaí (MG).
Apesar da ordem de liberação das estradas, os grupos de caminhoneiros estacionaram dentro de postos de gasolina e se concentraram na saída do local, deixando a pista livre.
Segundo caminhoneiros ouvidos pela reportagem, aqueles que não param ao atravessar pontos de bloqueios nas rodovias são retaliados com pedras.
Para Fernando Francisco, 47, porém, é convencimento. “Vai ficar com a gente, passar frio e valorizar o movimento.”
Apesar dos relatos de pedradas, muitos caminhoneiros afirmaram que não há nenhum tipo de pressão e o movimento foi espontâneo e voluntário. Eles disseram que os sindicatos que negociaram em Brasília não os representam.
“Esse movimento de agora não está tendo envolvimento com sindicato. Está todo o mundo em conjunto. Todo o mundo está sendo, na verdade, caminhoneiro”, disse Roberto de Oliveira, 46.
Apesar do apoio à greve, ele ressaltou que, de certa forma, os caminhoneiros são obrigados a estacionar. “Se eu rodar e o pessoal quebrar um para-brisa, uma lanterna, eu tenho que pagar. Então, para não tomar prejuízo, tenho que aderir e participar em conjunto.”
Como todos os motoristas ouvidos pela Folha, Osvaldo Aparecido, 57, faz as contas de como o combustível e os pedágios consomem o frete que recebem.
“Para ir a São Paulo, são R$ 1.800 de frete, mas sobram uns R$ 600. Com manutenção e alimentação, não sobra nada. Vai sobreviver com o quê?”
Antes da política de preços da Petrobras atrelada às cotações internacionais, o salário chegava a R$ 5.000. Agora são R$ 3.000.
“Dava para pagar as contas, e agora não está dando.”
Na cidade de Oliveira (MG), os caminhoneiros almoçavam no Graal de graça —comida e banho estavam liberados. “Está todo o mundo dando apoio. A gente nem esperava isso e as coisas estão acontecendo”, disse Aparecido.
Em outros locais de paralisação, os caminhoneiros recebiam doações de lanches, água e café.
À noite, os grupos se reuniam em torno de fogueiras na beira da pista. Na divisa com São Paulo, houve protesto e carreata de moradores favoráveis ao movimento. Com faixas e buzinas, cantaram o Hino Nacional e gritaram “fora, Temer” e “o povo unido jamais será vencido”.
Predominaram, em toda a extensão da rodovia, faixas de apoio à intervenção militar.
“Aqui vai ter dificuldade [para as forças agirem], porque a rodovia está desbloqueada. Se vierem, vão comer lanche com a gente e serem bem servidos”, disse Dinho de Castro, 42, que também é vereador em Três Corações (MG).
“O presidente vai me obrigar a trabalhar no meu caminhão? Não pode obrigar. Eu não devo nada para o governo, porque ele nunca me deu nada, só me tomou”, afirmou o colega Valmir Miranda, 57.
Carolina Linhares , Isabel Fleck e Joana Cunha